Trabalhos Aprovados 2022

Ficha do Proponente

Proponente

    Carolina de Oliveira Silva (Unicamp)

Minicurrículo

    Carolina de Oliveira Silva é doutoranda do PPG em Multimeios da UNICAMP, mestra em Comunicação Audiovisual pela Universidade Anhembi Morumbi (UAM) e bacharel em Comunicação Social RTV (UAM). É membro do Grupo de Pesquisa GENECINE (Grupo de Estudos Sobre Gêneros Cinematográficos e Audiovisuais) e faz parte do corpo editorial da Revista Zanzalá. Atualmente, desenvolve uma pesquisa sobre as personagens femininas no cinema de ficção científica brasileiro e escreve crítica de cinema.

Ficha do Trabalho

Título

    A VOZ FEMININA NEGRA EM ERA UMA VEZ BRASÍLIA: uma perspectiva

Seminário

    Cinemas mundiais entre mulheres: feminismos contemporâneos em perspectiva

Formato

    Presencial

Resumo

    Este artigo analisa a voz feminina negra no filme Era uma vez Brasília (2017), no qual a personagem de Andreia se sobressai ao compartilhar a sua história. A hipótese é de que o elemento da voz pode ser, diferentemente do que Mary Ann Doane (1983) afirma, um lugar particular ao feminismo. Assim, pretende-se utilizar autoras que dialoguem com o afrofuturismo (FREITAS; MESSIAS, 2018), a perspectiva parcial do conhecimento (HARAWAY, 1995) e a escuta em suas diversas possibilidades (FLÔRES, 2013).

Resumo expandido

    Em Era uma vez Brasília (2017) filme de Adirley Queirós, o diálogo com o afrofuturismo se faz presente ao considerar o papel de destaque a uma mulher negra – Andreia (Andreia Vieira), que em diversas cenas utiliza a voz para compartilhar a história de uma mulher jovem negra, mãe solo e ex-presidiária.
    Se a corrente do afrofuturismo é capaz de expandir “a imaginação muito além das convenções de nosso tempo e dos horizontes da expectativa, expulsando as ideias preconcebidas sobre negritude para fora do sistema solar” (WOMACK; 2015, p. 36), dentre suas diversas frentes, o trabalho com a distopia será demarcado pelo atravessamento dos tempos. Como bem observa Kênia Freitas e José Messias (2018) acerca do tensionamento entre afrofuturismo e afropessimismo, o passado negro que fora roubado e apagado pela escravidão, conseguiria vislumbrar futuros possíveis?
    O filme de Queirós não chega a resolver tal dilema, mas apresenta a situação específica da mulher negra brasileira – algo que pouco se aborda no filme anterior do mesmo universo, Branco Sai, Preto Fica (2014), em que uma das únicas personagens femininas, apesar de ocupar o lugar de agente do futuro (Gleide Firmino), possui pouca aparição/voz ao longo do filme.
    A partir dessa comparação é possível trazer à tona um recorte localizado (HARAWAY, 1995): uma perspectiva parcial para a maneira como conhecemos o mundo e produzimos conhecimento. Não mais nos serve um ponto de vista totalitário e capaz de ocupar todos os lugares ao mesmo tempo, é preciso alinhar-se às perspectivas feministas – para a autora uma ode às particularidades e não às universalidades, como muito se viu em alguns feminismos.
    Assim, o recorte desta pesquisa se concentra na personagem de Andreia, mulher negra que após matar um homem para se defender de uma violência, é presa. Na cadeia ela conhece Corina, mulher que trabalha como prostituta e que antes de morrer entrega a ela as coordenadas direcionadas ao agente intergaláctico WA4 (Wellington Abreu).
    A partir dessas prerrogativas o que se pode dizer sobre o afrofuturismo e Andreia é a ligação com a voz – se nesse subgênero o elemento do som vai ser fundamental para compreender outras maneiras de viver no mundo – menos imagéticas, afinal, os sons representam uma forma tão potente de existência quanto qualquer outra, a voz de Andreia surge não apenas como elemento voz em meio a ruídos, ambientes e música, mas através de uma escuta que somada “a acúmulos de experiências passadas e de experiências por vir (…) adquire possibilidades diversas no cinema” (FLÔRES, 2013, p. 148). Tais possibilidades trazem para a discussão as “variações quanto às formas de resistência” (GONZALEZ, 2020, p. 55) para as mulheres negras, e a voz aqui, é uma delas.
    Em texto de Tide Borges e Marina Mapuranga (2021) sobre as trabalhadoras do som no cinema brasileiro, percebe-se um silêncio – de quem escuta e de quem fala – e que será preenchido por meio do diálogo proposto pelas/entre autoras e outras participantes. Apesar de não abordar a questão das trabalhadoras do cinema, lidamos aqui com uma personagem – batizada com o nome de quem a interpreta, revelando uma nuance entre o discurso que se tem no roteiro e a experiência de Andreia no mundo. Mas para além de comparar tais vozes, a ideia aqui é demonstrar por meio a estética cinematográfica, a apresentação de uma personagem que não se prende ao apanágio da imagem, mas se faz escutar por meio da voz, elemento da narrativa que possui lugar, vivacidade e que faz parte da mise-en-scène (MASON, 1989). Dessa forma, a análise pretende contestar o que Mary Ann Doane (1983) coloca como a “política da voz particularmente problemática quando vista de uma perspectiva feminista” (p. 474), revelando que, o elemento sonoro pode ser sim utilizado a partir de tal denominação, desde que haja uma definição que, no caso deste filme, aponta para uma perspectiva interseccional (GOES, 2019).

Bibliografia

    DOANE, Mary Ann. A voz no cinema: a articulação do corpo e espaço. In: XAVIER, Ismail (org.). A experiência do cinema. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1983.

    FLÔRES, Virginia. O cinema: uma arte sonora. São Paulo: Annablume, 2013.

    FREITAS, Kênia; MESSIAS, José. O futuro será negro ou não será: Afrofuturismo versus Afropessimismo – as distopias do presente. Revista de la Asociación Argentina de Estudios de Cine e Audiovisual – Imagofagia, n. 17, pp. 402-424, 2018.

    GONZALEZ, Lélia. Por um feminismo afro-latino-americano: ensaios, intervenções e diálogos. Rio de Janeiro Zahar, 2020.

    GUIMARÃES; Clotilde B.; FERREIRA, Marina Mapurunga de Miranda. Escuta s. fem.: In: Trabalhadoras do cinema brasileiro: mulheres muito além da direção. Rio de Janeiro: NAU Editora, 2021.

    HARAWAY, Donna. Saberes localizados: a questão da ciência para o feminismo e o privilégio da perspectiva parcial. In: Cadernos Pagu, n.5, pp. 07-41, 1995.