Trabalhos Aprovados 2021

Ficha do Proponente

Proponente

    Ninna de Araújo Carneiro Lima (FGV CPDOC)

Minicurrículo

    Ninna Carneiro é graduada em Ciências Sociais pela UFRJ, pós-graduada em Cinema Documentário pela FGV e atualmente cursa o mestrado profissional em História, Política e Bens Culturais no CPDOC. Atua como Analista de Documentação e Informação do Programa de História Oral e do Núcleo de Audiovisual e Documentário do CPDOC, onde trabalha na gestão, preservação e difusão dos documentos do seu acervo audiovisual e sonoro.

Ficha do Trabalho

Título

    Remontando uma narrativa: o documentário A libertação da Guiné-Bissau

Seminário

    Outros Filmes

Resumo

    Esta proposta de trabalho pretende discutir o processo de montagem do documentário “A libertação da Guiné-Bissau: uma entrevista com o Comandante Pedro Pires”. O filme é fruto de uma entrevista de história oral feita com o personagem, e utiliza de materiais de arquivo para retratar o episódio da guerra colonial, trabalhando nos contrapontos e concordâncias da narrativa de Pedro Pires com as fontes históricas.

Resumo expandido

    Em julho de 2019, uma equipe de pesquisadores do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC) foi até Cabo Verde realizar uma entrevista de história de vida com o Comandante Pedro Pires, uma das figuras centrais no processo da guerra de independência da Guiné-Bissau. Equipados com uma gravadora semiprofissional e uma câmera DSLR, o objetivo era registrar no formato audiovisual a trajetória de vida do comandante, para que a entrevista fosse integrada ao Programa de História Oral (PHO) do CPDOC, inaugurado em 1975 e que já conta com mais de 7600 horas de gravação em seu acervo.
    Após três dias de gravação, a entrevista resultou em mais de 11 horas de documento audiovisual, retratando de forma cronológica episódios marcantes da vida de Pedro Pires, desde sua época como estudante em Portugal até a sua passagem como o primeiro-ministro da história de Cabo Verde. Por meio da utilização da metodologia da história oral, o Comandante apresentou a sua narrativa sobre momentos históricos das quais foi participante, e um dos episódios cruciais da sua narrativa foi a guerra de independência da Guiné-Bissau. Tendo em vista a riqueza história do material produzido em Cabo Verde, a equipe do Núcleo de Audiovisual e Documentário (NAD) do CPDOC decidiu produzir um documentário focando sobre o período específico da guerra colonial, tendo como ponto de partida as memórias de Pedro Pires.
    O desafio, além de dar conta do extenso material filmado, foi repensar imagens tomadas inicialmente em um formato de entrevista de História Oral. A passagem para o formato do documentário exigiu um constante processo de reflexão, na medida em que foi preciso fazer escolhas estéticas e narrativas que estavam ausentes no momento de tomada das imagens. Ou seja, a entrevista com o Comandante Pedro Pires foi pensada para compor o acervo do CPDOC, a fim de se tornar documento para consulta futura. O que está em jogo, então, é a ressignificação de um material de arquivo.
    Para além disso, o processo de busca por outras imagens de arquivo para compor a narrativa do filme representa uma tarefa delicada, uma vez que a intenção não é sobrepor à narrativa do entrevistado. Mas onde estão estas imagens? Estas memórias foram encontradas em instituições arquivísticas portuguesas, ou seja, memórias pertencentes ao país colonizador. Esta realidade, comum à muitos países que sofreram o domínio colonial, é trabalhada no filme por meio do contraponto com a fala de Pedro Pires, que faz um esforço constante de retomar a narrativa da guerra colonial para uma perspectiva africana.
    Por exemplo, algumas das imagens em movimento que foram utilizadas pertencem ao Centro Audiovisual do Exército Português, articulados e montados segundo o este ponto de vista. O antagonismo entre esses relatos é ilustrado por um momento particular da fala de Pedro Pires, em que ele afirma “buscar narrar a história do leão em vez da história do caçador”, ou seja, resgatar uma memória oposta àquela da história hegemônica. Tudo isso compôs o processo de construção do documentário, suscitando um constante confronto e repensar das imagens.
    Em contraponto, foi utilizado o acervo da Fundação Mário Soares e Maria Barroso, em particular o fundo de Amílcar Cabral, um dos líderes do movimento de independência, e cujo assassinato foi um momento de virada durante a guerra. A figura de Amílcar, que surge em diversos momentos na fala de Pedro Pires, tornou-se um verdadeiro símbolo da guerra, e o seu impacto é discutido e trabalhado por dois vieses, um por meio do seu arquivo e o outro pela narrativa apresentada por Pedro Pires, onde a figura do líder surge de forma construída, já repensada e reestruturada de acordo com o distanciamento histórico do discurso.

Bibliografia

    BLANK, Thais; CASTRO, Celso. “Da entrevista ao documentário: sobre a memória da luta pela liberdade em África na narrativa do Comandante Pedro Pires”. Encuentro Internacional ReDOC Investigación 2020.
    FOSTER, Hal. ;An Archival Impulse, October, nº 110, outono 2004, pp. 3-22
    HALL, Stuart. Cultura e Representação. Rio de Janeiro: Editora PUC – Rio, 2016.
    MARTINS, Andrea França; ANDUEZA, Nicolas; O cinema de arquivo e a (des)pedagogia das sensibilidades: uma imersão em outros espaços e tempos;. In Acervo: Revista do Arquivo Nacional, v. 32, p. 64-77, 2019.
    COMITINI, Carlos. Amílcar Cabral: armas da teoria. Editora Codecri, Rio de Janeiro, 1980.