Trabalhos Aprovados 2021

Ficha do Proponente

Proponente

    Alessandra Pereira Brito (UFMG)

Minicurrículo

    É pesquisadora no mestrado em Comunicação Social na Universidade Federal de Minas Gerais, com estudos voltados para as produções audiovisuais realizadas nos territórios quilombolas. É jornalista, graduada pela Universidade Federal do Tocantins em 2009. Atua na curadoria, crítica e formação em cinema e audiovisual. Também integra o Grupo de Pesquisa Poéticas da Experiência (CNPq/UFMG) e é militante junto à segundaPRETA desde 2017.

Ficha do Trabalho

Título

    Filmar os quilombos, ontem e hoje: rememoração em Aruanda e Nove Águas

Resumo

    Este trabalho se debruça sobre as imagens feitas nos contextos das lutas e dos territórios quilombolas para observar os procedimentos de rememoração articulados nos filmes de ontem e de hoje. Para tanto, identificamos por meio da análise fílmica os procedimentos de mise-en-scène e os recursos expressivos empregados no filme Aruanda (Linduarte Noronha, 1960) e Nove Águas (Gabriel Martins e Quilombo dos Marques, 2019) para compreender como se dá o gesto rememorativo em cada momento histórico.

Resumo expandido

    Quando a pesquisadora e historiadora Beatriz Nascimento chega a pós-graduação em História na Universidade Federal Fluminense, ela se volta para o quilombo. Ali, ao se deparar com o interesse recorrente de seus pares pelos estudos relacionados às pessoas negras na condição de escravizadas, ela se volta para a busca das histórias da liberdade, conduzida pela premissa que o povo negro brasileiro “possui também uma herança histórica baseada na liberdade e não no cativeiro” (NASCIMENTO, 2018, p. 67).

    Beatriz Nascimento quer a lembrança, mas não se trata aqui de uma memória cristalizada num tempo linear que separa passado, presente e futuro. A memória aqui emerge como força de vivificação. Abdias do Nascimento (2017) denuncia o atentado contra a vida do povo negro no contexto da diáspora no Brasil destacando que essa morte está para além da extinção do corpo físico, atravessando também a história cultural, a subjetividade, a memória. Ele reivindica o acesso das pessoas negras a uma integridade por completo, que só pode ser alcançada com o entendimento de suas origens e ancestralidade. Diante desse debate sobre as formas de morte impostas pela colonização, podemos inferir que se esquecer é uma forma de morte, lembrar é modo de enfrentar e fazer prevalecer a vida.

    No filme Ôrí (Raquel Gerber, 1989), Beatriz Nascimento faz sofisticadas formulações sobre o apagamento da história dos povos pretos, abordando a imagem. “É preciso imagem para recuperar a identidade, tem que tornar-se visível, porque o rosto de um é o reflexo do outro, o corpo de um é o reflexo do outro e em cada um o reflexo de todos os corpos.” A partir dessas concepções ela situa o corpo na centralidade de uma rememoração sensível dos quilombos, o que ele inscreve e o que nele se inscreve “como se o corpo fosse documento” (NASCIMENTO, 2018, p. 330).

    Amparada por essas perspectivas, o texto nasce para pensar a relação memória e imagem. Para observar de que modo a reencenação se insere como procedimento de mise-en-scène empregados para rememoração nos filmes Aruanda (Linduarte Noronha, 1960) e Nove Águas (Gabriel Martins e Quilombo dos Marques, 2019).

    A análise se constrói pela aproximação e comparação dos filmes, e está desenhada em atenção ao modo como a fuga – o gesto fundante de nascimento do quilombo – é reencenada nas obras. Mariana Souto (2016) pontua que o gesto de comparar não é simplesmente um método para chegar à resposta de um determinado problema de pesquisa, mas sim uma perspectiva que age na formulação das questões. Nos pautamos por essas nuances para colocar em perspectiva histórica as imagens do quilombo em dois tempos, promovendo uma abordagem comparatista, de modo a cotejar semelhanças e/ou diferenças nos processos de rememoração engendrados pela reencenação. Assim podemos compreender como se dá o gesto rememorativo tendo em vista também a historicidade das formas fílmicas – como ele ocorre nos filmes de ontem e de hoje.

    Em Aruanda, a reencenação se constrói norteada pelo desejo de criar um arquivo do momento de surgimento do quilombo. Contudo, o processo de rememoração ainda se filia a uma certa conceitualização de quilombo que entende essa estrutura social como desprovida de qualquer expectativa de uma vida digna. Já Nove Águas se centra em três relações, os laços de afeto e a dimensão de comunidade, a relação com o rio ao qual se vive as margens e com o território. Aqui, a reencenação serve a rememoração para mobilizar a luta pelos direitos da comunidade. A memória enfrenta. É arma de uma luta em curso.
    Em suas semelhanças e diferenças, Aruanda e Nove Águas nos provocam ao abrir o passado, apontar as fricções e as ameaças que ainda rondam o presente. Os modos de realização intermediados por processos formativos e oficinas, permitida pela própria historicidade em que cada obra se situa, atenua as diferenças no trato da memória de cada quilombo que é empreendida nos filmes.

Bibliografia

    NASCIMENTO, Abdias do. O genocídio do negro brasileiro: processo de um racismo mascarado. 2 ed. São Paulo: Editora Perspectiva; Rio de Janeiro: Ipeafro; 2017.

    NASCIMENTO, Beatriz. Beatriz Nascimento, Quilombola e Intelectual: Possibilidade nos dias da destruição. Diáspora Africana: Editora Filhos da África, 2018.

    SOUTO, Mariana, Por um cinema comparado: Inventários, Coleções e Séries. in: Infiltrados e invasores: Uma perspectiva comparada sobre as relações de classe no cinema brasileiro contemporâneo. 2016, 208 f. Tese (Doutorado em Comunicação) Programa de Pós-graduação em Comunicação, Universidade Federal de Minas Gerais, 2016, p. 17-35. Disponível em: Acesso em 02 out. 2020.