Trabalhos Aprovados 2021

Ficha do Proponente

Proponente

    Rubens Luis Ribeiro Machado Júnior (CTR/ECA-USP)

Minicurrículo

    Formado em arquitetura e urbanismo pela USP, lecionou estética e história da arte na FAU-FEBASP. Doutor pela ECA-USP, onde é prof. titular lecionando História, Análise e Crítica. Pesquisador e curador nos projetos “Marginália 70”, Itaú Cultural, e “Experimental Media in Latin America”, Los Angeles Filmforum/Getty Foundation. Lidera o grupo de pesquisa CNPq “História da experimentação no cinema e na crítica”. Conselheiro em várias gestões da SOCINE, onde criou o ST Cinema como arte, e vice-versa.

Ficha do Trabalho

Título

    Desafios da descrição na análise de LIMITE (1931), de Mário Peixoto.

Seminário

    Cinema no Brasil: a história, a escrita da história e as estratégias de sobrevivência

Resumo

    A impressão que nos move é a de que LIMITE faria jus às mais elaboradas categorias conceituais em disponibilidade na literatura especializada, ou mesmo exigiria o esboço de algumas novas. Um maior revelar crítico do seu “realismo poético” e do seu “ritmo” requerem talvez tentativas mais sedimentadas na crítica imanente empenhada em campo estético amplificado, talvez com aportes analíticos ou articulações comparativas inibidas por sua extrema singularidade no contexto específico de realização.

Resumo expandido

    Se o descrever é o recurso próprio à analise interna da obra, assim como da análise externa seria o comentar, a descrição comentada pendeu demasiado para o último termo, eclipsando o 1º na sugestão de interpretações possíveis, ou tentativa de se formar juízos fundados. Um desafio que na análise encontramos seria o de lidar com o transcendente que ali se impõe, se cristaliza, se coagula, e nos coloca à deriva da própria obra ao analisá-la – sem que consigamos discutir a produção desta deriva pela experiência que temos da fita. Configura-se na dificuldade de descrever tal experiência um olhar coerente de contemplação poética, a um tempo realista e metafísica do mundo. Para usar as palavras do crítico Vinicius Dantas, na superfície da imagem cruzam-se várias intensidades, que não se escravizam a um referente: “O significado da imagem para Mário Peixoto é quase musical, precário na duração, sutil nesta instabilidade”. Como dar conta de sua análise crítica sem tocar em sua beleza?, sem se perguntar sobre o seu disperso sublime, efeitos de grande alcance, inopinados?, falar dos sentimentos estéticos que produz?, de sua expressão pela felicidade das formas a eles correspondentes, tão encantadoras quanto a força irradiante da sua precária unidade?, buscar descrever de sua atmosfera o singular?
    É filme de “cadência lenta, triste e fúnebre, às vezes majestosa” (diz Saulo Pereira de Mello) que se vê ordenado com “coração de chumbo”, em tom de “fatalidade”. Um caminho promissor e no caso ainda pouco trilhado seria a frequentação do universo literário de Peixoto. Por exemplo parece-nos um terreno fértil a filiação modernista do seu livro de poesia Mundéu (1931), do mesmo ano de LIMITE. Mário de Andrade escrevia sobre o livro que “se tem a impressão do jato violento, golfadas irreprimíveis. São poemas que nascem feitos, explosões duma unidade às vezes excelente, em que o movimento plástico das noções e das imagens é incomparável dentro da nossa poesia contemporânea”. O poeta paulista parece estar falando também do Peixoto cineasta, que desconhecia. Mesmo quando postula que sua poética se constrói em torno de um jogo entre “terra e mistério”. Deixa-nos alguma sugestão de que ingressamos num momento transitório do modernismo, entre uma 1ª onda e a 2ª, atraída pelo regional.
    Considere-se no entanto que para avaliar LIMITE a comunicabilidade entre meios de expressão diferentes talvez se ofusque diante do impacto plástico e rítmico tão especificamente fílmico que sofremos. Sua espantosa sintaxe formal, lânguida e esparramada, prefigurando magnificamente uma “tropical melancolia” tão buscada mais tarde, talvez não encontre paralelos no país senão na fluidez lamentosa e interminável da música de um Villa-Lobos, cujo Choro N°11, com mais de uma hora de execução, é ainda contemporâneo da fita. “Obra única” não só de Peixoto, mas do país, e do mundo, este verdadeiro “corpo estranho” no cinema brasileiro da época, pareceria com efeito manter maior parentesco, ou mais seguro, com o cinema europeu de vanguarda. Mas algo nos diz que estes parentescos são tão longínquos quanto o modo alla Antonioni com que se exprime a paralisia dos personagens através da captação que a câmera faz do espaço.
    Júlio Bressane abstrairá que esse filme “é um fotograma transparente, branco, onde a sombra é que organiza a imagem.” Desde o começo um mesmíssimo tom perpassa o filme duma calmaria funesta emoldurando a tudo; imerge-se inteiro no agourento clima de bonança-e-borrasca, pressagiadas ambas desde o começo até ao arremate da fita, já de início pelos galhos ressequidos, o negro esvoaçar dos urubus, ou no escorrido daquele letreiro “Limite” em lúgubre fleuma, transpiração expressionista da grafia art déco. Tristes bananeiras abandonadas ao convívio de árvores destocadas, terrenos semi-desbastados em poda incompleta, avistados de cancelas e caminhos trilhados por vidas passantes, elas também ceifadas no perder-se das distâncias que não se cumprem, não se podem mais cumprir.

Bibliografia

    Andrade, O. de. “O divisor das águas modernistas”, Estética e política. (org. M. E. Boaventura) São Paulo: Globo, 2011.
    Bressane, J. Alguns. Rio: Imago, 1996.
    Candido, A. “A Revolução de 1930 e a cultura”, A educação pela noite. São Paulo: Ática, 1987.
    Dantas, V. “Alma sem limite”, Filme & Cultura n°43, Rio, Embrafilme, 1984.
    Mello, S. P. de. Limite. Rio: Rocco, 1996.
    Naves, R. “O olhar difuso: Notas sobre a visualidade brasileira”, Gávea n°3, Rio, PUC, 1986.
    Peixoto, M. Mundéu. Rio: 7Letras, 1996.
    ___ O inútil de cada um. Rio: 7Letras, 1996.
    Rocha, G. “Limite”, Folha de S. Paulo, 3/6/1978.
    ___ Revisão crítica do cinema brasileiro. Rio: Civilização brasileira, 1963.
    Roizman, G. B. Mário Peixoto, um olhar fenomenológico. Mestrado IA-UNESP, 2003.
    Teixeira, F. E. “Rebrilho do tempo intangível”, O terceiro olho. São Paulo: Perspectiva, 2003.
    Weiss, P. “Peixoto: Limite”, Cinéma d’avant-garde. Paris: L’Arche, 1989.
    Yamaji, J. Estudo sobre LIMITE de Mário Peixoto. Mestrado ECA-USP, 2007.