Trabalhos Aprovados 2022

Ficha do Proponente

Proponente

    Erick Felinto de Oliveira (UERJ)

Minicurrículo

    Erick Felinto é Doutor em Literatura Comparada pela UERJ/UCLA e tem Pós-Doutorado em Estudos de Mídia pela Universität der Künste Berlin. É pesquisador do CNPq e professor titular na UERJ, onde realiza pesquisas sobre cinema e cibercultura. É autor dos livros Avatar: o Futuro do Cinema e a Ecologia das Imagens Digitais (Sulina, com Ivana Bentes) e O Explorador de Abismos: Vilém Flusser e o Pós-Humanismo (Paulus), entre outros.

Ficha do Trabalho

Título

    “Nenhum Brasil Existe”: Atmosferas Conspiratórias na Brasil Paralelo

Mesa

    Cosmopoiesis: Estratégias de Fazer Mundo no Audiovisual Contemporâneo

Formato

    Presencial

Resumo

    Por meio da análise dos documentários da produtora Brasil Paralelo, particularmente da série “Pátria Educadora”, este trabalho pretende explicitar seus modos de constituir mundo e suas estratégias visuais e discursivas para desvelar o que se configura como uma natureza conspiratória do real. O pressuposto de fundo repousa na crença de que é necessário educar visualmente o espectador para a obtenção de uma percepção mais profunda e verdadeira da realidade que o cerca.

Resumo expandido

    Com base em uma instituição que se define como “empresa de entretenimento e educação”, as produções audiovisuais da Brasil Paralelo constroem uma representação da realidade que se pretende fundada numa “busca da verdade histórica” e “sem qualquer tipo de ideologização”. Tal cosmos supostamente transparente e desideologizado se estrutura, porém, em uma visão conspiratória do real, que necessita ser desvendada para que o espectador possa alcançar uma percepção mais profunda do mundo em que vive. De fato, o próprio nome do empreendimento sugere a existência dessa outra realidade, “paralela”, à qual poucos iluminados teriam acesso, sendo estes capazes, então, de despertar o público de uma espécie de “sono dogmático” (de um falso real) ao qual muitas vezes estaria aprisionado. Por meio da análise de seus produtos audiovisuais, particularmente da série “Pátria Educadora”, este trabalho pretende desvendar os modos de constituir mundo e as estratégias visuais e discursivas do Brasil Paralelo. Buscamos, particularmente, dissecar os modos como certo discurso audiovisual constrói o conceito de evidência, não fundado, certamente, em um ideal de uma verdade absoluta, mas sim na ideia de “um processo vivo que está inerentemente entrelaçado em nossos próprios movimentos, encontros, afetos e relações” (Rice, 2020, p. 15). A partir de imagens de arquivo cuidadosamente montadas e de entrevistas com intelectuais conservadores, esses produtos audiovisuais revelam a paradoxal natureza dos arquivos, poeticamente definidos por Wolfgang Ernst como locais de oscilação entre “um cemitério de fatos e um ‘jardim de ficções’” (Ernst, 2002, p. 60). Desse modo, o Brasil Paralelo coloca em funcionamento uma espécie de “cosmopoietica”, ou seja, uma estratégia de produzir mundos. A história, os fatos, as imagens e os embates narrativos são colocados a serviço de um projeto que é, sem dúvida alguma, profundamente ideológico. Tal projeto, se lido com atenção, se constitui em um mapa do imaginário neoconservador no Brasil do século XXI, com seus anseios de retorno a um passado ideal perdido, sua fundamentação em valores transcendentes e religiosos e sua defesa de um mundo livre de conspirações comunistas, globalistas e anti-eclesiásticas. Por meio da construção de atmosferas solenes, trilhas sonoras sutis, mas impactantes, e imagens que se configuram em polaridades (claro-escuro, nítido-granulado etc), os documentários da Brasil Paralelo encenam uma história dramática e envolvente, na qual se trava uma secular luta pelo espírito humano. Como argumenta Michael Butter, teorias da conspiração sempre contam suas histórias de trás para frente (backwards). Trata-se, pois, de identificar quem ganha com determinada situação ou evento, de modo a apontar os agentes responsáveis (a causa eficiente) pelos malefícios de um mundo essencialmente mecanicista “no qual não existe espaço para coincidência (…) ou efeitos sistêmicos” (2020, p. 33). Ao examinar, com particular cuidado, essa produção de atmosferas (Cf. Gumbrecht, 2012), que sugerimos compor parte do panorama de um “capitalismo estético” contemporâneo (Böhme, 2018), pretendemos entender como as imagens e a mise-en-scène desses produtos configuram uma pedagogia da imaginação reacionária, na qual o Brasil “real” ainda se esconderia por trás de uma série de deformações históricas e falsidades ideológicas.

Bibliografia

    BÖHME, Gernot. Ästhetischer Kapitalismus. Berlin: Suhrkamp, 2018.
    _____________. Atmosphäre: Essays zur neuen Ästhetik. Berlin: Suhrkamp, 2019.
    BUTTER, Michael. The Nature of Conspiracy Theories. Cambridge: Polity, 2020.
    GUMBRECHT, Hans Ulrich. Atmosphere, Mood, Stimmung. Stanford: Stanford University Press, 2012.
    RICE, Jenny. Awful Archives: Conspiracy Theory, Rhetoric, and Acts of Evidence. Columbus: Ohio State University Press, 2020.
    Ernst, Wolfgang. Das Rumoren der Archive: Ordnung aus Unordnung. Berlin: Merve, 2002.
    NICHOLS, Bill. Speaking Truths with Films: Evidence, Ethics, Politics in Documentary. Oakland: University of California Press, 2016.