Trabalhos Aprovados 2021

Ficha do Proponente

Proponente

    Andressa Gordya Lopes dos Santos (UNICAMP)

Minicurrículo

    Doutoranda em Multimeios pelo Instituto de Artes da UNICAMP na linha de pesquisa em História, Estética e Domínios de Aplicação do Cinema e da Fotografia. É Mestra em Multimeios pelo mesmo departamento, possui Graduação em Cinema e Vídeo pela UNESPAR – FAP, cursou Bacharelado com Licenciatura em Filosofia UFPR é Técnica em Produção Audiovisual (Rádio,TV e Cinema) e Técnica em Arte Dramática (Ator Cênico) pelo Colégio Estadual do Paraná (CEP).

Ficha do Trabalho

Título

    Norma Bengell, o colocar-se na História e a construção de si

Resumo

    Este trabalho baseia-se nos estudos de história e memória de mulheres partindo da análise da obra da artista, Norma Bengell. Seguindo esta perspectiva, buscamos discutir a influência que as experiências de vida tiveram sobre a construção de sua subjetividade, como estas experiências nortearam seu caminho, sua militância, suas relações pessoais e sua arte. Ou seja, como os fatos históricos a construíram, como foram por ela construídos e como ela constrói a si mesma.

Resumo expandido

    Quando pesquisamos sobre Norma Bengell, nosso primeiro contato é com a tragédia do fim de sua vida, sobre sua falência e seus problemas de saúde. Mesmo dentro da academia, é preciso pesquisar muito para começar a encontrar trabalhos ou citações a seu respeito, sempre dentro da obra de outro artista ou pequenas notas de rodapé aqui e ali que se espalham e rapidamente se evaporam. Seriam as importantes mulheres que compõem a nossa história um assunto de menor relevância, reduzido apenas a debates de redutos feministas? O único trabalho que conhecemos sobre Norma foi produzido por ela mesma.

    Estudos evidenciam discrepâncias entre o número de diretores e diretoras no cinema. Considerando que mulheres, sobretudo negras e não-brancas no geral, experienciam a vida em sociedade de maneira completamente distinta de homens, essa desproporcionalidade afeta a forma como o público lida com a cultura, vendo-a como exclusivamente masculina, o que favorece ainda mais o apagamento das mulheres nos mais diversos espaços.

    Autoras como Carolina Maria de Jesus e Conceição Evaristo, se apropriaram da escrita memorial como artifício contra a invisibilização das subjetividades e assujeitamento do povo negro e pobre sobre uma perspectiva marcadamente de gênero. “Aprender a língua do senhor para construir a liberdade do maldizer!”, diz Evaristo na introdução de sua obra de contos, Olhos D’água (2019, p. 13).

    No cinema, além de Norma Bengell, outras atrizes brasileiras como Eliane Lage e Tônia Carrero recorrem ao uso da autobiografia não apenas como um espaço confessional ou de memória, mas também para se imporem como produtoras de fazeres e saberes cinematográficos. Todavia, autores como Pierre Bourdieu (2006) se mostram céticos quanto ao uso da biografia como documento histórico. Em A Ilusão Biográfica, ele vê no discurso sobre si a possibilidade de uma oficialização da identidade e o risco da manipulação de dados conforme o interesse do biografado. A preocupação com uma cronologia e ao que é inerente à construção da vida como história, conduz à noção de trajetória como “uma série de posições sucessivamente ocupadas por um mesmo agente (ou um mesmo grupo) num espaço que é ele próprio um devir, estando sujeito a incessantes transformações” (BOURDIEU, 2006, p. 189). Já Alistair Thomson (2006) é mais conciliatório e faz então uma provocação:

    Por trás dessas críticas estava a preocupação de que a democratização do ofício do historiador fosse facilitada pelos grupos de uma história oral, além do menosprezo pela aparente “discriminação” da história oral em favor das mulheres, dos trabalhadores e das comunidades minoritárias (THOMSON, 2006, p. 66).

    Indo nessa mesma direção, baseada no conceito de “escrita como cuidado de si” de Michel Foucault, Margareth Rago utiliza relatos autobiográficos e confessionais de mulheres que lutaram contra a ditadura militar. Entre intelectuais, guerrilheiras, prostitutas e freiras, a luta contra o regime as coloca num espaço em comum onde a tortura, a violência sofrida, a misoginia e as memórias de tempos obscuros estabelecem entre elas vínculos importantes para a construção de uma memória coletiva que é pouco citada nos livros de história oficiais. Mais do que documentar fatos constantemente ignorados por historiadores, Rago, em sua visada feminista não tem por objetivo construir um novo poder, “feminino”, mas desconstruir antigos poderes e mostrar como certos dispositivos acadêmicos estão profundamente comprometidos com o domínio masculino.

    Seguindo esta perspectiva, este trabalho está mais interessado em discutir a influência que as experiências de vida têm sobre a construção das subjetividades de mulheres como Norma Bengell, como estas experiências nortearam seu caminho, sua militância, sua arte e na influência que exerceu sobre as pessoas que foram por ela interpeladas. Em outras palavras, objetivamos compreender como os fatos históricos a construíram, como foram por ela construídos e como ela constrói a si mesma.

Bibliografia

    BENGELL, Norma. Norma Bengell. Editora nVersos, São Paulo, 2014.
    BOURDIEU, Pierre. A ilusão biográfica. in AMADO, Janaína. FERREIRA, Marieta de Moares. (Orgs.). Usos & Abusos da História Oral. FGV Editora, Rio de Janeiro, 2006, p. 183-191.
    HOLANDA, Karla. (Org.) Feminino e Plural: mulheres no cinema brasileiro. Papirus Editora, Campinas – SP, 2018.
    PONTES, Heloisa. Intérpretes da metrópole: História social das relações de gênero no teatro e no campo intelectual, 1940-1968. EDUSP, São Paulo, 2010.
    RAGO, Margareth. A aventura de contar-se: feminismos, escritas de si e invenções da subjetividade. Editora da Unicamp, Campinas, 2013.
    SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. In Revista Educação e Relidade, v. 20, nº 2, jul/dez 1995. p.71-99.
    THOMSON, Alistair. Os debates sobre memória e história: alguns aspectos internacionais. in AMADO, Janaína. FERREIRA, Marieta de Moares. (Orgs.). Usos & Abusos da História Oral. FGV Editora, Rio de Janeiro, 2006, p. 65-91.