Trabalhos Aprovados 2022

Ficha do Proponente

Proponente

    Barbara Bergamaschi Novaes (PPGCOM – UFRJ)

Minicurrículo

    BÁRBARA BERGAMASCHI NOVAES é pesquisadora, crítica e realizadora. É graduada em Comunicação Social e mestre em Artes da Cena, ambos pela UFRJ. Em 2012, estudou Cinema na Universidade de Paris 8, na França. Em 2019-20, foi professora assistente do departamento de Artes da Cena da UFSJ. Atualmente conclui tese de doutorado sobre Cinema de Bill Morrison e Peter Tscherkassky no PPGLCC da PUC Rio e no PPGCOM da UFRJ, com período sanduiche na Escola das Artes na Universidade Católica do Porto.

Ficha do Trabalho

Título

    A Trilogia Férrea – A locomotiva no Cinema de Peter Tscherkassky

Formato

    Remoto

Resumo

    Analisaremos três filmes miniaturas de Peter Tscherkassky, laureado cineasta experimental, que funcionam como espécie de opúsculo, pequenas obras do diretor, mas que nem por isso deixam de ser densas e complexas. As três fazem parte do que nomeamos como “trilogia férrea”, sendo eles: Motion Picture (1984), L’Arriveé (1998) e, seu mais recente filme, Train Again (2021). Veremos como se relacionam com o Primeiro Cinema, o Cinema Métrico vienense e o Cinema Estrutural norte americano.

Resumo expandido

    O modus operandi do found footage será o que distingue a terceira geração de cinema de vanguarda vienense de Peter Tscherkassky e também o que marca a segunda fase de sua filmografia, sendo um ponto de inflexão na sua carreira. Essa fase será nomeada pelo diretor também como “Dark Room”, pois marca uma volta do cineasta à sala escura do laboratório analógico. Uma das características marcantes dessa fase é o retorno a filmes canônicos e fundadores dos “primórdios” do meio, como o cinema de atrações (de 1895 a 1908), e ao cinema de neo vanguarda dos anos 1960, aliado a uma fina ironia mordaz que brinca com os códigos clássicos da diegése cinematográfica, como o raccord, a continuidade, o esquema do plano-contra plano, etc. Uma curiosa personagem que aparece com destaque nesses filmes-miniatura é a locomotiva a vapor. Assim, analisamos três desses filmes sendo eles: Motion Picture (1984), L’Arrivée (1998) e, seu mais recente filme, Train Again (2021).
    O primeiro filme a ser feito com esse material de arquivo no estilo found footage foi Motion Picture (1984) – feito a partir de um único frame still do “primeiro filme da história”, La Sortie des Ouvriers de l’usine Lumière à Lyon (1895) dos irmãos Lumière. O segundo filme, é também uma homenagem aos criadores do cinematógrafo e é feito a partir de um fragmento do filme Mayerling (1968), um melodrama de Terence Young. Contrariando a ilusão da mimesis e da narrativa linear teleológica do cinema institucional clássico, L’Arrivée faz uma alusão irônica ao filme A Chegada de um trem a estação de la Ciotat (1895). Já Train Again é feito a partir de um colagem caleidoscópica de imagens de arquivos de filmes nos quais o trem aparece de forma privilegiada. Assim Tscherkassky busca fazer uma analogia entre a locomotiva e as propriedades do filme analógico, ao mesmo tempo que produz um catálogo de homenagens aos artistas que tem como referência na sua formação como: Kurt Kren, Peter Kubelka, Stan Brakhage, Robert Breer, Ernie Gehr, Ken Jacobs, James Benning e Bruce Baillie.
    A opção para escolher o trem como personagem de Tscherkassky não é mero capricho ou idiossincrasia do diretor. A locomotiva se configurou como a máquina-ícone da modernidade, se tornou uma figura simbólica dos avanços e progressos da ciência e de uma revolução epistemológica no sujeito moderno; Ela estará presente em grande parte da iconografia da história do cinema, em especial no Primeiro Cinema, nos filmes de Griffith, nos primeiros Westerns e nos stunt de comédia de Buster Keaton. O filme de Tscherkassky portanto diz respeito uma contra-história do cinema institucional hollywodiano, se afiliando ao Primeiro Cinema e também ao cinema serial, métrico e estrutural de vanguarda dos anos 1960.
    O filme de Tscherkassky retorna às imagens do passado do cinema como formas alegóricas para elaborar o presente, trabalho não mas com uma ontologia clássica mas uma hantologia cinematográfica. Seja como “já não é” – o cinema não será nunca o mesmo cinema do início do século e as tentativas de revivê-lo não passam ou de farsa, deboche, crítica ou ironia; Seja como “já é” – a eventual morte do cinema anológico não cansa de orientar os cineastas em suas produções no presente – com medo de sua possível dissolução no mundo de pixels, da realidade virtual e efeitos especiais de realidade aumentada. Os filmes de Tscherkassky respondem portanto a dois lutos mal elaborados ou fantasmas que assombram o cinema e, assim, introduz a assombração na própria construção e estrutura da linguagem cinematográfica. Podemos também dizer que este filme é tanto uma ode ao gesto intempestivo, uma homenagem a esse cinema do passado que busca resgatar e reanimar a “alma”a partir de uma “poética da obsolescência”. Ao mesmo tempo que funda um monumento em sua memória, esse monumento já é inaugurado em ruínas, um monumento ao iconoclasmo semelhante àquilo que Walter Benjamin definiu como o “caráter destrutivo”.

Bibliografia

    BENJAMIN, Walter. Obras Escolhidas. Magia e Técnica, Arte e Política. Volume 1.Editora Brasiliense, 2014.
    COSTA, Flávia Cesarino. O primeiro cinema – Espetáculo, narração, domesticação. Rio de Janeiro: Azougue Editorial, 2005.
    CHARNEY, L.; SCHWARTZ, V.; O Cinema e a Invenção da Vida Moderna. Cosac Naif, 2a Ed. São Paulo, 2004.
    ELSAESSER, Thomas. O Cinema como Arqueologia das Mídias. Editora SESC- São Paulo. 2018.
    YOUNGBLOOD Gene; Expanded Cinema. A Dutton Paperback. P. Dutton & Co., Inc., New York, 1970.
    XAVIER, Ismail (ORG) A Experiência do cinema : Antologia. Rio de Janeiro: Edições Graal: Embrafilme, 1983.