Trabalhos Aprovados 2021

Ficha do Proponente

Proponente

    Natália Lopes Wanderley (UFPE)

Minicurrículo

    Educadora popular, cineclubista, realizadora audiovisual pernambucana e doutoranda em comunicação pela UFPE. Trabalhou junto a coletivos como o Centro de Comunicação e Juventudes (CCJ, 2008) e Ficcionalizar (2016); em tvs pública e comunitárias ( TV Universitária/PE, TV Viva e TV Amaro Branco), além de outros projetos em cinema e educação com ênfase na descolonização do olhar, como a Baobácine – Mostra de Filmes Africanos do Recife (2018) e o curso audiovisual Ficcionalizar no Kilombo (2019).

Ficha do Trabalho

Título

    Cinema e ancestralidade: as esferas de criação dos cinemas negros

Seminário

    Cinemas negros: estéticas, narrativas e políticas audiovisuais na África e nas afrodiásporas.

Resumo

    O cinema, desde sua criação, se mostra como dispositivo capaz de operar em diferentes “mundos’, seja na tentativa de imprimir a realidade, seja na busca por contar e recontar histórias. A ancestralidade, por outro lado, é organicidade herdada dos antepassados que aflora nas experiências de vida. Na confluência dessas duas vias, reconhecemos que a ancestralidade negra e/ou indígena têm sido caminho para a produção cinematográfica de cineastas negros do passado e na contemporaneidade.

Resumo expandido

    O seminário busca chamar atenção para as conexões e referências ancestrais compartilhadas por realizadoras negras e negros de diferentes épocas, locais e movimentos cinematográficos. Uma das hipóteses é que o caminho de criação de imagens, sons, vozes e narrativas audiovisuais desses realizadores esteja comprometido em projetar no mundo material, o Aiyê para os povos iorubanos (habitantes da região Oeste de África e um dos principais povos africanos advindos para o Brasil durante o período escravagista), o mundo interior, anímico, que atravessa a experiência cosmológica africana e afrobrasileira, a revelia do sistema cartesiano de pensamento imposto pela colonização. Veremos que em consonância com cineastas do cinema pós-colonial africano, existe na produção cinematográfica negra contemporânea a continuidade de pensamento pluriversalizado sobre seus fazeres, além do diálogo com as “oralituras”, tipo de escrita a partir das rasuras propostas pela tradição oral advinda desses povos. Oralituras, segundo conceito criado por Leda Maria Martins, são formas herdadas dos antepassados que se renovam e reafirmam as existências negras no presente.
    Da mesma maneira a filósofa Katiúscia Ribeiro, no texto “O futuro é ancestral”, nos chama atenção para o fato de “a filosofia da ancestralidade está na confluência do pensamento contemporâneo sobre humanidade”, no sentido de “identificar quais fissuras estremecem as relações humanas na atualidade” e se apresentar como “categoria de reconhecimento no modo de assentir a ontologia do sujeito negro”. Se se tratando de filosofia, o pensamento tradicional africano traduzido em sua riqueza cultural, oral e em provérbios que alimentam sua continuidade de geração em geração, ainda sofre pelos interditos do racismo estruturante e institucionalizado nas sociedades colonizadas em que vivemos, as diversas áreas e oficios que bebem dessa fonte ancestral também têm lutado para estabelecer comunicação e buscar as origens de suas histórias tão violentadas, apagadas e silenciadas pelo pensamento eurocêntrico.
    Por esses motivos, discorrerei sobre as ancestralidades evocadas e reivindicadas pelo “movimento do cinema negro contemporâneo” em relação às suas principais referências no campo cinematográfico, a partir da reformulação de duas perguntas encontradas por Katiúscia Ribeiro para escrever sobre ancestralidade: Onde vivem as ancestralidades? De que maneira a “humanidade do ser” pode ser reconfigurada a partir de um princípio ancestral? (Ibidem, 2020) Assim, ao adaptar tais premissas ao estudo, escolho perguntar: Onde vivem as ancestralidades no cinema negro? De que maneira a “humanidade do ser negro” pode ser reconfigurada nos filmes a partir de um princípio ancestral?
    Seja a partir da análise de filmes, de questões discursivas explicitadas pelos realizadores, seja através da materialidade estética, das narrativas apresentadas pelos cineastas negros do passado e do presente, nossa leitura aqui compreende o tempo e a história de forma espiralar, não-linear, em que as voltas da experiência cinematográfica trazem reformuladas questões primordiais ao ofício de contar histórias através do audiovisual
    Nosso embate será também pelo encontro de discursos que potencializaram e ainda potencializam gerações a se apropriarem da tecnologia audiovisual como um bem comum à humanidade e como resposta negra a uma demanda social que foi por muito tempo reprimida pela falta de acesso e mesmo falta de interesse político. Entre os filmes a serem citados no seminário estarão os longas “Touki Bouki” (1973), de Djibril Diop Mambéty; “Orí “(1989), de Raquel Geber e “Sementes”, de Éthel Oliveira e Júlia Mariano; mais os curtas “Rapsódia para um homem negro” (2016), de Gabriel Martins; “Pattaki” (2018), de Everlane Moraes; “Obatala Film” (2019), de Sebastian Wiedemann e “A morte branca do feiticeiro negro” (2020), de Rodrigo Ribeiro.

Bibliografia

    CHARNEY, Leo; SCHWARTZ, Vanessa R. (org). O cinema e a invenção da vida moderna/ tradução Regina Thompson, Ed: Cosacnaify, 2004;
    FANON, Franz. Os condenados da terra. Tradução de Enilce Albergaria Rocha e Lucy Magalhães – Juiz de Fora: Editora UFJF, 2005;
    HOOKS, Bell. Olhares negros: raça e representação; tradução de Stephanie Borges – São Paulo: Editora Elefante, 2019;
    MARTINS, Leda Maria. Afrografias da memória: O Reinado do Rosário no Jatobá – São Paulo: Perspectiva; Belo Horizonte: Mazza Edições, 1997;
    RUFINO, Luiz. Pedagogia das encruzilhadas. – Rio de Janeiro: Mórula Editorial, 2019;
    SODRÉ, Muniz. Pensar nagô. Petrópolis, RJ: Vozes, 2017;
    OLIVEIRA, Janaína. Descolonizando telas: o FESPACO e os primeiros tempos do cinema africano. Revista ODEERE, PPGREC – UESB, 2016;
    XAVIER, Ismail (org). A experiência do cinema: antologia. Rio de Janeiro: Edições Graal: Embrafilme, Coleção Arte e Cultura; n. 5, 1983.