Trabalhos Aprovados 2022

Ficha do Proponente

Proponente

    Maurício de Bragança (UFF)

Minicurrículo

    Graduado em História e Cinema, com Mestrado em Comunicação e Doutorado em Letras pela Universidade Federal Fluminense. Atualmente é Professor Associado do Departamento de Cinema e Video e do Programa de Pós-Graduação em Cinema e Audiovisual da UFF. Publicou A traição de Manuel Puig: melodrama, cinema e política em uma literatura à margem (EDUFF, 2010) e organizou, com Marina Tedesco, o livro Corpos em projeção: gênero e sexualidade no cinema latino-americano (7Letras, 2013).

Ficha do Trabalho

Título

    La mancha de sangre: o cabaré, a prostituta, o sexo e o trabalho

Seminário

    Audiovisual e América Latina: estudos estético-historiográficos comparados

Formato

    Presencial

Resumo

    Esta comunicação pretende apresentar aspectos estéticos e narrativos do filme La mancha de sangre, de Adolfo Best Maugard (México, 1937), além de abordar sua recepção crítica à época do lançamento em 1942, tensionando o texto fílmico com o modelo paradigmático de filmes de cabaré instaurado por Santa, de Antonio Moreno (México, 1931).

Resumo expandido

    O cabaré é um cenário fundamental na história do cinema mexicano. Em torno desse lugar, se problematizaram questões importantes de uma modernidade periférica latino-americana, de feições especificamente mexicanas: as complexas relações entre o campo e a cidade, a modernização dos espaços urbanos, os processos higienistas e sanitaristas que foram levados a cabo desde a virada do século XIX para o XX, a cultura popular e massiva no âmbito daquela modernidade, o cancioneiro vernacular e a canção moderna mexicana, a tradução misógina do feminino em torno da dicotomia pecado/pureza, os processos intermidiáticos presentes no cinema, as imagens compartilhadas em torno de um imaginário de Nação, as representações de gênero no universo valorativo daquela época, as tensões decorrentes do público e do privado, a construção cinematográfica da personagem da prostituta, a consolidação de formas de entretenimento popular na primeira metade do século XX, dentre tantas outras discussões.
    O primeiro filme conhecido do cinema sonoro mexicano é Santa, dirigido por Antonio Moreno em 1931, e traz a história de uma prostituta que, decaída socialmente depois de ter sido expulsa de sua cidade do interior por ter se entregado ao homem que amava e a abandonara, migra para a cidade onde só lhe resta o trabalho como prostituta num cabaré.
    Santa, filme adaptado do célebre e exitoso romance naturalista de Federico Gamboa, publicado em 1903, tornou-se um paradigma de representação dessa personagem no cinema mexicano e na cultura imagética de uma forma geral, e já havia sido levado ao cinema em 1918, numa versão dirigida por Luis Peredo. O filme iria voltar ainda muitas vezes à tela: Santa, de Norman Foster (1943); Hipólito el de Santa, de Fernando de Fuentes (1949); Santa, de Emilio Gómez Muriel (1968) e Latino Bar, de Paul Leduc (1990), o que demonstra a permanência do texto no imaginário cultural mexicano, e suas atualizações, ao longo do século XX.
    Muitas transformações e renovações se deram tanto na personagem da cabaretera/rumbera/prostituta, quanto neste espaço emblemático do cabaré no cinema mexicano ao longo do século XX e XXI, mas Santa sempre se manteve como uma espécie de discurso fundador dessas representações e de toda a problemática em torno das discussões sobre o corpo/espaço prostibular e a cidade no âmbito da modernidade mexicana.
    No entanto, há um filme, ainda relativamente pouco discutido, que tensiona esse modelo de representação do cabaré e do prostíbulo, e das suas personagens características, ainda na década de 1930. Esta comunicação pretende apresentar La mancha de sangre, filme dirigido pelo artista plástico mexicano Adolfo Best Maugard, em 1937. Maugard teve apenas três incursões na direção em cinema: um curta metragem documental chamado Humanidad, de 1933, um outro curta, Piñatas, e o longa-metragem objeto desta comunicação. La mancha de sangre tem uma história muito peculiar: censurado pelo governo Lázaro Cárdenas, por seu conteúdo considerado pornográfico, foi lançado apenas em 1942, quando foi exibido durante quatro semanas na Cidade do México. Depois disso, o filme desapareceu e só foi encontrada uma cópia na Alemanha muitas décadas depois, e restaurada pela UNAM em 1993, com a falta de um rolo da banda sonora e um de imagem.
    Nesta comunicação, apresentaremos os aspectos inovadores da película tanto no que se refere a suas escolhas estéticas ao filmar essa personagem e esse cenário, quanto no que diz respeito ao plano narrativo. Pretendemos também apontar algumas críticas publicadas à época de lançamento, como forma de recuperar a recepção do filme junto à classe cinematográfica. Por fim, enfatizaremos o potencial alternativo na representação do cabaré e das personagens desse espaço que coloca em entendimento outra chave de percepção desse universo em tensão com o modelo hegemônico estabelecido por Santa.

Bibliografia

    BRAGANÇA, M.; VIDAL JUNIOR, I. F. Ciência, legislação e literatura: corpo e cidade no universo prostibular mexicano da virada do século XIX ao XX. Revista de história comparada (UFRJ), v. 6, 2009
    CABAÑAS OSORIO, J. A. El exotismo en el cuerpo. Un estudio de interpretación de lo corporal en la llamada cabaretera o mujer fatal del cine mexicano. Tramas, 32, México, 2009
    LÓPEZ, A. M. “Tears and desire: women and melodrama in the ‘old’ Mexican cinema” In KING, J.; LÓPEZ, A. M.; ALVARADO, M. (eds). Mediating two worlds: cinematic encounters in the Americas. London: British Film Institute, 1993
    MANTECÓN, A. V. Origenes literários de um arquétipo filmico – adaptaciones cinematográficas a Santa, de Federico Gamboa. México: UAM, 2005
    TUÑON, J. “Las mujeres y sus lugares. La representación del comedor familiar y del camerino como metáforas del cuerpo en el cine mexicano de la edad de oro”, s/d
    VEGA ALFARO, E.; LOZANO, E. El paréntesis fílmico de Best Maugard. correcamera.com.mx, 2016