Trabalhos Aprovados 2022

Ficha do Proponente

Proponente

    Ana Paula de Aquino Caixeta (UNICAMP)

Minicurrículo

    Doutoranda e mestra pelo programa de pós-graduação em Multimeios do Instituto de Artes (IA) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). É graduada em Cinema e Audiovisual na Universidade Estadual de Goiás (UEG). Atualmente desenvolve pesquisa dedicada aos comportamentos sonoros de filmes-ensaio brasileiros, com ênfase no silêncio e na voz-over ensaística.

Ficha do Trabalho

Título

    Os silêncios ensaísticos em Elena e Coração de Cachorro

Seminário

    Estilo e som no audiovisual

Formato

    Presencial

Resumo

    Coração de Cachorro (Laurie Anderson, 2015) e Elena (Petra Costa, 2012) são filmes-ensaio que desenvolvem reflexões lutuosas a partir da morte de entes queridos. Visto que ambas as obras se amparam nas materialidades sonoras para se consolidar como um pensamento em fluxo, interessa-nos analisar os usos e influências dos silêncios nesta composição. Parte-se da hipótese de que os silêncios são múltiplos, capazes de significar e colaboram ativamente com aspectos do ensaio como forma cinematográfica

Resumo expandido

    No cinema ensaio a heautonomia (Deleuze, 2005) das imagens sonoras e visuais possibilita uma participação ativa das sonoridades na elaboração de múltiplas camadas de sentido, que podem dialogar ou mesmo contrapor aquelas propostas pelas visualidades. Contudo, o recorrente uso da voz-over como uma das principais formas de inscrição subjetiva e como um dos elementos capazes de concretizar o aspecto de uma reflexão em curso – almejado pelo ensaio como forma fílmica – favoreceu certo vococentrismo, não apenas nas obras ensaísticas, mas também enquanto objeto teórico (LUPTON, 2011; RASCAROLI, 2009; SIEREK, 2007).
    Coração de Cachorro (Laurie Anderson, 2015) e Elena (Petra Costa, 2012) são filmes-ensaio que fazem um constante uso da voz-over das realizadoras para tecer reflexões sobre perdas, tendo como ponto de partida a morte de um ente querido. Essas vozes, metamórficas e errantes, deixam evidentes seus processos rizomáticos de constituição e se comportam como uma voz-pensamento. Entretanto, em concordância com Eni Orlandi, reconhecemos que “todo dizer é uma relação fundamental com o não-dizer” (2007, p. 12) e, com isso, quanto mais nos dedicamos a ouvir e analisar essas vozes, mais o silêncio no qual elas se inscrevem e se entrelaçam manifesta sua potência.
    Apesar de ser considerado como um quarto elemento constituinte do discurso sonoro, a latência do silêncio tem passado despercebida por muitos teóricos que se dedicaram às sonoridades dos filmes-ensaio, não tendo, até o momento, sido o foco de análises mais aprofundadas. Desse modo, torna-se relevante averiguar a influência do silêncio nesses filmes, uma vez que seus sons são majoritariamente não-sincronizados e há um desenho sonoro complexo que permite tanto a mescla de diversos sons, como a ausência mais efetiva e constante deles.
    Por tais pressupostos, debruçamo-nos acerca do seguinte problema: De que forma os filmes-ensaio Coração de Cachorro e Elena manejam o silêncio enquanto materialidade fílmica? Quais são as influências deste elemento sonoro na constituição das obras enquanto ensaios?
    Partimos da hipótese de que os silêncios presentes nesses filmes são múltiplos e não esvaziados de sentido, sendo capazes de significar. Além disso, compreende-se que, para que o silêncio se manifeste não é necessário que todos os elementos sonoros sejam silenciados (COSTA, 2004), podendo apenas um ou outro estar ausente, pois o silêncio no cinema pode ser entendido como o “negativo de um som que ouvimos anteriormente ou que imaginamos; é o produto de um contraste.” (CHION, 2011, p. 50).
    Identifica-se, deste modo, o silêncio no qual se inscrevem as vozes-over a partir de um isolamento acústico. Neste contraste ele torna perceptíveis alguns traços vocais ínfimos, expondo diversas texturas. Como consequência, as hesitações, incertezas e outras incompletudes discursivas se fazem ouvir e, tratando-se de reflexões dedicadas à morte, esse silêncio desvela incômodas ausências a partir da incapacidade enunciativa diante do que há de irrepresentável no luto.
    Outra forma de silêncio que está presente em ambos os filmes são as pausas entre as falas. Consideramos que estas pausas são responsáveis por três importantes fatores, diretamente correlacionados com alguns aspectos ensaísticos. São estes: 1) Mediar as “relações entre linguagem, mundo e pensamento.” (ORLANDI, 2007, p. 37), isto é, a pausa enquanto evidência de um pensamento em que se encontra em estado de fluxo, que se elabora diante o espectador; 2) Expor lacunas entre assuntos que nem sempre se conectam cronologicamente ou tematicamente, evidenciando o caráter não-linear das livres associações, advindas da fluidez do ato de pensar; 3) Oferecer pausas necessárias para a formulação de sentido, para que o discurso não se torne verborrágico ao ponto de ser incompreensível. Tais pausas silenciosas, então, tendem a colaborar com caráter experimental do filme-ensaio, sua intenção dialógica e sua conformação reflexiva.

Bibliografia

    CHION, Michel. A Audiovisão: Som e Imagem no Cinema. Lisboa: Edições Texto e Grafia, 2011.
    COSTA, Fernando Morais da. Se pouco se diz sobre o som, quem fala sobre o silêncio nos filmes?. Gragoatá, v. 9, n. 16, 2004.
    DELEUZE, Gilles. A imagem-tempo: cinema 2. São Paulo: Brasiliense, 2005.
    LUPTON, Catherine. Speaking Parts: Heteroglossic voice-over in the essay-film. In: KRAMER, Sven; TODE, Thomas (Org.). Der Essayfilm: Ästhetik und aktualität. Konstanz: UVK Verlagsgesellschaft mbH, 2011.
    ORLANDI, Eni Puccinelli. As formas do silêncio: no movimento dos sentidos. Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 2007.
    RASCAROLI, Laura. The personal camera: subjective cinema and the essay film. New York: Wallflower Press, 2009.
    SIEREK, Karl. Voz, guía tú en el camino. El lado sonoro del ensayo fílmico. In: WEINRICHTER, Antonio (Org.). La forma que piensa: tentativas en torno al cine-ensayo. Pamplona: Gobierno de Navarra, 2007.