Trabalhos Aprovados 2022

Ficha do Proponente

Proponente

    Alexandre Rafael Garcia (UFPR, Unespar)

Minicurrículo

    Alexandre Rafael Garcia é pesquisador, realizador e professor de cinema. Doutorando em História na UFPR, mestre em Multimeios no Instituto de Artes da Unicamp e bacharel em Cinema pela Faculdade de Artes do Paraná. Criador e organizador da Coleção Escrever o Cinema e da série de vídeo ensaios Dicionário de Cinema. Autor do livro “Contos morais e o cinema de Éric Rohmer”. Atualmente trabalha na Universidade Estadual do Paraná (Unespar) como professor substituto.

Ficha do Trabalho

Título

    “A punição” (Jean Rouch, 1960) como batismo dos filmes de conversação

Formato

    Presencial

Resumo

    Com o média-metragem ficcional A punição, gravado em 1960, Jean Rouch deu início a um novo estilo cinematográfico, que foi apropriado por outros cineastas e que hoje identificamos como “filme de conversação”. A partir do embate comparativo das tradições cinematográficas ficcionais e documentais, e das diferenças dos conceitos de diálogo e de conversa(ção), é apresentada uma análise de A punição como marco inaugural em um projeto de experimentação narrativa, estética e do modo de produzir.

Resumo expandido

    Entendendo que “filmes de conversação” são obras ficcionais, nas quais as conversas são preponderantes, a narrativa é de acontecimentos prosaicos e o modo de produção é de pequenas equipes e baixos orçamentos, podemos afirmar que A punição, de Jean Rouch, gravado em outubro de 1960 e estreado em 1963, é o primeiro filme de conversação na história do cinema.
    A obra ficcional de 62 minutos tem uma estrutura bastante simples: três longas conversas da protagonista Nadine com três homens diferentes, que ela encontra por acaso nas ruas de Paris. O que une toda a ação é o tema do encontro (fortuito, casual, aleatório) e o que diferencia o trabalho é o seu estilo, enquanto estética e modo de produção: Rouch fez uma obra de ficção rápida e direta – poucos recursos, equipe mínima e gravação ligeira, com narrativa e mise en scène fora dos padrões do cinema dominante, pautada por inteiro na conversação entre personagens que se movem. É perceptível que Rouch transportava sua experiência prévia no documentário para a produção ficcional e apresentou uma possibilidade diferente de fazer cinema.
    O gesto comparativo desta comunicação se evidencia tanto no embate das tradições do cinema ficcional (controlado e previsível) versus do cinema documentário (aberto e poroso), quanto no discernimento entre diálogo e conversa(ção), a partir da análise do filme de Rouch, que amalgama e evidencia estes aspectos de maneira radical.
    Depois de um longo período de trabalho na África, Rouch passou uma temporada em Paris no ano de 1960, financiado pela produção de Crônica de um verão, co-dirigido por Edgar Morin. O projeto também possibilitou experimentações a Rouch, que estava motivado com as novas tecnologias para filmagem em ambientes externos: câmeras leves e silenciosas, que possibilitavam dinâmicos planos de longa duração; e gravadores de som portáteis que faziam a captura de áudio sincrônico à imagem. A empolgação também se percebia na relação com Michel Brault, diretor de fotografia de Québec, de quem o francês era admirador e que foi para a França trabalhar sob seu convite. Enquanto Crônica estava na fase de edição, Rouch decidiu realizar um experimento assumidamente ficcional junto com Brault e se juntaram a Nadine Ballot, jovem que conheceu em 1959 na Costa do Marfim durante a produção de A Pirâmide humana, e que seria a protagonista. A Punição foi gravado em dois dias, em ordem cronológica, no inverno em Paris, totalmente com som direto e câmera na mão. Nas palavras empolgadas e exageradas de Michel Marie, “A Punição inaugura uma nova forma de criar ficção no cinema. Esta deixa de preexistir à filmagem, tornando-se o produto dela. É a filmagem que cria a situação. Éric Rohmer e Jacques Rivette vão reter essa lição” (MARIE, 2013, p. 98). O filme se tornou um exercício radical de verborragia, com uma estrutura de produção espartana, que tinha o objetivo de explorar a fala e a sonoridade daquelas personagens em situações específicas. Rouch sabia que os diálogos não seriam tradicionalmente “cinematográficos” e buscava sua força em outra estética, encenando aspectos comuns de uma conversação real, que até então não eram exploradas no cinema ficcional: “Conseguimos, por este processo, obter uma conversação de dez minutos que é fascinante, se prestarmos atenção em todos os detalhes; isto é, se aceitarmos a banalidade desse tipo de coisa: alguém fala e o outro não responde, alguém hesita etc.” (ROUCH, 1963, p. 6). Assim é valorizado esteticamente o mal-entendido, a gaguejada, a
    hesitação, a variação tonal, a alternância de turnos e a própria duração estendida de uma conversa.
    Em 1960, Jean Rouch apresentou uma alternativa: o que ele fez enquanto roteirista foi criar uma trama de ficção onde as conversas são a ação central do filme; enquanto encenador, criou uma dinâmica estética que tornou essas conversas cinematograficamente interessantes. Como legado, o estilo serviu de pilar para todos os filmes de conversação que surgiram nos anos seguinte.

Bibliografia

    DI IORIO, Sam. Notes on Jean Rouch and French Cinema. American Anthropologist, março, v. 107, n. 1, p. 120–122, 2005.
    DIDEROT, Denis; D’ALEMBERT, Jean le Rond. Enciclopédia, ou Dicionário razoado das ciências, das artes e dos ofícios. Volume 5: Sociedade e artes. São Paulo: Editora Unesp, 2015.
    HENLEY, Paul. The Adventure of the real: Jean Rouch and the craft of ethnographic cinema. Chicago: The University of Chicago Press, 2009.
    MARIE, Michel. Quebec – França, voltas, reviravoltas, vaivéns nas duas direções. Rebeca, revista brasileira de estudos de cinema e audiovisual, ano 2, número 4, 2013, p. 86–109.
    ROSSELLINI, Roberto. Entrevista por Fereydoun Hoveyda e Eric Rohmer. Cahiers du cinéma, n. 145, julho, 1963.
    ROUCH, Jean. Entrevista por Eric Rohmer e Louis Marcorelles. Cahiers du cinéma, n. 144, junho, 1963.
    SARRAZAC, Jean-Pierre (Org.). Léxico do drama moderno e contemporâneo. Tradução: André Telles. São Paulo: Cosac & Naify, 2012.