Trabalhos Aprovados 2021

Ficha do Proponente

Proponente

    Fabio Rodrigues da Silva Filho (UFMG)

Minicurrículo

    Mestrando em comunicação na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), graduou-se na mesma área na Universidade Federal do Recôncavo Baiano (UFRB). É membro dos grupos Áfricas nas Artes (Cahl/UFRB) e Poéticas da Experiência (UFMG). Atua na crítica, curadoria, pesquisa e realização em cinema. Trabalhou em festivais, mostras e laboratórios, dentre os quais destaca-se o CachoeiraDoc, Festcurtas Bh, etc. É cineclubista e cartazista de filmes. Em 2019, realizou o filme “Tudo que é apertado rasga”.

Ficha do Trabalho

Título

    Um Rasgo na Imagem: A constelação Macunaíma

Resumo

    Através de uma constelação fílmica movida por Grande Otelo, assumido esse ator como força motriz para leitura dos filmes, analisam-se “Macunaíma” (Joaquim Pedro de Andrade, 1969) e “Exu-Piá, coração de Macunaíma (Paulo Veríssimo, 1983), duas transfigurações do livro modernista Macunaíma – O herói sem nenhum caráter (1928), de Mário de Andrade. Pretende-se demonstrar a partir desse cotejo das obras a emergência de um rasgo no tecido narrativo e no papel (personagem/função) precipitado por Otelo.

Resumo expandido

    Em “A doutrina das semelhanças”, Walter Benjamin (1933) evoca a astrologia e, em seguida, a própria linguagem a fim de conceituar a semelhança extra-sensível. Exemplo privilegiado, porque canônico, é a linguagem: locus onde a faculdade mimética é fundamentalmente e constantemente requisitada. Como não poderia deixar de ser, é também pela linguagem que esta faculdade é atualizada. Não é difícil precisar a importância da faculdade mimética no livro “Macunaíma, o herói sem nenhum caráter”, escrito por Mário de Andrade entre 1926 e 1928. Obra em que a cópia (e o copiar), as citações e a montagem de partes tantas e distintas conformam a carnadura do livro e afirmam o seu projeto estético-político. A linguagem, enfim, no livro de Andrade, pulsa como um enorme e radical arquivo de semelhanças. Assumindo a forma rapsódica, o livro tem várias matrizes e uma pluralidade de vozes, onde a figura do autor, a um só tempo, “se esvai e se multiplica nos enunciados que se apropria” (SOUZA, 1955, p.33). A polifonia e a polissemia pululam no livro, resumiríamos. Frente a isso, justo seria ao invés de buscar as matrizes, atentar-se aos matizes que o constituem.

    Nosso interesse no arco que liga Grande Otelo a Macunaíma nos faz sondar vizinhanças e possibilidades de provocar e comentar a rapsódia literária e alguns filmes, no intuito de pensar a semelhança extra-sensível na linguagem, novamente por meio da singularidade da astrologia, tal como ensejou Benjamin. Mais precisamente, pensaremos a linguagem (marcadamente o cinema e a literatura) através da noção de constelação e, assim, faremos em nossa “proposta de relação” (e proposição de reposicionamento pela ideia de rasgo na imagem), o que Mariana Souto (2018) chamou de “trabalho de constelação”.

    Assim, pensaremos sobre as implicações de uma das falas de Grande Otelo no programa Roda-Viva (Tv/Cultura, 1988), onde é dito de uma possível inspiração de Mário de Andrade no próprio ator para criar o personagem Macunaíma. Pequeno lampejo que nos parece um momento crítico, tanto pelo que a fala dispara (sua virtude de expansão), quanto pelo seu potencial de (sobre-)inscrição, fazendo aparecer um trecho na imagem fílmica. Retomaremos esse lampejo reconsiderando o arco mais do que como metáfora, mas enquanto evidência por meio da qual especulamos uma constelação possível e imaginativa entre o ator, o livro e dois filmes onde Otelo faz (ou rasga) o papel de Macunaíma: o conhecido longa de Joaquim Pedro de Andrade, de 1969, e uma segunda adaptação da rapsódia, “Exú-Piá, coração de Macunaíma (Roteiros Mágicos Do Heroy Pau Brasyl)”, de 1983, com direção de Paulo Veríssimo.

    Importante ressaltar que se há um desvio de abertura na fala de Otelo: depois que tudo se passou ele rasga o cinema pela literatura e pelo teatro. Ora, ao dizer que chegou antes, Otelo também sublinha que a negrura veio antes. Se o malandro, arquétipo que a personagem Macunaíma assume na transfiguração fílmica de 69, encontra em Otelo sua tradução mais perfeita, não haveria nessa fala um dano pela traição? Não seria já esse ato de fala do ator, essa hipótese ela mesma por si (dado o seu contexto espaço-temporal) a precipitação de um rasgo na imagem? Mas, tirando consequências dessa fala de Otelo, não se mostra possível reler à contrapelo o paradigmático filme “Macunaíma”?

    Convocaremos o livro de Mário de Andrade para compor essa constelação, tal como tomaremos o ator, Grande Otelo, como força motriz da análise dos filmes e, em alguma medida, também da personagem, em um deslocamento, na análise, da figura do autor para a do ator, conferindo uma inflexão racial e reivindicando o protagonismo do ator. Não só Macunaíma transpassa, se metamorfoseia, atravessa (lugares, textos, mídias, suportes e tempos) mas também Otelo. Em termos gerais defenderemos como há um roubo da imagem de Otelo em “Macunaíma” (1969), sondando possíveis “contra-estratégias” (HALL, 2016) desempenhadas pelo ator no interior da obra e no seu fora de quadro.

Bibliografia

    BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. Trad.: Sérgio Paulo Rouanet. São Paulo: Brasiliense, 1994 – (Obras Escolhidas – Vol. 1)
    HALL, Stuart. Cultura e Representação. Org.: Arthur Ituassu. Trad.: Daniel Miranda e William Oliveira. – Rio de Janeiro: Ed. Puc-Rio : Apicuri, 2016.
    HIRANO, Luís Felipe Kojima. Grande Otelo: um intérprete do cinema e do racismo no Brasil (1917-1993). – Belo Horizonte: Editora UFMG, 2019.
    SOUTO, Mariana. Constelações fílmicas: um método comparatista no cinema. Galáxia (São Paulo, online), n. 45, set-dez, 2020, p. 153-165.
    SOUZA, Eneida Maria de. A pedra mágica do discurso. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1999.
    SHOHAT, E.; STAM, R.. Crítica da imagem eurocêntrica. Multiculturalismo e representação. São Paulo: Cosac Naify, 2006.
    XAVIER, Ismail. Alegorias do subdesenvolvimento: cinema novo, tropicalismo, cinema marginal. São Paulo: Cosac Naify, 2012.