Trabalhos Aprovados 2021

Ficha do Proponente

Proponente

    Wellington Gilmar Sari (UNESPAR)

Minicurrículo

    Mestre pelo Programa de Pós-Graduação/Mestrado Acadêmico em Cinema e Artes do Vídeo (PPG-CINEAV) da Universidade Estadual do Paraná (Unespar). Graduado em Comunicação Social – Jornalismo pela UniBrasil. É membro do Grupo de Pesquisa CineCriare – Cinema: criação e reflexão da Unespar/PPG-CINEAV/CNPq. Artista e pesquisador com interesse na teoria dos cineastas. Atua também como crítico, diretor e roteirista.

Ficha do Trabalho

Título

    O tempo vaza: a mancha em Inverno de sangue em Veneza

Resumo

    A partir do conceito de mancha, proposto por Didi-Huberman (2015), a comunicação investiga os segmentos de Inverno de sangue em Veneza (Don’t look now, 1973).
    Por meio de questões levantadas pelo filme, refletimos sobre de que maneira a mancha se configura não só como aspecto que concerne ao visível, mas como, também, um elemento temporal. Se a mancha, na pintura, transborda imagem, no cinema poderia, também, transbordar tempo, no sentido de a cronologia ser inundada por espécie de tempo visual

Resumo expandido

    A partir da distinção entre trecho e mancha, proposta por Didi-Huberman (2015), a comunicação pretende investigar os segmentos iniciais e finais de Inverno de sangue em Veneza (Don’t look now, 1973). De que maneira a mancha se configura não só como aspecto que concerne ao visível, que se mostra “escondido por ser evidente, aí defronte, mas dificilmente nomeável” (2015, p. 343), mas como, também, um elemento temporal? Se a mancha, na pintura, transborda imagem, no cinema poderia, também, transbordar tempo?
    Cabe breve descrição sobre o referido segmento:
    No início do filme, vemos a montagem paralela entre o personagem de Donald Sutterland a observar no projetor de slides a enigmática imagem do interior de uma igreja. Há, no canto da fotografia, o que parece ser uma figura vestida de vermelho, de costas para a lente. Ao mesmo tempo, a filha do personagem, também usando vermelho, aproxima-se de um lago. Acidentalmente, o personagem derruba água em cima do slide e o líquido dissolve o pigmento rubro da figura, que se espalha, como se sangrasse. Atormentado pela visão, o personagem de Sutterland parece pressentir o mau agouro. Ao sair da casa em busca da filha, a encontra, ela mesma uma mancha vermelha submersa, afogada no lago. A montagem nos leva de volta à casa. A personagem de Julie Christie, sem compreender ainda o que se passa, resolve checar a fotografia que intrigava o marido. O efeito de mancha liquefeita está ainda mais perceptível.
    A concretude da imagem figurativa dá lugar à fluidez abstrata da mancha vermelha, que ocupa então metade do quadro. O vazamento, a sangria que, no jargão do design gráfico, denomina a margem de segurança deixada em uma imagem a ser impressa para garantir que seu conteúdo não atravesse as bordas do quadro, é aqui, também, um rompimento temporal. Não só a imagem deixa de apresentar importantes propriedades figurativas, inundada pela mancha vermelha que acrescenta ao slide intrigante poça de cor, como também o efeito faz extrapolar a temporalidade que supostamente estaria embalsamada em uma fotografia. Rompeu-se a barragem do tempo e o slide passa a exibir um tempo fluído.
    Ao final do filme, a imagem irá sangrar mais uma vez, quando o personagem de Sutterland se depara com o espaço físico capturado na fotografia, ou seja, a igreja, e com a figura de capa vermelha. A simbologia da manifestação de tenebrosa visagem nos interessa menos agora do que as relações entre mancha e tempo discutidas neste trecho. Depois de atacado pela figura, o personagem de Sutterland sangra até a morte. Vemos na tela novamente o famigerado slide. Outra mancha vermelha escorre por cima da anterior, tomando todo o quadro. Imagens que aconteceram antes (que, portanto, já foram vistas), mas que ainda virão a se concretizar, fazem parte da temporalidade encontrada em De Palma e Argento, já que estamos nos referindo a antecessores e sucessores.

    Além de Didi-Huberman, a comunicação resgata conceitos propostos por Alain Bergala (1985, online), acerca da noção de relação entre o antecessor e o sucessor, em dialogo com ideias provenientes do maneirismo pictórico.

Bibliografia

    ARASSE, Daniel. Nada se vê. São Paulo: Editora 34, 2019.

    DIDI-HUBERMAN, Georges. Diante da imagem. São Paulo: Editora 34, 2015.

    BERGALA, Alain. De certa maneira. Disponível em: . Acesso em: 01 mai. 2021

    FILME CITADO:

    INVERNO de sangue em Veneza. Direção de Nicolas Roeg. 1973. (110 min.), son., color.