Trabalhos Aprovados 2022

Ficha do Proponente

Proponente

    Alexandre Kenichi Gouin (UFRJ)

Minicurrículo

    Mestre em Comunicação e Cultura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Trabalha como pesquisador de imagens para produções artísticas e audiovisuais. É também tradutor e membro do corpo editorial da Revista Eco-Pós. Atualmente realiza Doutorado em Comunicação e Cultura pela Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro com pesquisa sobre a montagem de imagens de arquivo no cinema experimental.

Ficha do Trabalho

Título

    Plásticas negativas, montar o avesso das imagens

Seminário

    Cinema experimental: histórias, teorias e poéticas

Formato

    Presencial

Resumo

    Partindo da análise do uso de negativos de imagens na prática de reelaboração fílmica dos cineastas italianos Yervant Gianikian e Angela Ricci Lucchi, buscaremos evidenciar as forças desse tipo de imagem e os efeitos almejados pelos cineastas através do uso de técnicas de composições oferecidas pela câmera analítica – aparelho construído pelos cineastas. Assim mostraremos como, potencializando as características plásticas das imagens, aflore uma dimensão háptica – a sensação de tocar as imagens.

Resumo expandido

    A partir da análise de alguns filmes da obra dos cineastas italianos Yervant Gianikian e Angela Ricci Lucchi destacaremos o emprego dos negativos de imagens enquanto procedimento estético. Buscaremos assim evidenciar as forças desse tipo de imagem e os efeitos almejados pelos cineastas através do uso de técnicas de composições oferecidas pela câmera analítica – aparelho construído pelos cineastas para poder operar dentro dos fotogramas, graças a técnicas como o reenquadramento e a alteração de velocidades.
    O uso na montagem de negativos de imagem é um procedimento plástico que tem fascinado desde os primeiros cineastas de vanguarda. Isso se deve certamente em grande parte ao efeito duplo que a aparição de um negativo de imagem provoca no espectador, efeito descrito pelo pesquisador Patrick de Haas nos seguintes termos: “a ênfase no negativo produz esta situação que pode parecer paradoxal, valoriza a natureza indicial da fotografia (sua conexão física com a realidade) e ao mesmo tempo anula o efeito de real obtida pela imagem positiva” (DE HAAS, 2011, p. 436). O choque produzido pela aparição de um negativo de imagem e a dimensão simbólica carregada são dimensões inerentes aos negativos de imagens, destacadas por Nicole Brenez em De la figure en général et du corps en particulier (1998), em que afirma: “a inversão dos valores óticos nos faz cair num universo em que o simples decalque técnico não se sobrepõe exatamente ao positivo, mas deixa aparecer outra versão do mundo, uma versão aurática, muitas vezes fúnebre e sempre mágica” (BRENEZ, 1998, p. 77).
    Um dos aspectos do uso dos negativos de imagens que gostaríamos de enfatizar é sua dimensão plástica, isto é o forte contraste produzido por estes últimos. Embora os negativos de imagens apresentem somente, em relação aos positivos de imagens, uma inversão no sistema bipolar (preto/branco) e não sejam a priori mais acentuados em termo de contraste, é possível destacar em alguns dos negativos, devido à inversão dos valores visuais, o surgimento de um fundo mais escuro, em relação às figuras, que tende a se unificar, a se homogeneizar, acentuando assim o contraste e destacando as silhuetas recortadas. Apesar do contraste criado entre fundo e forma não ser sempre total, devido a aparição de outras formas além das figuras humanas, observa-se assim uma tendência à homogeneização do fundo que deprecia consequentemente a profundidade da imagem e produz assim uma superfície que abrange forma e fundo num mesmo e único plano. Esse resultado permite o afloramento de uma dimensão sensorial das imagens através do háptico.
    O filósofo Gilles Deleuze, ao analisar a obra do pintor Francis Bacon, destaca a dimensão háptica das imagens, isto é, uma possibilidade do olhar, um tipo de visão distinta da óptica. Deleuze identifica na arte egípcia antiga uma forte potência háptica, especificamente nos agenciamentos dos baixos-relevos, onde fundo e forma se encontram no mesmo plano. Segundo o autor, a superfície plana, elemento de base destes últimos, permite ao olho operar como o toque, e lhe confere assim uma função háptica. Com efeito, os baixos-relevos do Egito antigo foram feitos para ser vistos frontalmente e de perto, e sua superfície plana abrange forma e fundo num mesmo e único plano, próximos um do outro e próximos do observador. Assim, tanto a superfície quanto a materialidade da imagem se encontram valorizadas e a observação desses baixos-relevos proporciona a sensação de estar tocando-os.
    Assim, o trabalho de reelaboração fílmica dos artistas tem como um de seus resultados o desmoronamento da profundidade da imagem, colocando as figuras em primeiro plano e fazendo aflorar um tipo de relação sensorial entre espectador e imagens, em que o olho tem a sensação de tocar as imagens. A montagem de imagens de arquivo que promove uma experiência háptica permite então proporcionar ao espectador um outro tipo de relação sensorial com o que vê, que não passa pela representação.

Bibliografia

    BRENEZ, Nicole. De la figure en général et du corps en particulier. L’invention figurative au cinéma. Paris-Bruxelles: De Boeck Université, 1998.

    DE HAAS, Patrick. Cinéma absolu. Avant-garde. 1920-1930. Marseille: METTRAY editions, 2018.

    DELEUZE, Gilles. Francis Bacon. Logique de la sensation. Paris: Éditions du Seuil, 2002.

    GIANIKIAN, Yervant e RICCI LUCCHI, Angela. Notre caméra analytique. Paris, post-éditions / Centre Pompidou, 2015.

    LUMLEY, Robert. Entering the frame. Cinema and History in the Films of Yervant Gianikian and Angela Ricci Lucchi. Berne: Peter Lang, 2011.

    MACDONALD, Scott. A Critical Cinema 3: Interviews with Independent Filmmakers. Berkeley: University of California Press, 1998.

    MARKS, Laura K. Touch: sensuous theory and multisensory media. Minneapolis-London: University of Minnesota Press, 2002.

    TOFFETTI, Sergio. Yervant Gianikian Angela Ricci Lucchi. Florença-Turim: Hopefulmonster – Museo Nazionale del Cinema, 1992.