Trabalhos Aprovados 2022

Ficha do Proponente

Proponente

    Gabriela Lopes Saldanha (UNICAMP)

Minicurrículo

    Pesquisadora e produtora executiva do audiovisual, é mestre em Multimeios pela Unicamp. Elabora, capacita e fornece assessoria de conteúdo para editais, projetos culturais e educativos com foco em políticas do audiovisual. Atualmente desenvolve pesquisa de doutorado sobre montagem e estéticas do documentário brasileiro. Ministrou mais de 20 oficinas de cineclubismo e participa há mais de 10 anos como júri de festivais e mostras pelo Nordeste.

Ficha do Trabalho

Título

    A imagem precária e o estilo na montagem documentária

Formato

    Remoto

Resumo

    O que torna uma imagem caseira (Machado, 2017) em monumental? Quando a imagem precária (Schaeffer, 1996) é alçada à condição de obra de arte? A proposta deste trabalho é avaliar a condição de imagens avatares em futuros possíveis. Ou seja, de que forma a montagem vem sendo utilizada principalmente em documentários para se pensar uma nova ordem para a mise-en-scène cinematográfica. Nesta discussão, tomaremos os filmes Pacific (2009) e Doméstica (2012) como índices contingentes de tais imagens.

Resumo expandido

    Após a querela do dispositivo como processo cinematográfico no documentário, o debate sobre a plasticidade do material fílmico permanece como instância de análise em filmes que se propõem a discutir temas controversos para a sociedade brasileira. Termos como “imagem caseira”, “imagem amadora”, ou mesmo “imagem precária”, aparecem como sinônimos na literatura crítica para tratar da imagem e do som que compõe, por exemplo, os filmes Pacific (2009) e Doméstica (2012), alvos desta comunicação. Sabemos, contudo, que Pacific é integralmente destituído de um controle profissional de tais bandas no ato da gravação, já, Doméstica é realizado com indicações técnicas prévias, mas seu resultado continua sendo uma busca do controle profissional. De toda forma, não se pode dizer, por exemplo, que existe um padrão plástico, do ponto de vista fotográfico e fonográfico nestes filmes. Podemos dizer com isso, que, a produção de conteúdo de cada personagem – turista, empregada e adolescente – acaba por se configurar como um protótipo da imagem cinematográfica. A unidade estética padrão estará constituída então, na montagem, fase em que esses protótipos são ressignificados à condição de avatares de um produto virtualizado para além do concebido inicialmente. Neste sentido, questionamos a produção documentária do século XXI em relação à “o que pode a poesia na reciclagem de materiais dos imensos arquivos digitais que nos armazenam?”. Ao mesmo tempo em que potencializamos a capacidade de produzir imagens e sons a partir de ferramentas móveis, quase extensivas ao corpo humano, também localizamos no ato cinematográfico a desistência da produção de novas imagens. Seria o futuro do cinema apenas a reciclagem de materiais?
    Assim, utilizamos como referência para esta reflexão a visão de autores como Jean-Marie Schaeffer (1996), Marcius Freire (2011), David Bordwell (2013) e, sem dúvida, Arlindo Machado (2017). Schaeffer aponta que o caráter precário da imagem não é algo pré-estabelecido, ele se constitui de forma adversa, espontânea e, por isso mesmo, se configura, a depender da sua contingência, como expressão estética. De acordo com o autor, o belo seria, na verdade, não uma imagem, mas um encontro entre o espectador e a obra, caso este encontro represente as formas idênticas do nosso espírito em atividade livre e autônoma, para ele isto quer dizer que deve existir uma harmonia entre a imaginação e o entendimento. Todas as vezes que o espectador se reconhece no turista do filme Pacific, ou no lugar do adolescente ou das empregadas em Doméstica, ele experimenta esta, talvez incômoda, sensação e encontro com o belo. Já em outra medida, a contingência é mais um sinônimo do debate ético, em disputa de equilíbrio com o debate estético. Ao discutir as possibilidades de construção de limites éticos para o documentário, o pesquisador Marcius Freire (2011) observa que a estética, ou os modos de representação no cinema de não-ficção, é o fator impulsionador para as mudanças e transformações do estilo cinematográfico. Para David Bordwell (2013), é o estilo adotado pelo realizador cinematográfico que molda a consciência do espectador, ainda que de forma inconsciente. Ao estilo, caberiam justamente as escolhas estéticas atreladas às técnicas definidas pelo cineasta.
    Desta forma, a passagem do filme amador para o filme profissional é paradigmática do processo criativo, já que existe uma diferença fundamental entre imagens e filme. Qualquer pessoa de posse de uma câmera é capaz de produzir imagens, mas para se chegar a um filme, será necessário observarmos se, no conjunto das imagens, estará presente uma consciência deliberada sobre linguagem cinematográfica, opções estéticas empregadas e seleção e encadeamento de tais imagens. Logo, pretendemos investigar os usos da montagem na concepção de obras ditas como oriundas de imagens precárias e seus modos de reelaboração de uma mise-en-scène documentária.

Bibliografia

    BORDWELL, David. Sobre a história do estilo cinematográfico. Campinas, SP: Ed. Unicamp, 2013. CASTRO, Isabel. “Só me interessa o que não é meu”: filmes de montagem brasileiros como pensamento social sobre o Brasil. In: Devires, Belo Horizonte, V.12, N. 2, p.94-119, Jul/Dez, 2015. FREIRE, Marcius. Documentário: ética, estética e formas de representação. São Paulo: Annablume, 2011. GERVAISEAU, Henri Arraes. O abrigo do tempo: abordagens cinematográficas da passagem do tempo. São Paulo: Alameda, 2012. MACHADO, Arlindo. Novos territórios do documentário. In: Doc On-line, n.11, pp.5-24, dez. 2011. SCHAEFFER, Jean-Marie. A imagem precária: sobre o dispositivo fotográfico. Coleção Campo Imagético. Campinas: Papirus, 1996.