Trabalhos Aprovados 2021

Ficha do Proponente

Proponente

    Mariana Souto (UnB)

Minicurrículo

    Professora de audiovisual na Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília. Doutora e mestre pelo PPGCOM-UFMG (estágio doutoral pela Universitat Pompeu Fabra – Barcelona), com pós-doutorado pela ECA-USP. Autora de “Infiltrados e invasores – uma perspectiva comparada sobre relações de classe no cinema brasileiro” (Edufba, 2019). Foi curadora de mostras como o Janela Internacional de Cinema de Recife e o Festcurtas BH. Diretora de arte de filmes como Quintal (André Novais).

Ficha do Trabalho

Título

    Constelação e motivo visual: a piscina vazia no cinema brasileiro

Seminário

    Cinema Comparado

Resumo

    No intuito de sedimentar os caminhos para a composição das constelações fílmicas, esta apresentação propõe experimentar com um possível eixo agregador de filmes: o motivo visual. Analisamos um motivo específico – o da piscina vazia no cinema brasileiro contemporâneo, indício de decadência de classe, abandono ou ruína, transversal em diferentes filmes como O som ao redor (2012), Que horas ela volta? (2015), Alvorada (2020) e Lambada estranha (2020).

Resumo expandido

    Esta apresentação desdobra uma pesquisa que tem buscado forjar metodologias de análise comparatista no cinema, como a coleção, a série histórica e a constelação. Esta última é o alvo de nossas mais recentes investigações (SOUTO, 2020) e tem como proposta fundamental o desenho de traços que unem obras dispersas, colocando-as em relação. Como ocorre na constelação astronômica, essa aproximação não é dada na realidade, mas produzida a partir de um olhar cultural e de um observador específico, que vê afinidade entre filmes e os conecta na aposta de que se iluminem mutuamente. Esse método acredita no poder de revelação dos objetos quando bem situados em relações de vizinhança.
    A constelação fílmica pode se operar a partir de eixos distintos – temáticos, estéticos, narrativos, entre outros. No sentido de aprimorar e sofisticar essa metodologia, construindo caminhos mais sólidos para sua execução, experimentamos com um possível eixo agregador: o motivo visual. Testaremos a fertilidade dessa escolha na análise de um motivo visual específico – o da piscina vazia no cinema brasileiro contemporâneo, mobilizando filmes como O som ao redor (Kleber Mendonça Filho, 2012), Que horas ela volta? (Anna Muylaert, 2015), Alvorada (Anna Muylaert e Lô Politi, 2020) e Lambada estranha (Luísa Marques, 2020).
    O motivo atravessa diferentes campos de conhecimento; na música, leitmotiv (do alemão “motivo guia”) é o tema musical que retorna em uma composição, uma espécie de refrão melódico que tem, portanto, uma dimensão temporal (MÁRQUEZ, 2002). Um motivo, seja na música, na literatura, nas artes visuais ou no teatro, depende da repetição em um corpus de objetos. Isso está implícito em sua etimologia – do latim motivus, motivum, suscetível ao movimento. Entendemos que o motivo pode ser uma forma expressiva que se move, que viaja por entre diferentes obras, migrando entre filmes e cineastas. É um conceito dinâmico que atravessa épocas e permite um olhar transversal para a história do cinema.
    Há grande discordância entre autores de campos mais tradicionais, como literatura e pintura, quanto à definição de motivo e sua relação com o tema; no campo audiovisual, encontramos definições incipientes. O livro Motivos visuales del cine (BALLÓ, BERGALA, 2016) é uma importante referência que, no entanto, não define seu carro-chefe, partindo para a abordagem de motivos específicos como a cicatriz, a nuca, o duelo, a mulher no espelho, o labirinto, a destruição do cenário. São motivos de ordens de grandeza muito distintas, como objetos, espaços e ações.
    Diante dessas indefinições, um dos objetivos desta comunicação é tentar desenvolver parâmetros para identificação e análise de motivos visuais no cinema. Quando uma piscina deixa de ser apenas uma piscina e pode ser entendida como motivo? Suspeitamos que, além da repetição (pois nem toda repetição faz motivo), sua constituição dependa de uma ênfase, de uma articulação com outros elementos, de um trabalho do cineasta – ou do olhar de um/a analista.
    Analisaremos a piscina vazia como motivo visual recorrente em um conjunto de obras no cinema brasileiro, pivô para sua constelação. Indício de uma decadência de classe, abandono ou crise, essa imagem condensa uma série de sentidos. O motivo nos dá subsídios para o estudo comparativo; é um eixo, uma invariante que facilita a comparação para que as diferenças possam, também, emergir. Em O som ao redor, a piscina semivazia pertence a uma casa abandonada, agora destinada a virar prédio – ruína afetiva de uma cidade que soterra seu passado. Em Que horas ela volta?, a piscina da mansão é o lugar do lazer, espaço proibido aos funcionários, esvaziada pela patroa enojada após o mergulho da filha da empregada. Em Alvorada, a piscina do palácio onde Dilma Roussef aguarda o resultado do processo de impeachment está entupida, com as águas turvas – mau presságio. Em Lambada estranha, personagens dançam na piscina vazia enquanto o Rio de Janeiro explode – cenário de um apocalipse nacion

Bibliografia

    BALLÓ, J., BERGALA, A. Los motivos visuales del cine. Barcelona: Galaxia Gutenberg, 2016.

    MÁRQUEZ, M. Tema, motivo y tópico – una propuesta terminológica. Exemplaria. Huelva, n. 6, 2002, p. 251-256

    PANOFSKY, E. Significado nas Artes Visuais. 3ª. ed. São Paulo: Perspectiva, 2007.

    PAVIS, P. Dicionário do teatro. São Paulo: Perspectiva, 2008.

    ROQUE, G. Motives and motifs in visual thematics in M. Louwerse et W. van Peer (eds.), Thematics: Interdisciplinary Studies, Amsterdam/Philadelphie, John Benjamins Publishing Company, 2002, pp. 265-282.

    SOUTO, M. Constelações fílmicas: um método comparatista no cinema. Galáxia. São Paulo, n. 45, set-dez, 2020, p. 153-165.

    SOUTO, M. Infiltrados e invasores – uma perspectiva comparada sobre relações de classe no cinema brasileiro. Salvador: Edufba, 2019.

    TOMACHEVSKI, B. “Temática” in Dionísio de Oliveira Toledo (comp.). Teoria da literatura: Formalistas Russos. Porto Alegre: Editora Globo, 1970, pp. 169-204.