Trabalhos Aprovados 2021

Ficha do Proponente

Proponente

    Paula Nogueira Ramos (USP)

Minicurrículo

    Paula Ramos é doutoranda na linha de pesquisa Projeto, Espaço e Cultura da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU/USP). Sua pesquisa é voltada para os territórios artísticos e os espaços domésticos nas videoperformances dos anos 1970. Tem mestrado em História da Arte Contemporânea e Cultura Visual pela Universidad Complutense de Madrid (UCM) e é formada em Midialogia – Comunicação Social pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP).

Ficha do Trabalho

Título

    O território artístico nas obras de Freitas, Parente e Andrade

Seminário

    Outros Filmes

Resumo

    Com base no uso reincidente de dispositivos tecnológicos, como a fotografia e o vídeo, na criação de performances em que o corpo é o objeto central, pretende-se analisar o modo com que certas obras transformam o ambiente doméstico em território de criação das artistas mulheres. Para isto, a comunicação busca investigar alguns trabalhos de três artistas visuais brasileiras, Iole de Freitas, Letícia Parente e Sônia Andrade, produzidos na década de 1970.

Resumo expandido

    Na década de 1970, algumas artistas visuais brasileiras, hoje bastante conhecidas, experimentaram em suas primeiras criações o uso de aparatos tecnológicos como meios de expressões performativas. Iole de Freitas, recém-chegada em Milão, cria autorretratos fotográficos que resultam em sequências (Espectro, 1972; Glass Pieces, Life Slices, 1974-1976), em preto e branco e em cor, de seu próprio corpo fragmentado, captado principalmente a partir de sombras e reflexos em espelhos estilhaçados. Letícia Parente, professora, química e videoartista, cria uma série de vídeos em casa (In, Preparação I, Marca Registrada, 1975; Tarefa I, 1982), promovendo um esvaziamento da subjetividade do corpo, transformando-o em objeto, um tecido a ser costurado, pendurado ou passado. Sônia Andrade, que assim como Parente, também frequentou as aulas de Anna Bella Geiger no Rio de Janeiro, realizou um conjunto de oito vídeos entre 1974 e 1977, em que tensiona a fabricação da própria imagem a partir de gestos disruptivos como o de arremessar feijões contra a objetiva.

    A partir desse conjunto de obras, duas questões nos chamam particularmente a atenção. A primeira delas é o modo de apropriação de recursos como o fotográfico e o videográfico, ainda pouco utilizados por artistas no Brasil. Principalmente o vídeo, considerado uma tecnologia nova, que chega ao país, assim como em outros lugares do mundo, através de uma câmera Portapack da Sony, de ½ polegada, em preto e branco. Inicialmente seu uso foi coletivo, sendo a exposição 8ª Jovem Arte Contemporânea no MAC e o incentivo de Walter Zanini, naquele momento diretor do museu em São Paulo, um marco referencial para esse meio. É significativo que o surgimento determinante desse dispositivo no âmbito performativo (e no caso de Freitas, da fotografia e do filme), em que os próprios corpos eram objetos de estudo e de experiência, tenha sido exclusivo daquele período dentro do percurso dessas artistas. Atualmente, Andrade e Freitas já não trabalham com as imagens tecnológicas da mesma maneira. Freitas se dedica, desde a década de 1980, na produção de esculturas e instalações, assim como Andrade, embora ainda inclua o vídeo em suas obras recentes. Já Parente, continuou envolvida com as artes visuais, mas seguiu, em paralelo, atuante na carreira acadêmica que lhe rendeu títulos e publicações até o seu falecimento em 1991.

    A segunda questão sobre a qual queremos nos debruçar mais detidamente nesta apresentação diz respeito à articulação do vídeo a uma prática artística prioritariamente doméstica: em sua maioria, são trabalhos criados dentro da casa ou do ateliê das próprias artistas. Atrelado a isto, gostaríamos de analisar, colocando em questão o viés feminista implicado nessas obras, as rupturas que essas artistas promoveram com relação a certas normatividades que se impunham sobre o corpo das mulheres a partir do lugar da casa. É notável que o período político da ditadura vivenciada no Brasil e os problemas trazidos por esse contexto se sobrepõem a uma manifestação marcadamente feminista das artistas (quase todas afirmam não estar declaradamente sugestionadas por esta questão), mas também devemos salientar que tais obras são provocativas e fogem de todo tipo de apaziguamento e identificação social, provocando incômodos e distorções dos lugares comuns naturalizados como espaços de sujeição das mulheres. Nossa hipótese é a de que estes mesmos espaços domésticos que vemos vazar no interior de suas obras são um terreno fértil de novas possibilidades de (re)situar as mulheres no mundo. Não são vistos como lugar de silêncio e recolhimento – como foi o imaginário recrutado durante muito tempo para as escritoras e intelectuais –, mas estão estritamente vinculados aos mecanismos de emancipação artística.

Bibliografia

    ANDRADE, Sônia; FIGUEIREDO, Luciano (curadoria). Sônia Andrade: vídeos 2005 – 1974. Rio de Janeiro: Tisara Arte, 2005.
    FEDERICI, Silvia. O ponto zero da revolução: trabalho doméstico, reprodução e luta feminista. Tradução de Coletivo Sycorax. São Paulo: Elefante, 2019.
    FILHO, Paulo Venancio (org.). Iole de Freitas: corpo/espaço. Rio de Janeiro: Cobogó, 2018.
    KRAUSS, Rosalind. “Videoarte: la estética del narcisismo”. In: SICHEL, Berta (org.). Primera generación. Arte e imagen en movimiento (1963-1986). Madrid: Museo Nacional Centro de Arte Reina Sofia, 2006.
    MACHADO, Arlindo. Made in Brasil. Três décadas do vídeo brasileiro. São Paulo: Iluminuras, 2007.
    NOCHLIN, Linda. Por que não houve grandes mulheres artistas? Tradução Juliana Vacaro. São Paulo: Edições Aurora, 2016.
    PARENTE, André; MACIEL, Kátia (org.). Letícia Parente. Arqueologias do cotidiano: objetos de uso. Rio de Janeiro: +2 Editora, 2011.