Trabalhos Aprovados 2022

Ficha do Proponente

Proponente

    Samuel Macêdo do Nascimento (PPGCOM/UFC)

Minicurrículo

    Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal do Ceará (Linha 01 – Fotografia e Audiovisual), onde integra o LEEA (Laboratório de Estudos e Experimentações em Artes e Audiovisual). Mestre em Cultura e Sociedade pela UFBA, onde integrou o NuCus (Núcleo de Pesquisa e Extensão em Culturas, Gêneros e Sexualidades). Bacharel em Comunicação Social – Jornalismo pela UFC (Campus do Cariri).

Ficha do Trabalho

Título

    Orixás no Cinema Brasileiro: Territórios e Tecnologias Ancestrais

Formato

    Presencial

Resumo

    Terra em Transe, Ôrí e outros filmes de diferentes fases do cinema brasileiro nos apresentam sequências guiadas pelos Orixás. Neste texto nos conectamos com o imaginário disruptivo e decolonial para compreender aspectos do território, do corpo, da política, da arte e da cultura. Sequências desses e mais filmes poderiam ser contrapostas, montadas e remontadas, como exercício de análise de um imenso e rizomático arquivo que nos leva ao passado-presente-futuro colonial.

Resumo expandido

    Glauber Rocha, constantemente revisitado pelos diferentes saberes do conhecimento, criou filmes que unidos às outras artes inventaram a territorialidade e a cultura nordestina (ALBUQUERQUE, 2006). A primeira sequência de Terra em Transe (1967) é conduzida pela câmera que atravessa o mar enquanto o xirê da orixá Ewá, ou Yweá, é cantado. A divindade das mudanças acompanha os seus filhos e filhas pelo oceano Atlântico até o Eldorado no novo mundo. A sequência de três minutos resume a travessia do navio negreiro onde africanos, de tribos e países distintos, foram raptados e trazidos como escravos para o Brasil.
    Uma imensa variedade de religiões e crenças foram trazidas no projeto expansionista colonial. A primeira sequência de Terra em Transe evoca uma divindade da Iorubalândia, região imaginária que ultrapassa as fronteiras da Nigéria (OYĚWÙMÍ, 2021). Através dessa e de outras cenas, inclusive de outros filmes de Glauber Rocha como O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro (1969), encontramos a re-existência das divindades negras que enfrentaram a dominação, a violência e o silenciamento ao longo dos últimos séculos. Diferente dos temas e histórias do cristianismo pintados desde o período Bizantino ou a propagação dos mitos gregos e romanos no Ocidente, as histórias (Ìtan) dos Orixás circularam em poucos espaços para além do chão sagrado do Axé (Terreiro).
    Marcadamente orais, os itãs (narrativas) e os orikis (poesias laudatórias) contam um feito, uma história ou até mesmo a criação de um Orixá, sem noções mistificadoras de objetividade (OYĚWÙMÍ, 2021). Os itãs e orikis no cinema brasileiro reivindicam outros corpos, imaginários, sons e imagens de pensamento. Unidos às indumentárias (paramentas), cores, gestos e outros artifícios da linguagem cinematográfica, reconfiguram as cabeças (Oris) controladas pelo domínio colonial.
    Partindo das empatias e antipatias que fizeram a história colonial, sabemos que certos encontros matam (BOSI, 1992). Os colonizadores ibéricos exterminaram povos, seus saberes e deuses sob o pretexto do encontro. Antes da chegada dos povos africanos, os europeus transpuseram o sistema civilizatório para os povos indígenas nos diversos territórios das Américas. O império colonial não apenas usurpou a terra e corpos, mas também as subjetividades e as culturas dos povos originários; o mesmo ocorreu com os povos africanos. O encontro forçado gerou sincretismos. O próprio “Anchieta inventa um imaginário estranho sincrético, nem só católico, nem puramente tupi-guarani”. (BOSI, 1992,p.31).
    Os muitos sincretismos e as violências da colonização relatados no filme Ôrí de Raquel Gerber, 1989, nos conduzem para a palavra falada ou cantada da historiadora sergipana Beatriz Nascimento. O filme Ôrí retrata os sincretismos, mas há um elemento que distingue o culto dos Orixás. A mediunidade do Candomblé não é como a religião espírita ou umbandista, o processo é de mimetismo e excorporação porque Orixá já habita o iniciado/a. (NOGUEIRA, 2017)
    A palavra cantada e dança são gestos fundamentais para a criação Yorubá. “Ori” significa “cabeça”. E os Orixás dançam enquanto contam e recontam suas histórias. Ogum, o orixá das tecnologias, é o guardião dos avanços maquínicos independente do espaço e tempo. A imagem técnica (cinema e fotografia) e os próprios elementos físicos ou químicos extraídos da terra são elementos de Ogum modificados na história do cinema como equipamentos, artifícios, película e o digital.
    Terra em Transe, Ôrí e tantos outros filmes de autoria negra/índegena/nordestina/feminista trazem performatividades e paisagens subversivas que inflamam o conflito colonial do espaço público versus privado bastante explorado no cinema brasileiro. “…O contra-feitiço e a transcriação acenam à produção de imagens outras, relacionadas aos processos de ancestralidade, vitalidade e cura, produzindo imagens que escapam às tradições do mimetismo realista que herdamos da moderna colonialidade.” (GUEDES, 2021, p.87)

Bibliografia

    ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz de. A Invenção do Nordeste e outras artes. – 3.ed – Recife: FJN, Ed. Massangana; São Paulo: Cortez, 2006.
    BOSI, Alfredo. Dialética da Colonização. – São Paulo: Companhia das Letras, 1992.
    DIDI-HUBERMAN, Georges. Quando as imagens tocam o real. Tradução de Patrícia Carmello e Vera Casa Nova. In: Pós. Belo Horizonte,v.2, n.4,p.204 -219, nov. 2012.
    GUEDES, Cíntia. Notas com imagens fugidias: as armadilhas da temporalidade diaspórica. Em Construção – Dossiê: Rio de Janeiro, n.9, p.84-91, jun. 2021.
    NOGUEIRA, Sidnei Barreto. Orixá não é espírito! Orixá não é espírito! Orixá não é espírito! Revista Senso: Belo Horizonte, 30 de Maio, 2017. Disponível em: https://revistasenso.com.br/candomble/orixa-nao-e-espirito-orixa-nao-e-espirito-orixa-nao-e-espirito/
    OYEWÙMÍ, Oyèronké. A invenção das mulheres: construindo um sentido africano para os discursos ocidentais de gênero. Tradução: Wanderson Flor do Nascimento. – 1.ed. – Rio de Janeiro: Bazar do Tempo, 2021