Trabalhos Aprovados 2021

Ficha do Proponente

Proponente

    Christian Jordino Antonio Ferreira Alves da Silva (PPGCine/UFF)

Minicurrículo

    Mestrando em Cinema e Audiovisual pelo PPGCine/UFF, Christian Jafas trabalha com audiovisual desde 1994 atuando como diretor e roteirista. O interesse pela temática do cinema de rua se acentua com a produção de “Cine Paissandu: histórias de uma geração”, em 2013. Em 2020, idealiza o projeto “Maravilhosa é uma cidade com cinema”, site dedicado a ancorar filmes sobre cinema de rua no Brasil. Atualmente dedica-se ao mestrado acadêmico e à conclusão do documentário “Cine Globo: uma vida de cinema”.

Ficha do Trabalho

Título

    Cine Globo de Três Passos: dos rolos de 35 mm aos HDs do 3D

Seminário

    Exibição cinematográfica, espectatorialidades e artes da projeção no Brasil

Resumo

    Este trabalho pretende refletir sobre os fatores que contribuíram para a longevidade do Cine Teatro Globo, única sala de exibição na cidade de Três Passos, interior do Rio Grande do Sul, tendo como ênfase as mudanças tecnológicas ao longo dos anos até a recente inauguração da exibição Digital em 3D. Fundado na década de 1940, o cinema segue em atividade até hoje com uma função que vai além da exibição cinematográfica, sendo casa de projetos de formação de plateia na região.

Resumo expandido

    “A história de Três Passos se confunde com a história do próprio cinema”. Assim Roberto Levy, proprietário do Cine Teatro Globo, define a relação entre a cidade e a exibição cinematográfica. Uma relação que surge antes da construção do prédio do único cinema da cidade na década de 1950. Moradores relatam que projeções itinerantes em 16 mm aconteciam com frequência na região desde os anos 1930. O primeiro cinema fixo só seria instalado em meados da década de 1940, por Júlio Bertin, num casarão alugado e adaptado para projeção de películas em 35 mm. Assim surgia o Cine Globo que logo teria como sócio a família Levy.
    Distrito de Palmeira das Missões, Três Passos só seria elevado à categoria de município em 1944 e hoje, com uma população estimada de 23 mil habitantes, é um dos principais polos de produção agropecuária da Região Celeiro, região administrativa no noroeste do Rio Grande do Sul que com 21 municípios, sendo que apenas Três Passos possui sala de cinema. Como explicar a existência e a resistência de um cinema que data da década de 1940 numa pequena cidade no interior do Brasil?
    Diversos fatores precisam ser considerados na longa trajetória do Cine Globo como, por exemplo, as mudanças tecnológicas do parque exibidor, o apoio do poder público municipal, as políticas públicas de fomento destinadas ao setor pela Ancine, a gestão familiar que é uma constante nessas sete décadas, a criação da Rede Cine Globo com filiais em outros municípios, a diversidade de produtos oferecidos aos clientes para além da exibição de filmes e as ações culturais de formação de plateia criadas por entidades civis com o intuito de dar continuidade à relação entre cidade e cinema. Esse conjunto de fatores econômicos, políticos, sociais, culturais e tecnológicos permitiram que o Cine Globo atravessasse as décadas e chegasse até 2021 com as portas abertas, ou parcialmente abertas, já que desde o início da pandemia do Covid-19, em março de 2020, a exibição cinematográfica no estado só é liberada de acordo com decisões do poder público. Um desafio a mais para esse septuagenário.
    Em fevereiro de 2020, antes de termos a real noção do que viria a ser a pandemia no país, realizamos 17 entrevistas que incluem membros da família Levy, gestores públicos, cinéfilos e organizadores do festival de cinema que ocorre na cidade para uma dissertação que está sendo escrita sobre o Cine Globo. Durante as conversas e entre as nuances do que chamamos de memória da ida ao cinema (FERRAZ, 2017), a relação com a tecnologia se fez presente seja com elogios a qualidade do som e da projeção ou através de recordações da relação que Roberto Levy mantinha com o equipamento. Proprietário e também o principal projecionista durante décadas, Roberto Levy se orgulhava da profissão e adorava contar histórias que envolviam rolos de película em chamas escada abaixo, a dificuldade em emendar filmes vindos das capitais e o calor na pequena sala de projeção.
    Para além das anedotas, Roberto compreendia que a tecnologia era uma importante aliada do cinema e a cada reforma no sistema de som, mudança no jogo de lentes ou compra de um novo projetor a imprensa era imediatamente informada dos acontecimentos. Rádios e jornais recebiam convites para conhecerem os avanços tecnológicos. Se ao longo do século XX, a tecnologia permitiu o surgimento de novos meios para a visualização de filmes como a televisão, o VHS, o DVD, a TV a cabo e por satélite – e nos dias atuais a internet – essa mesma tecnologia permitiu ao cinema disputar o interesse do público.
    Roberto Levy apostava que o 3D seria a salvação do seu cinema e acreditava que todas as formas de assistir aos filmes podiam coexistir e, sem saber, flertava com os questionamentos de Thomas Elsaesser (2018) sobre a evolução do cinema e a coexistência entre as diversas mídias sejam elas digitais ou analógicas. Caminhos que o Cine Globo percorreu nessas décadas através de inúmeras transformações tecnológicas e que pretendemos investigar.

Bibliografia

    CRARY, Jonathan. Técnicas do observador: visão e modernidade no século XIX. Rio de Janeiro: Contraponto, 2012.

    ELSAESSER, Thomas. Cinema como arqueologia das mídias. São Paulo: Sesc, 2018.

    FERRAZ, Talitha. As potências da “nostalgia ativa” na luta pela salvaguarda do Cine Vaz Lobo. Revista ECO-Pós, v. 20, n.3, p. 111-133, dez. 2017.

    _________. Usos e instrumentalizações da memória em reabertura de antigos cinemas: De Roma, um caso belga. Contracampo, Niterói, v. 35, n. 03, dez.2016/ mar.2017, p. 164-186, 2016.

    NIEMEYER, Katharina. “O poder da nostalgia”. In: SANTA CRUZ, Lucia. e FERRAZ, Talitha. (Orgs.) Nostalgias e mídia: no caleidoscópio do tempo. Rio de Janeiro: E-Papers, 2018.

    NORA, Pierre. “Entre memória e história: a problemática dos lugares”. Projeto História, São Paulo, n. 10, dez., 1993, p. 07 – 28.