Trabalhos Aprovados 2021

Ficha do Proponente

Proponente

    Bruno Saphira Ferreira Andrade (Unijorge)

Minicurrículo

    Bruno Saphira é doutor pelo Programa de Pós Graduação em Comunicação e Cultura Contemporâneas da Faculdade de Comunicação-UFBA. Professor de cinema documentário, teoria e história do cinema e realização audiovisual no Centro Universitário Jorge Amado (UniJorge), atua também como cineasta/diretor audiovisual.

Ficha do Trabalho

Título

    Da ética do olhar à política da imagem nos filmes de Safira Moreira

Resumo

    Travessia (2019) e Olhares Negros (2021), da cineasta Safira Moreira, são pontos de partida para a busca de estabelecimento de um diálogo entre elaborações teóricas que partem de noções acerca de uma ética do olhar, como nos propõe George Didi-Huberman, passam por noções da política da imagem, de Jacques Rancière, para chegar no ato de construção de um outro discurso histórico a partir da remontagem de imagens fotográficas no corpo do filme, como vemos nas obras em questão.

Resumo expandido

    A cineasta Safira Moreira, mulher, negra, baiana, desenvolve atualmente um projeto chamado Olhares Negros. Uma série de pequenos filmes, disponibilizados na rede social Instagram, de autores diversos, e que partem de um prisma comum, a saber, um relato afetivo mobilizado por uma fotografia de família que, ao ser montada com a fala, dá corpo à memória da pessoa que rememora o instante registrado na imagem. Essa série, concebida pela cineasta, se filia a sua experiência anterior, Travessia, um filme de curta metragem de grande circulação em festivais e mostras de cinema. A obra foi estimulada pelo encontro de Safira com uma fotografia da década de 1960, achada em uma feira de antiquários, na cidade de São Paulo, que mostra uma mulher negra carregando no colo uma criança branca. Ao fundo, escrito, está o nome da criança acompanhado da função da mulher, babá, e a data e o local do registro, 15.11.1963, cidade de Dias D’Ávila, na Bahia.
    Os ensaios poéticos da séria Olhares Negros têm como ação principal a montagem e colocação de imagens fotográficas numa teia de relações que reúnem temporalidades, e deslocam lugares comuns criando outros pontos de vista a partir elas. Esses dois gestos cinematográficos da cineasta têm semelhanças em relação ao uso da imagem fotográfica, do ponto de vista técnico da montagem audiovisual, mas que apontam para posturas díspares ao assumir esses arquivos na trama de construção e reconstrução de discursos históricos que parte do âmbito particular, íntimo, familiar.
    Essa comunicação propõe um diálogo dessas obras com algumas abordagens contemporâneas de trato com as imagens, que se encontram na perspectiva ética, estética e política da cineasta. Ressaltamos aqui as formulações de dois teóricos que estão centralmente presentes nos estudos do cinema atuais, são eles George Didi-Huberman e Jacques Rancière. Apesar das diferenças nos percursos e perspectivas teóricas entre os autores, visualizamos pontos de encontro ao olharmos para as obras a serem analisadas. A postura da cineasta reconfigura lugares no campo simbólico ao remontar imagens de outros tempos, assumindo posturas diferentes, a partir de formas semelhantes de composição cinematográfica.
    O diálogo entre as teorias da imagem, da estética e da política, dos autores citados, encontra o contexto especifico das obras analisadas que se inserem na reconfiguração de lugares no campo simbólico do povo negro no tecido social da sociedade brasileira, cujo racismo estrutural tenta, ainda hoje, apagar seus traços históricos. A corporificação implicada no estar diante da imagem está nesse trabalho identificada à luta do povo negro brasileiro em construir espaços de memória, em reconfigurar discursos históricos, em revisitar o passado registrado em fotos, filmes, pinturas, jornais, revistas… que compõem o nosso horizonte iconográfico. Seguindo os caminhos da própria obra a se analisar, pensaremos esse atravessamento poético pelos aportes teóricos que consubstanciam o fazer da cineasta. Nesse caso, mais diretamente vinculada à poesia de Conceição Evaristo e às elaborações teóricas da filósofa Lélia Gonzalez. Outros autores, também centrais para a corporificação do olhar presente nessas obras, estarão presentes nessa análise, destacando, desde já, os nomes de Frantz Fanon e Édouard Glissant.

Bibliografia

    DIDI-HUBERMAN, Georges. Imagens apesar de tudo. São Paulo: Editora 34, 2020.
    DIDI-HUBERMAN, Georges. Peuples exposés, peuples figurants: L’Oeil de l’Histoire, 4. Paris, Éditions de Minuit, 2012.
    DIDI-HUBERMAN, Georges. Soulèvements. Paris : Gallimard, Jeu de Paume, 2016.
    MARQUES, Ângela. Política da imagem, subjetivação e cenas de dissenso. In: discursos fotográficos, Londrina, v.10, n.17, p.61-86, jul./dez. 2014
    MARQUES, Ângela; MARTINO, Luis Mauro Sá; VIEIRA, Frederico; ANTUNES, Elton. Fabular imagens intervalares e montar imagens sobreviventes: aproximações e diferenças entre os métodos de Rancière e Didi-Huberman. In: LOGOS 52, Rio de Janeiro, VOL 27 N 01
    RANCIÈRE, Jacques. O destino das imagens. Rio de Janeiro: Contraponto, 2012.
    RANCIÈRE, Jacques. O espectador emancipado. São Paulo: Martins Fontes, 2010. RANCIÉRE, Jacques. A partilha do sensível: estética e política. São Paulo: Editora 34, 2009.
RANCIÉRE, Jacques. O Desentendimento. São Paulo: Editora 34, 2018.