Trabalhos Aprovados 2021

Ficha do Proponente

Proponente

    Maria Amália Borges Cursino de Freitas Arruda (CEFET/RJ)

Minicurrículo

    Mestranda do Programa de Pós-graduação em Relações Ético-Raciais do CEFET-RJ, na linha de pesquisa “Repertórios artísticos e culturais na construção de identidades étnico-raciais”. Comunicóloga, publicitária, cofundadora e Diretora Executiva e de Conteúdo do Pretaria.Org | Coletivo Pretaria. Editora e colunista do Coletivo Pretaria. Colunista Roça Nova Editora.

Ficha do Trabalho

Título

    Escrevivência fílmica em “Sementes: Mulheres Pretas no Poder”

Seminário

    Cinemas negros: estéticas, narrativas e políticas audiovisuais na África e nas afrodiásporas.

Resumo

    A presente comunicação tem o objetivo de identificar e encampar, nas cinematografias afrodiaspóricas, as escrevivências enquanto forma narrativa que extrapola os limites da literatura, borrando suas fronteiras de linguagens e suportes. Em “Sementes: Mulheres Pretas no Poder” (2020) a escrevivência é via assessória para os atravessamentos temáticos-políticos-poéticos: corpas-multidão, atos de poder, insubmissão e ruptura, a despeito de nossa morte física e simbólica que a estrutura engendra.

Resumo expandido

    “O CORPO PRETO É UM CORPO ESTRANHO NO TECIDO SOCIAL RACISTA.” (Nilma Lino Gomes)
    Somos o desespero e o desengano da branquidade morimbunda, que não enxerga saída para a falência de sua construção de mundo a não ser aniquilando o que também a constitui, sobretudo no sul global, onde es corpes estranhes são e estão em maior número, extravasando, ainda, na aniquilação dos Reinos da Vida. Para a brancocracia, que se danem todes!
    Reontologizar é preciso. Precisamos ser nosses própries restituintes do nosso sentido de ser e existir. As políticas e os regimes das imagens, no Cinema Negro enquanto MOVIMENTO, são percursos técnico-poéticos de insubordinação simbólica e fabulativa de enfrentamento ao cisheteropatriarcado racista capitalista. Escrevivência na essência. E mais: quando alcançamos as dimensões de classe, gênero, sexualidade, território impressionando nossas retinas em frames nas telas, são adicionadas camadas ainda mais violentas aos nossos fazeres, inclusive fílmicos.
    Como fazê-los enxergar? Como esmiuçar nossas histórias, nosso cotidiano, nossos territórios e nosso fazer fílmico? O Cinema Negro possibilita deslocamentos radicais e potentes. O novo, novas gramáticas visuais, territórios sonoros, planos e diegeses a partir do que bem conhecemos: nossos cotidianos, nosses corpes, nossas escrevivências. Irrompe silêncios, processos inaudíveis à realização e às audiências brancas hegemônicas – fazendo valer o nosso “direito à opacidade”, a que Glissant se refere enquanto nossa forma de subsistir em nossas irredutíveis singularidades de nossas imagens, nossas existências. E é claro que vão deflagrar em tensões que observamos nos processos de expansão das fronteiras afrofuturistas.
    Corpes pretes presentificados nas telas em seus cotidianos são elevados à potência do aforismo de Exu. Entendendo: a grande chave do “Tempo Exu”, segundo Muniz Sodré em “Pensar Nagô”, está na invenção, no princípio inaugural para além do tempo linear. São esses corpes pretes – fragmentados, não desejados – que fazem “a história de seu grupo, logo, constroem o seu tempo.” Assim, seus cotidianos são inaugurais, são oferecimentos de passados, presentes e futuros em constante trânsito, estando atrás e adiante de si mesmos. É a potência, enfim, de dar, de receber e de restituir para todes e para si própries.
    A partir do exposto, diferentemente da ideia de que seriam, portanto, corpes que se bastariam, o que demonstram nas imagens de seus cotidianos, envoltas nessa potência exusística, é exatamente o contrário. Corpes pretes, oferecides em suas fragmentações e enquanto repositórios de violências e violações, estão implicados nas próprias existências cotidianas bem como nos cotidianos-satélites, na coletividade que orbita e tangencia suas dimensões de ser e de estar no mundo, movendo, comunicando, revelando, mais e mais vezes, atrás e adiante. Vivências nascentes e poentes refundantes: dinâmica, comutativa, simultânea e pendularmente. Existem caminhos, ressignificamos e mergulhamos fundo nos olhos, janelas do nosso mundo interno, que reverberam e pulsam existências pretas aquilombadas nas telas.
    A escrevivência está fundamentada NA CORPA MULHER. Enquanto operador metodológico-teórico e ferramenta conceitual, é um ato de poder. É insubmissão que dimensiona nossas humanidades. Não é escrita de si, não é autobiografia, não é escrita memorialística: é fundamental e primordialmente a escrita de uma história que arrasta uma coletividade. Um ego que somente pode existir em processo social coletivo. A escrevivência, enfim, inaugura a possibilidade de deslocamento do poder através da vontade de saber, vontade de memória, de arquivo fundante.
    Corpas-multidão. As escrevivências em “Sementes” brotam a partir da morte de Marielle Franco, (simbolicamente atingem em cheio cada mulher preta) porém igualmente brotam das fissuras, dos alargamentos, das distensões, dos deslocamentos radicais que produzimos enquanto caminhamos sobre os escombros da grande noite do fim do mundo.

Bibliografia

    HALL, Stuart. Da Diáspora: Identidades e Mediações Culturais. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2006.

    MBEMBE, Achile. Crítica da Razão Negra. Tradução Marta Lança. Lisboa: Antiqua, 2014.

    OLIVEIRA, Janaína. “Kbela” e “Cinzas”: o cinema negro no feminino do “Dogma Feijoada” aos dias de hoje. In FLAUZINA, Ana; PIRES, Thula (org.). Encrespando – Anais do I Seminário Internacional: Refetindo a Década Internacional dos Afrodescentendes (ONU, 2015-2024). Brasília: Brado Negro, 2016, p.175-198.

    HOOKS, bell. Olhares Negros: Raça and Representação / bell hooks; tradução de Stephanie Borges. São Paulo: Elefante, 2019.

    NEVES, David. O cinema de assunto e autor negros no Brasil. In: AUGUSTO, Heitor (org.). Catálogo do 20o Festival Internacional de Curtas de Belo Horizonte. Belo Horizonte: Fundação Clóvis Salgado, 2018. p. 183-186.

    GILROY, Paul. O Atlântico negro: modernidade e dupla consciência. São Paulo:
    Ed. 34,