Trabalhos Aprovados 2022

Ficha do Proponente

Proponente

    Luís Henrique Barbosa Leal Maranhão (UAB)

Minicurrículo

    Professor de Fotografia na Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB). Mestre em Comunicação pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e doutorando em Comunicação Audiovisual na Universitat Autònoma de Barcelona (UAB, Espanha). Dirigiu Velho Recife Novo (2012), Fotograma (2016), Galinhas no Porto (2018), Aos que vieram antes de nós (2021) e Digo às companheiras que aqui estão (2022). É membro da Parabelo Filmes e colaborou com realizações audiovisuais no Ocupe Estelita e no MTST-PE.

Ficha do Trabalho

Título

    Ensaio, imaginação e memória: sobre o caso Para-Sar

Formato

    Presencial

Resumo

    Proponho um exercício ensaístico, de imaginação em torno de um plano de terrorismo oficial que previa o bombardeio do gasômetro do Rio de Janeiro, durante a ditadura militar. Em diálogo com os conceitos de “ficção da memória” (Rancière), de “fabulação crítica” (Hartman) e levantando questões a partir da montagem e comentário de Level Five (Marker) e A imagem que falta (Panh), discuto os limites dos arquivos e proponho pensar uma forma de entendimento com a imaginação, as imagens e a História.

Resumo expandido

    O que se revela e o que se esconde em uma imagem? Acostumamo-nos a pensar na imagem como esse pequeno fragmento do real que se apresenta diante de nós como uma atestação de que “isso foi” (Barthes, 1980) ou, pelo menos, uma forte impressão de realidade. Diante de uma imagem, estamos diante desses pequenos fragmentos da aparência de um outro tempo. A experiência do olhar se torna pensável a partir de uma distância. No enquadramento do real, temos, na imagem e na história, elementos que ficam de fora, que ocupam a periferia do plano, elementos cujos traços só se fazem sentir pelos seus rastros. O que resiste do passado e se faz ver pela imagem é, igualmente, o que foi capaz de atravessar o tempo, aquilo que sobreviveu e pôde estar, num momento dado, diante de nós. A incompletude é constitutiva dessa experiência, dessa remontagem, na medida em que o passado nunca se apresenta por inteiro. A ausência, a lacuna, a impossibilidade têm sido um tema no qual têm insistido estimulantes trabalhos das últimas duas décadas (Didi-Huberman, 2003).

    Em diálogo com os conceitos de “ficção da memória” (Rancière, 2013) e de “fabulação crítica” (Hartman, 2020), assim como levantando questões a partir da montagem e do comentário de Level Five (1997), de Chris Marker, e de A imagem que falta (2013), de Rithy Panh, proponho, nesta comunicação, um exercício ensaístico, de imaginação em torno de um evento que teria acontecido no Brasil, na cidade do Rio de Janeiro, nos primeiros anos da ditadura militar (1964-1985).

    Em agosto de 1968, poucos meses antes do AI-5, um brigadeiro da Aeronáutica, João Paulo Burnier, criou um plano de terrorismo oficial que, entre outras ações, previa o bombardeio do gasômetro do Rio de Janeiro. Tal evento, se executado, implicaria em milhares de mortes imediatamente e em uma sucessão de explosões domésticas. Havia, com essa ação, a intenção de espalhar o caos, deixando a cidade sem luz e energia por várias horas. Essa seria também uma oportunidade para desaparecer com 40 dissidentes políticos, que já haviam sido devidamente listados. O plano contava, ainda, com o apoio da mídia para responsabilizar “os comunistas” pela ação e Burnier esperava que, no meio do caos promovido pelo bombardeio, a população “aceitaria uma caça às bruxas a la Indonésia e os comunistas seriam mortos a pauladas, como ratos” (Macaco apud Tendler, 2014). O plano acabou sendo interrompido depois da denúncia do capitão Sérgio Macaco, do grupo Para-Sar, que, em consequência disso, acabaria expulso das Forças Armadas.

    Como é possível dimensionar historicamente a extensão de um evento dessa natureza, ainda que ele não tenha acontecido? Pensando nas implicações de um evento que não chegou a ocorrer, mas cuja formulação nos permite compreender a mentalidade de um setor do Exército, esta comunicação pretende refletir sobre como o ensaio pode ser uma forma de articulação entre palavras e imagens que torna pensável a experiência da violência através da imaginação. Reivindicando o ensaio como método e como epistemologia, como forma que “reflete sobre a sua forma de pensar” (Català, 2014), pretendo discutir os limites dos arquivos e proponho pensar uma forma de entendimento com a imaginação, as imagens e a História, concebendo uma forma de pensamento a partir de um entre-lugar que articula historiografia visual, literatura, teoria da imagem e ficção.

Bibliografia

    A IMAGEM QUE FALTA. Rithy Panh, 2013.
    Barthes, C. A câmara clara, 1980.
    Benjamin, W. Magia e técnica, arte e política, 2012.
    Cadava, E. Words of light: theses on the photograph of history, 1997.
    Català, J.M. El cine de pensamiento. Formas de la imaginación tecno-estética, 2014.
    ___. Estética del ensayo. La forma ensayo, de Montaigne a Godard, 2014.
    Didi-Huberman, G. Cuando las imágenes tocan lo real, 2013.
    ___. Imagens apesar de tudo, 2003.
    Hartman, S. Vênus em dois atos. Revista Eco-Pós, 23, p.12–33.
    Leandro, A. Montagem e história: Uma arqueologia das imagens da repressão, 2015.
    LEVEL FIVE. Chris Marker, 1997.
    Lissovsky, M. Dez proposições acerca do futuro da fotografia e dos fotógrafos do futuro, 2011.
    Marker, C. Lettre d’intention du dossier de production – Le fond de l’air…, 1973.
    OS MILITARES QUE DISSERAM NÃO. Sílvio Tendler, 2014.
    Pinney, C. Seven theses on photography In: Thesis Eleven, 2012.
    Rancière, J. Marker e a ficção da memória In: A fábula cinematográfica, 2013.