Trabalhos Aprovados 2022

Ficha do Proponente

Proponente

    Bernardo Tavares e Silva Costa (UFRJ)

Minicurrículo

    Bernardo Tavares é mestrando em Artes da Cena na UFRJ, com bolsa da CAPES, e formou-se em Cinema pela PUC-Rio, com passagem pelo Departamento de Performance da Universidade de Leeds como bolsista do programa Santander Mundi. Seu roteiro “Rita tem horror à noite” foi selecionado para os laboratórios MetrôLab 2020 e NPA 2021 e seu primeiro curta documental, “O céu de lá”, foi exibido em festivais como Guarnicê, FestUni BSB e Cine MIS SP.

Ficha do Trabalho

Título

    Tensionar a representação: exercícios cênicos em Um filme de verão

Formato

    Presencial

Resumo

    A comunicação insere-se no ramo dos estudos atorais (GUIMARÃES, 2019), tendo como objetivo cartografar o trabalho cênico desenvolvido com os atores não profissionais que protagonizam Um filme de verão, de Jo Serfaty. A partir da noção de tensionamento do regime representativo (BRASIL 2010), buscou-se pensar a performance como recurso na construção de certa opacidade (MOMBAÇA, 2021), central para a proposta imagética presente no longa.

Resumo expandido

    No bairro de Rio das Pedras, na zona oeste do Rio de Janeiro, quatro jovens suportam as altas temperaturas dos meses de férias: em Um filme de verão, o último recesso antes do fim do Ensino Médio é a tônica do arco de Caio, Karol, Ronaldo e Júnior. Em diálogo com uma série de filmes da última década que propõem a atores não profissionais a reencenação de seus cotidianos como dispositivo fílmico, o longa de Jo Serfaty o faz em contraponto a uma forte herança imagética que, desde Cidade de Deus, ronda as periferias do território fluminense. Nesse sentido, longe de se ater à discussão do rótulo ficcional/documental de obras que optam por elenco amador, a presente comunicação se insere no ramo dos estudos atorais (GUIMARÃES, 2019), movida pelo desejo de, a partir da escolha estética por tais corpos e suas auto-mise-en-scènes (COMOLLI, 2008, p. 48), cartografar o trabalho cênico desenvolvido e suas operações na ideia de representação.

    É importante recuperar, então, o estudo de André Brasil acerca de filmes nacionais que iniciaram certo tensionamento no regime representativo, nos anos 2000. Para o autor, a práxis cinematográfica dessas obras, marcadas em sua maioria por uma íntima relação entre realizador e atores não profissionais, sobrepõem formas de vida e formas de imagem. Elas expõem uma narrativa ficcional que constantemente entra em deriva, ao mesmo tempo em que essa suposta documentação de um mundo dito real é também recorrentemente atravessada pelo artifício fílmico. Não faria sentido, portanto, verificar o grau de convencimento de um corpo que representa, pois o referente oculto nesse caso não existe: ele se encontra visível e presente em tela. Por isso, os corpos não são aqui percebidos pela chave da representação, mas da performatividade, ou seja, encontram-se tensionados no conflito direto entre a mise-en-scène, que tenta ordenar a cena, e o gesto, que constantemente eclode em sua espontaneidade (BRASIL, 2010, pp. 5-7).

    Esse corpo cênico, portanto, seguindo a esteira dos estudos em performance de Eleonora Fabião, avança para além da dicotomia ficção e realidade. É, antes disso, um corpo emaranhado na complexa trama entre memória, imaginação e atualidade (FABIÃO, 2010, p. 323): são atores não profissionais que, ao performarem as próprias vivências, o fazem com evidente consciência cênica. Esse apontamento é relevante para que, como afirma Jota Mombaça, a visibilidade não seja confundida com transparência (MOMBAÇA, 2021, p. 108). Isso quer dizer que a capacidade espectatorial de acesso à visualidade de uma cena e suas implicações narrativas não significa um acesso integral à realidade em tela. Uma percepção performativa desses atores, portanto, estabelece uma forma de opacidade, onde quem vê, apesar da impressão de totalidade, enxerga apenas a parcela daquelas vidas que ativa e voluntariamente se expõe ao olhar da câmera.

    O opaco da imagem performativa, portanto, se configura enquanto obstáculo para as substituições do jogo representacional clássico, em que um corpo se faz presente no lugar de outro ausente. Tal dinâmica é central na lógica colonial (MOMBAÇA, 2021), pois garante a transparência necessária a um olhar universalizante, que pretende a tudo enxergar e a tudo conhecer, bastaria apenas representar. Esse seria, portanto, um domínio descartiano, em que mente e corpo estão separados e, por isso, a racionalidade, desencarnada, pode não assumir uma posição no mundo e assim pretender a neutralidade (GROSFOGUEL, 2008, p. 120). Na contramão desse regime visual, filmes como o de Jo Serfaty fincam sua estética no corpo dos atores, que não trazem simplesmente sua materialidade para a cena: suas bagagens mnemônicas, seus potenciais de fabulação e o diálogo direto com o renovado presente em que estão inseridas suas existências constroem também uma imagem nunca meramente dada, mas sempre em tensão.

Bibliografia

    BRASIL, André. “A performance: entre o vivido e o imaginado”. In: COMPÓS, XX., 2011. Porto Alegre. Anais eletrônicos. Porto Alegre: UFRGS, 2011.
    COMOLLI, Jean-Louis. Ver e poder – A inocência perdida: cinema, televisão, ficção e documentário. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2008.
    FABIÃO, Eleonora. “Corpo cênico, estado cênico”. IN: Revista Contrapontos, Eletrônica, vol. 10, n. 3, p. 321-326, set./dez. 2010.
    GROSFOGUEL, Ramón. “Para descolonizar os estudos de economia política e os estudos pós-coloniais: Transmodernidade, pensamento de fronteira e colonialidade global”. IN: Revista Crítica de Ciências Sociais, 80, p. 115-147, mar. 2008.
    GUIMARÃES, Pedro Maciel. “O ator como forma fílmica: metodologia dos estudos atorais”. IN: Aniki, vol. 6, n. 2, p. 81-92, ago. 2019.
    MOMBAÇA, Jota. “Escuro e não representação – sobre NoirBLUE de Ana Pi”. IN: Não vão nos matar agora. Rio de Janeiro: Editora Cobogó, 2021.