Trabalhos Aprovados 2022

Ficha do Proponente

Proponente

    Pollyane Silva Belo (UERJ)

Minicurrículo

    Doutoranda no Programa de Pós Graduação em Comunicação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Bacharel em Estudos de Mídia e Mestre em Comunicação pela Universidade Federal Fluminense (UFF), onde foi bolsista Faperj e Faperj Nota 10. Coordena o Grupo de Estudos sobre a Mestiçagem no Brasil e é membra do Grupo de Estudos sobre Comunicação, Cultura e Sociedade (GRECOS, UFF) e do Grupo Comunicação, Arte e Redes Sociotécnicas (TRAMA, UERJ).

Ficha do Trabalho

Título

    Arquivo “Aquarius”: a obliteração como afeto que serve à brancura

Formato

    Presencial

Resumo

    Em sua versão jovem, Clara, a protagonista de Aquarius (2016, Kleber Mendonça) é interpretada por Bárbara Colen, uma mulher autodeclarada negra, e, quando envelhece, é vivida por Sônia Braga, uma mulher autodeclarada branca. O texto apresenta a recusa dos traços racializados não-brancos e a conveniente mediação estética-ético-política entre a brancura e negrura como um afeto aglutinador que corta o tempo linear de concepção da obra.

Resumo expandido

    Sara Ahmed (2004) ao tomar o afeto sob a égide das economias afetivas, aponta-o como construtor de realidades particulares, não apenas como uma disposição psicológica, mas como mediador da “relação entre o psíquico e o social, e entre o individual e o coletivo” (AHMED, p. 119). O afeto, nesta perspectiva, cria uma aderência entre símbolos e figuras, “colando” (sticking) duas ou mais singularidades em um mesmo guarda-chuva de sentido, e gera, desse modo, um efeito de coerência que ressoa na ideia de “coletivo”. Sendo assim, a inflexão realizada sobre o conceito de afeto se distancia de sua capacidade de habitar uma pessoa ou uma figura positivamente – não é essencialmente sobre aquilo que causa certa emoção em determinada pessoa -, é sobre o afeto “aproximar” (bind) pessoas, figuras e sentidos, criando efeito no real.
    Nesta comunicação, buscaremos traçar dentre elementos intra e extra-fílmicos, dinâmicas afetivas que aproximam as figuras de Bárbara Colen e Sônia Braga, considerando a escalação das duas mulheres para interpretar a mesma personagem em diferentes momentos da vida, no longa-metragem Aquarius (2016, Kleber Mendonça). Este movimento é feito pois visa apontar o desprezo pelo imperativo estético que envolve as duas figuras: o fato de Braga ser uma mulher branca, e Colen, uma mulher negra de pele clara.
    O método aplicado remete à abordagem materialista da imaginação composicional (SILVA, 2016). Essa metodologia suspende o tempo linear e a categorização (determinabilidade) midiática que separa o filme de seus respectivos arquivos satélites – uma notícia de jornal, fotos promocionais das atrizes e acervo novelístico -, a fim de trazer à tona parte do afeto que “cola” e, subsequentemente, apazigua a negrura de Colen. A leitura acerca deste caso como uma “composição (decomposição ou recomposição), sempre como já um momento, que é uma composição singular, daquilo que também constitui ‘o que aconteceu e o que ainda está para acontecer’” (SILVA, 2016, p. 409), tenta explicitar o embranquecimento nacional como economia afetiva que corta o tempo linear. Logo, a memória racista brasileira é um já/agora, a partir da cola afetiva que compõe uma experiência estética de aproximação radical entre Bárbara Colen e Sônia Braga, (re)contribuindo para e reencenando o apagamento de corpos-subjetividades e símbolos não-brancos.
    Tal apagamento é acionado por Silva (2006) como a lógica da obliteração, isto é, o processo histórico, científico, econômico, jurídico, e erótico, de diluição e, posteriormente, aniquilação de populações não-brancas no Brasil. Partindo da tese de Gilberto Freyre (1933) que institui o mestiço como produto do desejo destrutivo do colonizador focado nas mulheres não-brancas e, ao mesmo tempo, como sujeito nacional de reiteração pós-colonialista brasileira, Silva aponta para o valor estratégico e histórico que a miscigenação ocupa como ferramenta política/simbólica do embranquecimento da população nacional. Tamanha ideologia, contribui intersubjetivamente para a subalternização racial negra diante daquele que é transparente (a branquitude/brancura) para a violência racial.
    Destarte, mapear o desejo destrutivo e lógica da obliteração apenas “[n]o que foi posto em cena” (SAMPAIO; PRYSTON, 2022, p.15) nas imagem da filmografia nacional mantém o debate a nível estrutural e sequencial (dentro do tempo moderno/colonial). A proposta neste artigo é pensar em nível molecular, ou seja, como a matéria negra mestiça que na sua reencenação através do tempo continua se decompondo quando colide com o afeto obliterador da negrura (a brancura), afeto que habita as imagem fílmicas e suas dobras não-figurativas. Não ignoramos a mise-en-scène, no entanto, se o projeto de embranquecimento nacional foi planejado para um futuro utópico branco (LACERDA, 1911), precisamos imaginar “o que acontece sem o tempo” (SILVA, 2016, p. 410) e sem dissociações conceituais sobre imagens e elementos que trabalham em rede para embranquecer uma mulher negra.

Bibliografia

    AHMED, S. Affective Economies. Social Text 22, no. 2, p. 117–39, 2004.

    AQUARIUS. Direção: Kleber Mendonça Filho. Rio de Janeiro: Globo Filmes, 2016. (145 min)

    FREYRE, G. Casa-Grande & Senzala. [1933]. 48ª edição. Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 2003.

    LACERDA, J. [1911]. Sobre Mestiços no Brasil. SCHWARCZ, L. In: Previsões são sempre traiçoeiras: João Baptista de Lacerda e seu Brasil branco. História, Ciências, Saúde, v.18, n.1, jan.-mar, p. 225-242, 2011.

    SAMPAIO, L. ; PRYSTON, A. Desejos coloniais: a fantasia erótica de Gilberto Freyre. Contracampo, Niterói, v. 41, n. 1, p. 1-17, jan./abr. 2022.

    SILVA, D. À brasileira: racialidade e a escrita de um desejo destrutivo. Estudos Feministas. Florianópolis, UFSC, v. 14, n. 1, pp. 61-83, 2006.

    ________. O evento racial ou aquilo que acontece sem o tempo. [2016]. In: PEDROSA, Adriano; CARNEIRO, Amanda; MESQUITA, André (orgs.). Histórias afro-atlânticas: vol. 2 antologia. São Paulo: Masp, 2018.