Trabalhos Aprovados 2022

Ficha do Proponente

Proponente

    Cláudia Cardoso Mesquita (UFMG)

Minicurrículo

    Professora do curso de graduação e do programa de pós-graduação em Comunicação Social da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), onde integra os grupos de pesquisa Poéticas da Experiência e Poéticas Femininas, Políticas Feministas. Pesquisadora do cinema brasileiro, com mestrado e doutorado na ECA-USP. Realizou pós-doutorado na Universidade Federal do Ceará (2018-19). Publicou, com Consuelo Lins, o livro “Filmar o real – sobre o documentário brasileiro contemporâneo” (Jorge Zahar, 2008).

Ficha do Trabalho

Título

    Elizabeth Teixeira: militância e maternidade no redemoinho da história

Seminário

    Cinemas mundiais entre mulheres: feminismos contemporâneos em perspectiva

Formato

    Presencial

Resumo

    Elizabeth Teixeira foi filmada por Eduardo Coutinho em 1962, 1964, 1981 e 2013, quando ele retornou à Paraíba para reencontros filmados com os personagens de Cabra marcado (1984). Esse processo-cinema, abrigo de 50 anos de história, não apenas registrou imagens de Elizabeth, mas interveio de modo decisivo em sua vida. Propomos abrir a história através de algumas imagens, reconstituindo e analisando, de uma perspectiva feminista, o encontro entre o cinema e a trajetória de Elizabeth Teixeira.

Resumo expandido

    Propomos abordar, de uma perspectiva feminista, a trajetória paradigmática de Elizabeth Teixeira, militante das Ligas Camponesas, personagem central de Cabra marcado para morrer (Eduardo Coutinho, 1984). Viúva de João Pedro Teixeira, cuja história se buscava reconstituir no roteiro original, Elizabeth foi filmada por Coutinho em 1962, 1964, 1981 e – quase 30 anos depois do lançamento de Cabra – em 2013, um ano antes da morte do diretor, quando ele esteve no Rio e na Paraíba para reencontros com os personagens do filme. As aparições de Elizabeth Teixeira na filmografia de Coutinho, em diferentes momentos, nos oferecem entrada para a abordagem de seu protagonismo, na interseção entre o cinema e as lutas. Tarefa que exige de nós, ainda, o trabalho com todo um “fora de quadro”: imagens, documentos e as duas biografias de Elizabeth Teixeira já lançadas (ROCHA, 2009; BANDEIRA, 2012).
    Isso porque a atenção à elaboração fílmica da personagem não deve prescindir do exame de lacunas e silenciamentos sobre sua trajetória. A história da esquerda brasileira, ao menos até meados dos anos 1990, foi escrita majoritariamente em torno das trajetórias de “grandes homens”, como nos diz Miriam Goldenberg (1997) em “Mulheres & militantes”. Mesmo que Cabra não subestime a complexidade da personagem Elizabeth, a especificidade de sua atuação (e das opressões por ela sofridas) não “cabe” inteiramente no filme, que acompanha também outras trajetórias (especialmente a de João Pedro). Militantes em um mundo quase exclusivamente masculino, Elizabeth e outras mulheres que – nascidas antes dos anos 1940 – enfrentaram o poder repressivo dos senhores de terra e, posteriormente, do estado autoritário durante a ditadura, foram vítimas de violência política de gênero e de todo tipo de discriminação – não raramente aparecendo, na história contada pela própria esquerda, como “coadjuvantes”, já que, ainda segundo Miriam, “aos homens cabiam as decisões políticas e as ações práticas (o mundo público)”, “às mulheres, o suporte familiar e caseiro (o mundo doméstico)” (1997: p.4-5). Buscar por Elizabeth é necessariamente ultrapassar as bordas do quadro fílmico, o que em nada diminui a grandeza e importância de Cabra.
    Como se sabe, a relação de Coutinho com a história de João Pedro e das Ligas Camponesas é, desde o começo, mediada por Elizabeth – que acaba sendo a única protagonista real dos fatos a participar das filmagens no Engenho Galileia (PE). Interrompido pelo golpe militar, quando haviam sido rodados apenas 40% do roteiro, o filme será retomado, com abordagem documental, em 1981, após a Anistia, quando Elizabeth terá novamente participação fundamental. Concordamos com Joana Conti e Sônia Maluf (2010), então, quando escrevem que “Elizabeth Teixeira é a figura central do documentário”: “não porque apenas sua história é contada. Mas porque ela é o ponto de convergência de todas as histórias, tempos e espaços distintos que Coutinho cruza, monta, une, sobrepõe e tece” (p.12).
    Propomos então reposicionar nosso próprio olhar sobre Cabra marcado para morrer, que analisamos em outras ocasiões, de outras perspectivas. Neste filme que é, em si, uma lição de “contra-história” (ao focalizar, firmemente, a perspectiva dos vencidos), mirar Elizabeth é produzir, na expressão de Anna Karina Bartolomeu, Roberta Veiga e Letícia Marotta (2019), uma “dupla contra-história” (p. 110), extraindo, de uma “história da resistência”, “a resistência das mulheres”, tantas vezes invisibilizada.
    Nossa ideia é abrir a história através de algumas imagens, reconstituindo e analisando partes da trajetória de Elizabeth Teixeira a partir desses rastros e de seus testemunhos. Nosso título destaca duas experiências centrais na trajetória dela, assim como na história do feminismo brasileiro (SARTI, 1988), condensando dimensões que gostaríamos de imprimir em nosso gesto: destacar a voz de Elizabeth e buscar situar sua trajetória (sem subsumi-la) nos caminhos dos movimentos de mulheres no Brasil.

Bibliografia

    BANDEIRA, Lourdes M., MIELE, Neide & SILVEIRA, Rosa M.G. Eu marcharei na tua luta – A vida de Elizabeth Teixeira. João Pessoa, Editora Universitária da UFPB/Manufactura, 2012.
    BARTOLOMEU, Anna Karina, VEIGA, Roberta & MAROTTA, Letícia. A ditadura militar “por” e “entre” mulheres: o cinema contra o apagamento histórico em Retratos de Identificação e Setenta. Cadernos Benjaminianos, v.15, n.1, 2019.
    CONTI, Joana & MALUF, Sônia. A dona da história: trajetória de Elizabeth no filme Cabra marcado para morrer. Antropologia em primeira mão. Florianópolis: UFSC / Programa de Pós-graduação em Antropologia Social, 2010
    GOLDENBERG, Mirian. Mulheres & militantes. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v.5, n.2, 1997.
    ROCHA, Ayala. Elizabeth Teixeira: Mulher da Terra. João Pessoa: Editora Universitária da UFPB, 2009.
    SARTI, Cynthia. Feminismo no Brasil: uma trajetória particular. Cadernos de Pesquisa, São Paulo (64): 38-47, fev. 1988.