Trabalhos Aprovados 2022

Ficha do Proponente

Proponente

    Caio Bortolotti Batista (UFRJ)

Minicurrículo

    Caio Bortolotti Batista é Doutorando no PPGCOM-UFRJ. Mestre pelo Programa Europeu Erasmus Mundus Crossways in Cultural Narratives (2020) e Mestre em Comunicação e Cultura pela UFRJ (2018). Jornalista, diretor audiovisual e roteirista, realizou diversos curtas de ficção e trabalhou durante mais de dez anos no Programa Especial (TV Brasil), semanal documentário que fala da vida de pessoas com deficiência, primeiro como coordenador de edição e depois como assistente de direção.

Ficha do Trabalho

Título

    O cinema na “virada da mobilidade”: devires fílmicos de La Salada

Formato

    Presencial

Resumo

    Procurando situar o cinema no contexto do “novo paradigma das mobilidades” (SHELLER; URRY, 2006), propõe-se aqui uma análise do longa-metragem de ficção La Salada (Juan Martin Hsu, 2014). O percurso exploratório mapeia movimentos e imobilidades tornados visíveis nas relações entre o espaço social e o espaço fílmico, e aponta para uma compreensão mais múltipla e aberta de um determinado processo urbano de migrações, visto aqui como um “plano de consistência” (DELEUZE; GUATTARI, 2000).

Resumo expandido

    “Como formular questões e identificar métodos apropriados à investigação social num contexto em que ‘entidades’ duráveis de muitos tipos se mostram instáveis, mutantes e móveis? (…) E de que forma nossos modos de ‘saber’ estão sendo transformados pelos próprios processos ‘móveis’ que desejamos estudar?” (SHELLER; URRY, 2006, p. 212, tradução minha) Tais indagações, presentes no emblemático texto de Mimi Sheller e John Urry, “The new mobilities paradigm” (2006), apontam para a necessidade de mapear a zona de convergência que atravessa diversos ramos das Ciências Sociais, na passagem para o século XXI, a partir da categoria analítica do “movimento”: com a chamada “virada da mobilidade” (Ibid., p. 208), o pesquisador passa a se deslocar junto com os objetos de pesquisa, percebendo-os em seus itinerários e também em suas imobilidades, o que permite outras possibilidades epistemológicas, com aportes importantes germinando em (e entre) campos como a antropologia, a sociologia, os estudos culturais, a geografia, os estudos migratórios, os estudos de ciência e tecnologia, os estudos de transporte e turismo (Ibid., p. 207).

    As análises que inscrevem debates das Humanidades e das Artes nesse paradigma também crescem a cada dia. Contudo, parece pertinente aventar que o cinema, arte das imagens em movimento, não tenha ainda recebido suficiente atenção como objeto de pesquisa crucial em tal contexto. Propõe-se, assim, uma contribuição por meio de um percurso exploratório pelos espaços fílmicos do longa-metragem de ficção La Salada (Juan Martin Hsu, 2014), que narra experiências migratórias específicas no século XXI, em busca de mobilidades e imobilidades que aprofundem a compreensão dos espaços sociais com que o filme se relaciona – o principal deles sendo, neste caso, a maior feira popular da América do Sul, localizada em dois edifícios nos limites da cidade de Buenos Aires, Argentina.

    O diretor do filme, Juan Martin Hsu – um argentino, filho de mãe taiwanesa e pai chinês (RUD, 2020) – faz fluir deste local um recorte provisório que, mesmo sem retratar a viagem dos migrantes em si (a não ser pelo trajeto final da van que traz os bolivianos), revela um espaço de migrações também em movimento, perpassado por diferentes questões raciais, de classe, de gênero. Essa heterogeneidade surge através dos distintos estágios, mais processuais do que temporais, de “desterritorialização-reterritorialização” (DELEUZE; GUATTARI, 2000, p. 17) em que se tecem essas subjetividades, estágios sempre incompletos e liminares: daqueles que chegaram há muito, daqueles que acabaram de chegar, e, finalmente, daqueles que nunca conseguem chegar de fato, e seguem habitando um contínuo limbo ou “entredois”.

    Por meio de um “ziguezague” que relaciona “movimentos díspares” ou os “potenciais” (DELEUZE; PARNET, 1988/1989) entre o espaço social e o espaço fílmico, entre a feira La Salada e o filme La Salada, busca-se alcançar uma compreensão mais múltipla e aberta de um determinado processo urbano de migrações: um “plano de consistência” (DELEUZE; GUATTARI, 2000), com a potência de seus devires. Ao contrário de uma análise mais “sedentária”, que enxergaria a feira apenas pelo intermédio da descrição de formações já estabilizadas, buscamos seguir as dinâmicas que vão permitindo que este lugar deixe de ser este lugar, a cada momento. Tal caminho metodológico que utiliza o cinema como dispositivo de visibilidade de transições, que valoriza o “fora de campo”, por exemplo, como antídoto contra a supressão de alteridades constitutivas – abrindo espaço para o “contágio de ideias estranhas, a circulação de estrangeiros e os encontros imprevisíveis” (CAIAFA, 2019, p. 16) –, parece encontrar ressonâncias importantes no “novo paradigma das mobilidades”, colaborando para a aplicação e expansão de suas ferramentas conceituais.

Bibliografia

    CAIAFA, Janice. “Comunicação, subjetividade e transporte nas cidades”. Novos Olhares, v. 8, n. 1, p. 7-19, 2019.
    DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia, vol. 1. Rio de Janeiro: Editora 34, 2000.
    DELEUZE, Gilles; PARNET, Claire. “O abecedário de Gilles Deleuze”. Entrevistas com Claire Parnet, 1988/1989.
    GAGO, Verónica. “La Salada:¿ un caso de globalización «desde abajo»? Territorio de una nueva economía política transnacional”. Nueva Sociedad, pp. 63-78, n. 241, 2012.
    NAIL, Thomas. “What Is the Philosophy of Movement?” Mobility Humanities, Vol. 1, No. 1, Jan. 2022, pp. 6-22.
    RUD, Lucía. “Representaciones de las migraciones y diásporas de Asia del Este en el audiovisual argentino”. Nuevo Mundo Mundos Nuevos, 2020.
    SHELLER, Mimi; URRY, John. “The new mobilities paradigm”. Environment and planning A, v. 38, n. 2, p. 207-226, 2006.