Trabalhos Aprovados 2022

Ficha do Proponente

Proponente

    Benedito Ferreira dos Santos Neto (UERJ)

Minicurrículo

    Benedito Ferreira é artista visual, pesquisador e doutorando em Artes na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), com apoio da CAPES. Mestre em Arte e Cultura Visual pela Universidade Federal de Goiás (UFG) e bacharel em Audiovisual pela Universidade Estadual de Goiás (UEG). É pesquisador vinculado ao Núcleo de Investigação em Direção de Arte Audiovisual (UFPE/CNPq).

Ficha do Trabalho

Título

    Fome de amor e as escritas da direção de arte

Seminário

    Estética e teoria da direção de arte audiovisual

Formato

    Presencial

Resumo

    A proposta busca identificar as estratégias de fabricação da imagem de Fome de Amor (1968), filme dirigido por Nelson Pereira dos Santos e com direção de arte de Luiz Carlos Ripper. Ao perceber as oposições do roteiro, a direção de arte testa os “efeitos artísticos” da caracterização de espaços e personagens a fim de avaliar os “gestos de direção de arte” para além de suas atribuições e circuitos — eclosão de certa ideia de autoria, tão cara para o cinema moderno (BIETTE, 2000).

Resumo expandido

    Em 1968, Luiz Carlos Ripper repete a parceria com Nelson Pereira dos Santos e é creditado como diretor de arte em Fome de Amor (1968), cujo roteiro é baseado no livro História para se ouvir de noite, de Guilherme Figueiredo, e assinado pelo próprio diretor em parceria com Ripper. Tal configuração de trabalho, conduzida pela aproximação entre direção de arte e roteiro, recupera sobremaneira estratégias adotadas na construção da imagem crítica de El Justicero, filme anterior de Nelson em parceria com Ripper (SANTOS NETO, 2019).

    A narrativa está centrada na relação de um casal de brasileiros que vive em Nova Iorque e decide voltar ao Brasil para morar numa praia do litoral do Rio de Janeiro. Ela avança a partir da descoberta de que outro casal habita aquele local. Interessado pelas práticas de encenação, por objetos de cena capazes de ampliar o sentido dos ambientes e o contraste dos figurinos, a direção de arte atua de modo a privilegiar nas imagens em preto e branco o brilho da água do mar e a intromissão da luz solar nos ambientes domésticos combinados com as vestes de banho. Assim, a direção de arte escreve e guia as cenas em ordem não cronológica, dispondo um conjunto de elementos que se mantêm próximos, invisíveis e apartados da imagem, o que contribui significativamente para a transformação do melodrama num filme político.

    É evidente que a construção de cena necessita da atuação obstinada da direção de arte e da maleabilidade na articulação da relação entre paisagem, decoração de cena e enquadramento. O crítico Ely Azeredo (1968) aponta as “raízes godardianas, resnaisianas, fellinianas” de Fome de Amor e identifica como fundamentais para a plasticidade do filme “(…) a fotografia de Dib Lutfi, os cuidados (com apoio de Luiz Carlos Ripper) cenográficos, de decorações e costumes”.

    Enquanto a narrativa demonstra interesse pela intimidade dos personagens, que ora se engalfinham, ora se reconciliam — as vicissitudes da vida conjugal —, as imagens exploram a geografia da ilha na tentativa de restituir a riqueza da espacialidade frente ao drama burguês de seus quatro habitantes. A harmonia enquadrada e a transdisciplinaridade comum à prática da paisagem no cinema (e na pintura) (CAUQUELIN, 2008) determinam a reescrita da imagem em Fome de Amor — zona de atuação que requer uma direção de arte inventiva, da escrita da imagem, marca que define o trabalho de Ripper nos anos seguintes.

    A parceria entre diretor e diretor de arte, inovadora para o período em que o filme foi realizado, e a relação que se estabelece na coautoria de roteiro, revela uma escrita da direção de arte capaz de extrapolar suas fronteiras de atuação. Tal atenção implica o desenho de uma autoria da direção de arte (por que não?) aninhada pelo cinema moderno e ainda pelas aproximações que Ripper celebra com as artes da cena.

Bibliografia

    AZEREDO, Ely. Memória.BN. Cotações JB, 1968. Disponível em: http://memoria.bn.br/docreader/DocReader.aspx?bib=030015_08&pagfis=116986. Acesso em: 12 maio 2022.

    BIETTE, Jean-Claude. Qu’est-ce qu’un cinéaste? Paris: P.O.L éditeur, 2000.

    CAUQUELIN, Anne. A Invenção da Paisagem. Lisboa: Edições 70, 2008.

    SANTOS NETO, Benedito Ferreira dos. Três reflexões sobre a direção de arte no cinema brasileiro. 2019. 138 f. Dissertação (Mestrado em Arte e Cultura Visual) – Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 2019.