Trabalhos Aprovados 2021

Ficha do Proponente

Proponente

    Alessandra Soares Brandão (UFSC)

Minicurrículo

    Professora do Programa de Pós-Graduação em Literatura e do Curso de Cinema da UFSC. Membro do Coletivo Tenda Queer e da Rede Macunaíma de Afetos (ReMA).

Ficha do Trabalho

Título

    Figurações e fulgurações lésbicas no cinema

Mesa

    Figurações e fulgurações lésbicas no cinema

Resumo

    Aproveitando-se da riqueza semântica das expressões figuração (produzir uma figura, desempenho de papel pouco importante) e fulguração (clarão súbito, manifestação de uma ideia, ferida provocada por eletricidade), esta mesa propõe trabalhos que exploram o des/aparecimento da lésbica no cinema e as potências e vibrações que provocam. Exploramos políticas do desejo lésbico e mobilizamos perspectivas teóricas que permitam escapar às limitações do policiamento da imagem e da imaginação.

Resumo expandido

    O que se pode pensar sobre o des/aparecimento da lésbica no cinema sem que caiamos na crítica ao estereótipo ou nas abordagens vitimizantes? É possível, por um lado, partirmos da ocupação das imagens como um movimento necessário para a formação de alianças e mudanças de paradigmas. É preciso, ainda, pensar crítica e metodologicamente a problemática da imagem da lésbica tal como dada pela dicotomia olhar masculino x perspectiva feminista, que, sugerimos, faz prevalecer uma lógica polarizada das relações já que é gerida dentro de um sistema ainda heterocêntrico e fomentado por um feminismo hegemônico que universaliza a mulher a partir do paradigma da branca heterossexual. Essa sessão busca testar essa perspectiva na forma de um vídeo-ensaio, uma vídeo-performance e um ensaio pois entendemos a necessidade de experimentação do pensamento para avançar sobre parâmetros já cimentados na pesquisa e na análise fílmicas. Exploramos três modos de aparecimento: terra, fogo e mar. O vídeo-ensaio enfatiza a figura da sapatão de terreiro. Em várias regiões do Brasil, o terreiro é o terreno ao redor da casa, incluindo jardim, laterais e o quintal. E é no terreiro que acontecem que emergem as figuras lésbicas que nos interessam aqui: jovens se apropriam de um funk misógino (Peixe, de Yasmin Guimarães); sapatonas de favela fazem o carnaval (no videoclipe de Tambores de Safo). O quintal, o terreiro, é figurado como um espaço liminar, entre o público e o privado, mostrando que a experiência lésbica é marcada por essas permeabilidade. O que se busca, através do gesto de inven(taria)ção (SOUSA; BRANDÃO, 2020), através da mobilização das imagens, é delinear uma terra, um terreiro (no sentido da arquitetura vernacular), um território para a vida da lésbica. O mar, nos diz Gloria Anzaldúa, desafia as mensurações de território marcadas pela figura do homem branco e por todo o sistema normativo e vigilante que o seu “universal” impõe aos corpos não-brancos. O mar é a força que, da erupção do gozo, derruba não somente as cercas de arame, como inunda o que está ao redor de uma força que não pode, não quer e não vai se comunicar nos termos mensuráveis e discerníveis dos homens brancos. O território que se constrói no filme A felicidade delas, de Carol Rodrigues, desemboca em mar, usando suas duas personagens como rios que se encontram para desaguar uma outra “cidade”, inundada de desejo, afeto, cumplicidade, mas também de desordem e imprecisões. Audre Lorde define a ideia de entrelugar pelos caminhos do erótico e Castiel Vitorino Brasileiro nos apresenta o mar como parte de sua própria constituição de ser no mundo: “No encontro com o mar, tudo em mim se dilui. A Verdade Racial se dissolve e desaparece.” O mar como diluição abre a roda para que a conversa com esse filme se torne um mergulho. O fogo também pode ser lido como um território do desejo para além do universal cisheterocentrado. Não a sua desgastada imagem literal, recurso metonímico para o sexo, imagem paradoxalmente congelada no sentido único. A potência do fogo está na sua recusa à forma estática, pois é constante movimento, sem bordas definidas que durem, sem se deixar dominar. Em Retrato de uma jovem em chamas (2019), o fogo assume a dimensão da energia sexual com diferentes intensidades. No filme, Marianne percorre o retrato de Héloïse com a língua de fogo de uma vela até queimá-lo por completo, quando as labaredas já crepitavam entre as duas antes mesmo de se tocarem. Por outro lado, a fogueira é o modo pelo qual as experiências entre as mulheres se compartilham. É assim também em Tremor Iê (2019), em que a a fogueira rege toda uma longa e potente sequência de relatos de violência sobre os corpos das lésbicas negras. Vistos à luz das chamas, os rostos das protagonistas des/aparecem em uma dança de luz e sombra que nos convida a pensar o fogo também como território do afeto para as vidas das lésbicas. A vídeo-performance busca lidar com essas centelhas de desejo e afeto que os filmes ensejam

Bibliografia

    ANZALDÚA, G. Borderlands/La frontera. São Francisco: Aunt Lute Books, 2007.
    BRANDÃO, A. S.; SOUSA, Ra. L. de. Bodylands para além da in/visibilidade lésbica no cinema: brincando com água. Rebeca – Revista Brasileira de Estudos de Cinema e Audiovisual, v. 9, n. 2, p. 98-118, 2021.
    LÓPEZ, Cristina Álvarez; MARTIN, Adrian. Introduction to the audiovisual essay: A child of two mothers. European Journal Of Media Studies, Amsterdã, Autumn 2014.
    LORDE, A. Irmã outsider. São Paulo: Autêntica, 2019.
    LUGONES, M.. Pilgrimages/Peregrinajes: theorizing coalition against multiple oppres- sions. Rowman & Littlefield, 2003.
    RICH, A. Heterossexualidade compulsória e existência lésbica e outros ensaios. Rio de Janeiro: A Bolha, 2019.
    SOUSA, R. L. de; BRANDÃO, A. S. Inventário de uma infância sapatão em um mundo de imagens. Revista Brasileira de Estudos da Homocultura, v. 02, n. 03, p. 121-137, 2020.