Trabalhos Aprovados 2022

Ficha do Proponente

Proponente

    Beatriz Avila Vasconcelos (Unespar)

Minicurrículo

    Professora adjunta do Bacharelado em Cinema e Audiovisual e do Programa de Pós-Graduação em Cinema e Artes do Vídeo (PPG-CINEAV) da Universidade Estadual do Paraná (Unespar). Realiza pesquisas no campo das relações entre imagem, memória e cultura e das relações entre cinema e poesia. É líder do Grupo de Pesquisa em Arte, Cultura e Subjetividades (GPACS). E-mail: beatriz.vasconcelos@unespar.edu.br

Ficha do Trabalho

Título

    Dar a ver o pensamento de imagens a partir de Rituais e Festas Bororo

Mesa

    Como pensam as imagens no cinema? Exercícios de cruzamento de imagens

Formato

    Remoto

Resumo

    Partindo da ideia de que as imagens participam de um tempo muito profundo e constroem uma atividade pensante (Samain 2012), utilizo-me do dispositivo warburguiano do cruzamento de imagens para pensar com alguns frames do filme Rituais e Festas Bororo, realizado em 1917 por Luiz Thomaz Reis, cinegrafista da Comissão Rondon. O objetivo é buscar revelar, “em termos sintomais e fantasmais” (Didi-Hubeman 2013) a ressurgência de formas de representação do corpo colonizado no filme de Reis.

Resumo expandido

    As imagens que vemos participam de uma história, de uma cultura, de uma memória, de “um tempo muito profundo” (Samain 2012), e, na profundidade deste tempo e deste espaço histórico, são formas que dialogam entre si, se comunicam e constroem assim uma atividade pensante. A apreensão deste pensamento das imagens se dá, para Samain, que se coloca como herdeiro de Aby Warburg e do método do Atlas Mnemosyne, a partir do cruzamento entre as imagens, a partir, enfim, de todo procedimento que ponha as imagens em diálogo – ou em choque – e faça seu pensamento emergir, revelando-as como “memória de memórias”. Este poder de ideação das imagens nos abre a possibilidade, não apenas de “pensar a imagem”, mas antes, de “pensar por imagens”, aprendendo a abri-las em um movimento crítico de olharmos e sermos olhados por elas.

    Tal poder de ideação ou o caráter pensativo das imagens tem como base o fato de que as imagens não são apenas fatos visuais hic et nunc, mas são “poços de memórias”, para usar a expressão de Samain (2012), são aparições de um já visto, que ressurgem em cada nova aparição e compõem os seus efeitos de sentido.

    Partindo destas ideias e do dispositivo do cruzamento de imagens, analisarei alguns frames e planos do filme Rituais e Festas Bororo, realizado em 1917 pelo militar Luiz Thomaz Reis, cinegrafista e chefe do Serviço de Fotografia e Cinematografia da Comissão Rondon. Considerado por alguns o primeiro filme etnográfico do mundo, Rituais e Festas Bororo, fornece-nos modos de captura – fotográfica e cultural – de corpos indígenas que fazem ecoar outras imagens das artes e tecnologias postas a serviço do olhar do colonizador para o indígena no século XIX e início do século XX, o que permite evidenciar memórias e modos de ver da colonização que subjazem às imagens do filme. Ao provocar, por meio da aproximação, relações entre frames de Rituais e Festas Bororo com outras imagens de indígenas e outros povos colonizados na história da arte colonial, busco compreender as imagens do filme como “memória de memórias , um grande jardim de arquivos vivos, mais do que isso: uma ‘sobrevivência’, uma ‘supervivência’” (SAMAIN 2012, p.22), capaz de revelar, “em termos sintomais e fantasmais” (DIDI-HUBERMAN, 2013, p.55) a ressurgência de um páthos imagético do índio brasileiro, ou, mais especificamente, do corpo indígena visto pelo viés do colonizador e reaparecido no filme de Reis.

    Como afirma Didi-Huberman (2013), a respeito do método warburguiano, “uma imagem, toda imagem, resulta dos movimentos provisoriamente sedimentados ou cristalizados nela” (p. 33). Sua atividade pensante não é outra coisa que a revelação disto. Assim, nesta comunicação, ao colocar imagens do filme de Reis anacronicamente em cruzamento com outras imagens (pinturas, fotografias, frames de filmes) busco provocar percepção destas camadas de sedimentos que fazem ressurgir, em uma imagem aqui e agora, inúmeras outras imagens que, vindo fantasmagoricamente de outros tempos e contextos, participam de seu sistema de significação. Paradoxalmente, este dispositivo do cruzamento de imagens, ao mesmo tempo em que desmonta a narrativa de superfície que o filme sustenta, tem o poder de re-montar a história subjacente das formas, dos modos de ver e das relações de captura – fotográfica e cultural – que as imagens nos dão a ver e a pensar.

Bibliografia

    DIDI-HUBERMAN, Georges. A imagem sobrevivente: história da arte e tempo dos fantasmas segundo Aby Warburg. Tradução Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Contraponto, 2013.
    MICHAUD, Philippe-Alain. Aby Warburg e a imagem em movimento. Prefácio de Georges Didi-Huberman. Tradução de Sibylle Muller. Rio de Janeiro: Contraponto, 2013.
    RITUAIS E FESTAS BORORO. Documentário. Direção: Luiz Thomaz Reis. 1917. 20 min.
    SAMAIN, E. As imagens não são bolas de sinuca. Como pensam as imagens. In: SAMAIN, Etienne. Como pensam as imagens. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2012.
    TACCA, Fernando de. O índio na fotografia brasileira: incursões sobre a imagem e o meio. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v.18, n.1, jan.-mar. 2011, p.191-223.
    TACCA, Fernando de. Rituaes e festas Bororo: a construção da imagem do índio como “selvagem” na Comissão Rondon. Revista de Antropologia. Nr. 45, vol. 1, s.p.