Trabalhos Aprovados 2022

Ficha do Proponente

Proponente

    Karine Joulie Martins (UFSC)

Minicurrículo

    Bacharel em Cinema (UFSC), Mestre e doutoranda em Educação (PPGE/UFSC) com pesquisa e produção acadêmica sobre a interlocução entre essas duas áreas. É membro do Núcleo Infância, Comunicação, Cultura e Arte (NICA, CNPq/UFSC). Atua no desenvolvimento de projetos e oficinas de formação docente para o trabalho com cinema, audiovisual e cultura digital, além da curadoria, programação e mediação de mostras de cinema, cineclubes e exposições multimidiáticas.

Ficha do Trabalho

Título

    Oficina de cinema entre telas: formação como exercício estético de si

Seminário

    Cinema e Educação

Formato

    Presencial

Resumo

    Esta comunicação traz reflexões que emergiram na “Oficina entre telas” (UFSC, 2021), um projeto de pesquisa e extensão para docentes da educação básica inspirado nos cinensaios de Agnès Varda no sentido de rememorar, refletir e aprofundar discussões e práticas em torno da produção de imagens. As fotografias, ensaios audiovisuais e discursos produzidos ao longo dos encontros provocam/questionam o jogo de forças que atua sobre a construção das subjetividades docentes na contemporaneidade.

Resumo expandido

    O foco desta comunicação são reflexões que emergiram durante o projeto de pesquisa e extensão “Oficina entre telas” (UFSC, 2021) com encontros em formato remoto dos quais participaram professoras e professores da educação básica e arte-educadoras de Santa Catarina. Nossa principal referência foram os cinensaios (ou cinescrituras) de Agnès Varda com a perspectiva de propor a memória e reflexão sobre suas experiências com a produção de imagens – a nível pessoal e/ou profissional – a partir da discussão de alguns filmes da cineasta e exercícios de produção visual inspirados nestas obras.

    Tornar-se professora ou professor não é um processo isolado no tempo e espaço da formação, mas um processo contínuo que se confunde com a própria constituição do sujeito em seus movimentos de retorno ao passado, à sua experiência discente, em conhecimentos tácitos acumulados com a prática, em experiências que provocam a reflexão sobre a sua prática ou que coloquem em xeque essas experiências, como as próprias experiências estéticas promovidas na cultura visual (HERNÀNDEZ, 2007; SCHÖN, 1995).

    Essa possível aproximação entre Varda e a docência é instigada principalmente por uma necessidade que emergiu de reflexões sobre experiências formativas anteriores, mas já durante a pandemia, em se aprofundar a dimensão estética da formação e tecnologias de si (FOUCAULT, 2004) que se desenvolviam nos grupos à distância. Em seu fruir com o mundo, paisagens, rostos e histórias atravessam seu filmar e constituem-se, em filmes como As praias de Agnès (2008) ferramentas de investigação sobre si mesma. Utilizando distintos dispositivos, técnicas e referências em cada um de seus cinensaios, Varda torna sua interioridade exterior, leva o privado ao público expondo redes de afeto, forças sociais e políticas que tocam seu corpo sensível e localizado (mulher, branca, belga-francesa, feminista, etc.).

    Assim, nos cabem perfeitamente as questões levantadas nessa chamada de trabalho: “O que podem formas audiovisuais experimentais, ensaísticas, processos criativos, performances, autobiografias, na projeção de futuros? O que pode a poesia na reciclagem de materiais dos imensos arquivos digitais que nos armazenam?”
    Trazemos como provocação para o diálogo, um autorretrato “Fantasma de mim” produzido pela professora e arte-educadora Carol Ramos. Trata-se de uma fotografia do seu reflexo em um vidro, metade envolta em sombra. Ela tem um celular na mão, que cobre um quarto do rosto na metade que está visível, mas ela também está com duas máscaras sobrepostas. Assim ela o apresenta: “às vezes eu sinto como se a Carol deixasse de ser a Carol e ela virasse “a professora”, “a mediadora”. Como se não me fosse permitido ser a Carol, (…) que a gente precisa botar uma máscara e agir diante daquela situação sem ser nós mesmos (…) a gente se sente inibido de falar as coisas que a gente pensa, porque se eu falar a gente pode sofrer retaliação, ou pode sofrer perseguição. E acho que esse meu reflexo é a imagem que eu passo nos lugares onde eu trabalho” (26/05/2021, transcrição).

    Carol expõe uma situação que tem sido recorrente para docentes das áreas de artes e humanidades, uma “vigilância ideológica” que cerceia a construção de um pensamento crítico nas escolas e museus. Somos sujeitos complexos e parciais, mas diante desse cenário de ideias totalizantes, interiorizamos a autovigilancia a ponto de censurar a livre docência. Aqui podemos pensar o cinema, numa perspectiva da cultura visual, em diálogo com outros dispositivos e discursos, como modo de subjetivação no sentido de possibilitar novos olhares sobre si, a reflexão sobre esses padrões de vigilância aos quais estão submetidos e inspirador de performances possíveis que configurem resistências/questionamentos num nível estético.

Bibliografia

    As praias de Agnès (Les plages d’Agnès) – autobiografia, 2008, cor, 110 min.

    FOUCAULT, M. Tecnologias de si, 1982. Verve – Revista do Nu-Sol. São Paulo:
    Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências Sociais da PUC-SP, n. 6, 2004, p.
    321-360.

    FOUCAULT, M. Microfisica do poder. 7. ed. Rio de Janeiro: Graal, 1988.

    HARAWAY, D. J. Saberes localizados: a questão da ciência para o feminismo e o
    privilégio da perspectiva parcial. Cadernos Pagu, n. 5, 1995, p. 07-41.

    HERNÁNDEZ-HERNÁNDEZ, F. Catadores de cultura visual: proposta para uma
    nova narrativa educacional. Porto Alegre: Mediação, 2007.

    SCHÖN, D. Formar professores reflexivos. In: NÓVOA, A. (org.) Os professores e
    sua formação. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1995. p. 77-92.

    VEIGA, R. Imagens que sei delas: ensaio e feminismo no cinema de Varda, Akerman e Kawase. In: HOLANDA, K. (org.). Mulheres de cinema. Rio de Janeiro: Numa, 2019.