Trabalhos Aprovados 2022

Ficha do Proponente

Proponente

    Marcel Gonnet Wainmayer (PPGCine-UFF)

Minicurrículo

    É Doutorando no Programa de Pós-Graduação em Cinema e Audiovisual da Universidade Federal Fluminense – PPGCine – UFF (2020). Possui Mestrado no Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal Fluminense – PPGCOM/UFF (2017). Possui Licenciatura em Jornalismo – Universidad Nacional de Lomas de Zamora, Argentina (2004). Integrante da Asociación de Documentalistas Argentinos (DOCA) e de Directores Argentinos Cinematográficos (DAC).

Coautor

    VANESSA TEIXEIRA DE OLIVEIRA (PPGAC-UNIRIO)

Ficha do Trabalho

Título

    “Todas esas películas duermen en nosotros”: jogo de sonho em Raúl Ruiz

Formato

    Presencial

Resumo

    O presente trabalho analisa dois filmes do cineasta franco-chileno Raúl Ruiz (1941-2011): Combate de amor em sonho (Combat d’amour en songe, 2000) e A hipótese do quadro roubado (L’hypothèse du tableau volé, 1978), destacando procedimentos relacionados ao sono e ao sonho como motores de um antigênero cinematográfico: o jogo de sonho. Esta poética onírica estaria ligada, segundo Ruiz, a um “cinema xamânico”, um cinema que possibilitaria viagens entre mundos diferentes.

Resumo expandido

    O chileno Raúl Ernesto Ruiz Pino, conhecido como Raoul Ruiz (1941-2011), dirigiu a impressionante marca de mais de cem filmes. Ele dirigiu longas e curtas, vídeos, telefilmes e dúzias de peças de teatro e óperas. Apesar da sua vasta obra, a distribuição dos seus filmes limitou-se, por décadas, a festivais e cineclubes, no embalo do precoce reconhecimento que lhe deram os membros da revista Cahiers du Cinéma na França, onde se exilou logo após o golpe de Estado no Chile em 1973. Desde os seus primeiros filmes, Ruiz estabeleceu alguns princípios em torno dos quais giraria o resto da sua obra: um cinema inclassificável que reúne, com uma liberdade inédita, magia, literatura, teologia, pintura e filosofia. Seu exílio na França, de algum modo, ainda marcou a distância dele com os realizadores da sua geração, com o realismo imposto pelo cânone político latino-americano da década de 1970. Ruiz, no entanto, também empreendeu uma batalha intelectual e artística contra um cinema de enfoque industrial a favor de um cinema “mais artesanal”, ou, em outras palavras, contra o “paradigma narrativo industrial” em defesa de um “cinema xamânico” (RUIZ, 2013, p.92). “Falo, no fundo, de um cinema capaz de inventar uma gramática nova cada vez que passa de um mundo a outro, capaz de produzir uma emoção particular ante cada coisa, animal ou planta, apenas modificando o espaço e o tipo de duração” (RUIZ, 2013, p.112). Em Poéticas do cinema, Ruiz vincula esta poética “xamânica” a uma poética onírica.
    No presente trabalho, nos detemos sobre dois filmes de Ruiz: Combate de amor em sonho (Combat d’amour en songe, 2000) e A hipótese do quadro roubado (L’hypothèse du tableau volé, 1978), destacando procedimentos relacionados ao sono e ao sonho como motores de um gênero, ou melhor, antigênero cinematográfico: o jogo de sonho. Em Combate, o próprio título do filme faz referência a um dos livros mais enigmáticos da época do Renascimento: Hypnerotomachia Poliphili (A batalha de amor em sonho de Polifilo), livro provavelmente de 1499, cuja autoria é atribuída a Francesco Colonna (há uma hipótese de que Leon Battista Alberti seja o verdadeiro autor da obra). Logo no início do filme, somos apresentados ao grupo de atores que viverão nove histórias muito distintas entre si. Estas histórias, somos informados, serão entrelaçadas de acordo com as técnicas da arte combinatória de Ramón Llull (c.1232-c.1315-16), podendo chegar a um total de duas mil histórias. Não somente uma das histórias versa sobre dois amantes que se encontram todas as noites num sonho: o processo onírico contamina todo o filme ao criar uma espécie de dramaturgia ornamental na qual se conectam situações, personagens, gestos e objetos por meio de equivalências visuais e não por causalidades, condições ou razões.
    Baseado livremente no livro O bafomé (Le Baphomet), do escritor e pintor francês Pierre Klossowski (1905-2001), A hipótese do quadro roubado apresenta um colecionador de quadros que tenta revelar o mistério ao redor de uma série de sete pinturas do pintor Tonerre. O Colecionador investiga as motivações do escândalo envolvendo a exposição desses quadros na Paris do século XIX. Em um momento do filme, o Colecionador vai adormecendo, mas sua voz continua, num sussurro, especulando sobre o quadro roubado. O sono do Colecionador encena aí a chegada ao “ponto hipnótico”. Segundo Ruiz (2013, p.145), o espectador apenas “está” em um filme quando perde o fio da história, quando dorme real ou metaforicamente.
    Contra filmes cuja trama central funcionaria a modo de coluna vertebral, Ruiz propõe filmes-monstros, aproximando-se, a nosso ver, de uma tradição de obras “jogo de sonho” que Jean-Pierre Sarrazac (2013) considera iniciada pelo dramaturgo sueco August Strindberg (1849-1912), autor da peça O sonho (1901). Além de Sarrazac, utilizamos o apoio metodológico, historiográfico, teórico e crítico de autores como Davi Kopenawa, Jean-Luc Nancy, Jacques Rancière e Jonathan Crary.

Bibliografia

    COLONNA, F. Hypnerotomachia Poliphili = A batalha de amor em sonho de Polifilo. Trad. Cláudio Giordano. São Paulo: Oficina do Livro Rubens Borba de Moraes: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2013.
    CRARY, J. 24/7. El capitalismo tardio y el fin del sueño. Trad. Paola Cortés-Rocca. Buenos Aires: Paidós, 2015.
    KOPENAWA, D.; ALBERT, D. A queda do céu. Palavras de um xamã yanomami. São Paulo: Companhia das Letras, 2015.
    NANCY, J.-L. Tumba de sueño. Trad. Horacio Pons. Buenos Aires: Amorrortu, 2007.
    RANCIÈRE, J. Aisthesis: escena del régimen estético del arte. Trad. Horacio Pons. Buenos Aires: Manantial, 2013.
    RUIZ, R. Poéticas del cine. Trad. Alan Pauls. Santiago del Chile: Ediciones Universidad Diego Portales, 2013.
    SARRAZAC, J.-P. Jogo de sonho: uma dramaturgia do entre-dois. In: Sobre a fábula e o desvio. Org. e trad. Fátima Saadi. Rio de Janeiro: 7Letras: Teatro do Pequeno Gesto, 2013, p.95-109.