Trabalhos Aprovados 2022

Ficha do Proponente

Proponente

    Maria Neli Costa Neves (UNICAMP)

Minicurrículo

    Doutora em Multimeios- UNICAMP (2021), mestre em Ciência da Arte -UFF, bacharel em Comunicação Social (cinema, jornalismo) pela UFF. Curta-metragista, editora cinematográfica, continuísta, com vários trabalhos no cinema e na televisão.

Ficha do Trabalho

Título

    Estereótipos na prostituição: reflexões sobre um documentário

Formato

    Presencial

Resumo

    Esta apresentação busca refletir sobre o documentário “Cinderelas, lobos e um príncipe encantado” (2009), de Joel Zito Araújo. Analisa, em particular, dois elementos: o “engajamento participativo” (NICHOLS, 2012) do diretor ao longo do filme, entrelaçado aos depoimentos de jovens mulheres negras brasileiras que contam sobre sua experiência de vida dentro de um esquema de exploração pelo turismo sexual.

Resumo expandido

    O objetivo desta apresentação é refletir sobre o documentário “Cinderelas, lobos e um príncipe encantado” (2009), do diretor e pesquisador cinematográfico Joel Zito Araújo. O longa-metragem esquadrinha algumas das temáticas já tratadas por esse realizador em outros de seus trabalhos relacionados à discriminação racial no Brasil. O longa em questão exibe uma série de entrevistas com jovens mulheres afrodescendentes em lugares turísticos do país, dando visibilidade a esquemas de comércio sexual que envolvem moças e crianças com turistas estrangeiros. As entrevistadas desempenham funções tais como: uma dançarina de casa de shows de “mulatas” na Itália, ou como jovens meninas habitantes de praias do nordeste brasileiro. Elas falam de uma vida de dificuldades financeiras, do trabalho em “programas” sexuais com turistas, discorrem sobre a razão do interesse que os gringos têm nelas, entendendo que isso acontece porque as mulheres negras são “mais agitadas, mais quentes”, porque “as negras fazem (?) mais gostoso”, porque as europeias têm o “nariz empinado” e elas não.

    A voz do diretor é ouvida nas entrevistas ou ao fazer pontuações no decorrer do filme. Diante do quadro de prostituição das jovens mulheres afrodescendentes, Joel Zito diz entender que tanto os turistas estrangeiros como as moças que tomam parte nessa dinâmica comercial, aparentam estar “aprisionados por um mesmo imaginário”, o que abrange ter a sensação de experimentar a “sensualidade bizarra dos povos primitivos”, como também a incorporação de estereótipos referentes às mulheres negras brasileiras, frequentemente divulgados pelo próprio governo do Brasil em campanhas publicitárias de turismo.

    Nas entrevistas com as moças, a figura de Joel Zito é vista com frequência, tornando explícito o “encontro entre cineasta e tema” (NICHOLS, 2012, p.159), o que Bill Nichols chama de “engajamento participativo” (NICHOLS, 2012, p.158). Os diálogos travados evidenciam não só a postura de investigação do realizador, mas também sua receptividade para com as personagens, sejam elas “um escravo que ama a servidão”, ou “um escravo que odeia a servidão” (COUTINHO, 1997, p.169). Além disso, é de se notar a espontaneidade das moças e a naturalidade que demonstram nos depoimentos.

    A situação de prostituição que atinge meninas e jovens que vivem em uma conjuntura de marginalidade social, desvela omissões e hipocrisias do Estado e todo um “sistema de dominação” que, conforme o pensamento de Lélia Gonzalez (1988), perpassa “diferentes sociedades do continente” e ”está instalado nas mais diferentes instituições dessas sociedades”. Conforme Gonzalez, os afrodescendentes são vistos como vindos de um “continente obscuro [a África] sem uma história própria (Hegel)”, por isso “a Razão” é vista como “branca, enquanto a Emoção é [tida como] negra“, o que faz parecer ”natural” a ”exploração socioeconômica” dos afrodescendentes (GONZALEZ, 1988, p. 79).

    Por fim, com base em Bill Nichols, Eduardo Coutinho, Lélia Gonzalez e Frantz Fanon, esta apresentação também tem como propósito pensar na função do cinema documentário como promotor de conhecimento e de reflexões através de representações da realidade do nosso país..

Bibliografia

    COUTINHO, Eduardo. O cinema documentário e a escuta sensível da alteridade. São Paulo. Portal de Revistas de História da PUC-SP. Projeto História: Revista do Programa de Estudos Pós-Graduandos de História, v.15, 1997.
    Disponível em: https://revistas.pucsp.br/index.php/revph/article/view/11228
    FANON, Frantz. Pele negra, máscaras brancas. Salvador: EDUFBA, 2008.
    GONZALES, Lélia. A categoria político-cultural da amefricanidade. In Tempo Brasileiro. Rio de Janeiro, No. 92/93 (jan/jun). 1988b, p. 69-82.
    NICHOLS, Bill. Introdução ao documentário. Campinas: Editora Papirus, 2012.
    SCHWARCZ, Lilia. Nem preto nem branco, muito pelo contrário: cor e raça na sociabilidade brasileira. São Paulo: Claro Enigma, 2012.