Trabalhos Aprovados 2022

Ficha do Proponente

Proponente

    Rafael Morato Zanatto (ECA-USP)

Minicurrículo

    Historiador, mestre e doutor em História e Sociedade pela UNESP – FCL Assis. Realizou estágios de pesquisa na Cinémathèque Française (FAPESP, 2012) e na Deutsche Kinemathek (FAPESP, 2017) e foi arquivista e pesquisador da Cinemateca Brasileira (2012, 2013, 2016). Atualmente, realiza pós-doutorado na ECA-USP sob a supervisão do Prof. Dr. Eduardo Morettin. Bolsista FAPESP (Proc. 2019/13106-8). E-mail: rafael_zanatto@hotmail.com

Ficha do Trabalho

Título

    História do Cinematógrafo (1925), de G. M. Coissac

Mesa

    Cultura Cinematográfica: Historiografia, Crítica, Política

Formato

    Presencial

Resumo

    Na presente comunicação, analisarei o livro História do Cinematógrafo (1925), de Georges-Michel Coissac à luz do regime de historicidade, do campo de experiências e do horizonte de expectativas que seu autor compartilha com o grupo de industriais que apoiam suas iniciativas. Partindo dessas questões, demonstrarei como elas influem na elaboração de critérios, teorias e perspectivas que legitimam o cinematógrafo como uma invenção francesa de Louis Lumière em um contexto de disputas internacionais.

Resumo expandido

    Nos primeiros 30 anos do cinema (1895-1925), a historiografia cinematográfica produzida na França é composta por artigos e opúsculos de curto fôlego situados entre o testemunho e a história, de uma história do tempo presente voltada ao futuro (KESSLER; LENK, 2011). Ao advento dos 30 anos do cinematógrafo, esse cenário irá mudar com a publicação de História do Cinematógrafo: das origens até nossos dias (1925), de Georges-Michel Coissac.
    Em sua narrativa (ALLEN; GOMERY, 1985) histórica de grande fôlego e em estreito diálogo com o ideário historiográfico positivista, Coissac examina dois passados: um mais longevo e o outro mais recente, com o fim de influir no presente e contribuir com o futuro do cinema francês. Nesse regime de historicidade (HARTOG, 2013), Coissac redige uma história que busca legitimidade no mais distante passado, em sua gênese, para no caminho de volta tatear o presente e imaginar o futuro do cinema. Não por acaso, Jules-Louis Breton, Diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Científicas e Industriais e de Invenções, reconheceu no prefácio do livro que em sua história do cinematógrafo, Coissac retém a “lição do passado” com a habilidade de “não perder de vistas que seu futuro”, ao menos aquele que eles desejavam, ainda estava em “preparação”, ainda era algo a “assegurar” (BRETON, 1925, p. X).
    A lida com o presente e o futuro cinematográfico é bem saliente nas iniciativas do autor: 1- a publicação do livro Teoria e a Prática das Projeções (Théorie et la Pratique des Projections, 1906), de caráter pedagógico; 2- a atuação como presidente da Associação profissional da imprensa cinematográfica entre 1919 e 1924; e 3 – a direção da revista O Cinéopse: a grande revista dos industriais e do ensino cinematográfico, que buscava instruir os leitores em aspectos técnicos e artísticos do cinema, pincelados com alguns princípios morais da doutrina católica. Dentro desse campo de experiências e horizonte de expectativas (KOSELLECK, 2015), o trato com o passado recente se coloca como um dos desafios de se empreender uma história do cinema em seus trinta anos de existência: “traçar a vida de um contemporâneo, seus fatos e gestos, e descrever sua obra” tendo ciência de que tal operação era “tarefa extremamente delicada, espinhosa, e, frequentemente, semeada de riscos” (COISSAC, 1925, p. XIII).
    Distando apenas 30 anos do advento do cinematógrafo, as advertências introdutórias de Coissac refletem diretamente a presença dos personagens dessa história: ou continuavam vivos ou possuíam fiéis discípulos que disputavam a importância de suas biografias para a história do cinema, como a dos Lumière, de Marey e Demenÿ nas querelas sobre a paternidade do cinematógrafo (GAUTHIER, 2009). Coissac tinha a clara percepção de que enquanto essa questão continuasse em aberto, o reconhecimento mundial do cinematógrafo como invenção francesa estava em risco, disputada pela Inglaterra, EUA e Alemanha em um contexto no qual a indústria cinematográfica francesa, até 1914 a primeira do mundo, não caminhava muito bem. Coissac acreditava que sua história tinha o propósito de “defender eficazmente, de uma vez por todas, o interesse nacional” e a indústria que havia visto nascer e com a qual contribuíra (COISSAC, 1925, p. XIV).
    Em síntese, pretendo analisar a história à luz de seu regime de historicidade e do campo de experiências e do horizonte de expectativas que ele cultiva em relação ao passado, ao presente e ao futuro do cinema francês para iluminar o modo como eles influem no delineamento dos critérios, das teorias e das perspectivas do historiador em sua narrativa histórica, ora disposta como um continuum, cronológico e evolutivo, outra de modo episódico, centrada em momentos decisivos de atualização de técnicas passadas que dormitavam e esperavam o ambiente propício para florescer, tal qual havia se passado com o cinematógrafo de Louis Lumière.

Bibliografia

    ALLEN, Robert C.; GOMERY, Douglas. Film History: Theory and Practice. New York: Alfred A. Knopf, 1985.
    BRETON, J. L. Préface. In: COISSAC, Georges Michel. Histoire du Cinématographe: des ses origines jusqu´à nos jours. Paris: Éditions du Cinéopse, 1925.
    COISSAC, Georges Michel. Histoire du Cinématographe: des ses origines jusqu´à nos jours. Paris: Éditions du Cinéopse, 1925.
    GAUTHIER, Christophe. “Comment les frères Lumière devinrent les pères du cinéma: la querelle des inventeurs”. In: Bibliothèque de l’école des chartes. 2009, tome 167, livraison 1. pp. 155-178.
    HARTOG, François. Regimes de historicidade: presentismo e experiências do tempo. Belo Horizonte: Autêntica, 2013.
    KESSLER, F. & LENK, S. (2011). L’écriture de l’histoire au présent. Débuts de l’historiographie du cinéma. Cinémas, 21(2-3), 27–47. https://doi.org/10.7202/1005583ar
    KOSELLECK, Reinhardt. Futuro Passado: contribuição à semântica dos tempos históricos. Rio de Janeiro: Contraponto, 2015.