Trabalhos Aprovados 2021

Ficha do Proponente

Proponente

    Julie de Oliveira (Unisul)

Minicurrículo

    Julie de Oliveira é bacharel em Cinema pela Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC. Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Linguagem pela Universidade do Sul de Santa Catarina – UNISUL, na linha de Linguagem e Cultura. Sua pesquisa se concentra nos estudos sobre cinema e bissexualidade. É orientanda da Prof.ª Dr.ª Ramayana Lira de Sousa. E-mail: deoliveira.julie@gmail.com.com. Lattes: http://lattes.cnpq.br/9188681316875645.

Ficha do Trabalho

Título

    Uma leitura bissexual do filme Les Rendez-Vous D’Anna

Resumo

    Será a bissexualidade capaz de abalar o binarismo homo x heterossexual, assim como os demais binarismos que dele derivam? Como pensar a bissexualidade em relação ao tempo e ao espaço cinematográfico? Essas são as questões que se pretende responder, levantadas por uma leitura bissexual do filme de 1978 Les Rendez-Vous d’Anna, de Chantal Akerman.

Resumo expandido

    Os estudos queer têm se orientado no sentido contrário ao de políticas identitárias, buscando recusar um entendimento essencialista das questões acerca da sexualidade. Segundo Callis (2009), eles estiveram ancorados nas obras de autores como Butler e Foucault – em textos ditos inaugurais a esse campo de estudos-, assim como nas teorias pós-moderna e feminista, no construtivismo social, e nos estudos gays e lésbicos. Os estudos da bissexualidade compartilham de tais características, de modo que ao entendimento do dispositivo da sexualidade enquanto derivação de um conjunto de forças erráticas, poderia ter-se agregado o pensamento a respeito da bissexualidade. Entretanto, a despeito de tal ensejo, a bissexualidade, assim como os estudos sobre ela, têm sido sistematicamente ignorados, seja pelos trabalhos de Butler, Foucault, ou dos estudos queer (CALLIS, 2009). Angelides (2001) aborda a questão em Uma História da Bissexualidade, segundo ele, a bissexualidade ainda hoje representa um ponto cego nas pesquisas sobre a sexualidade. Parte disso deve-se ao fato de que por muito tempo a bissexualidade sequer foi entendida como uma identidade real – ao contrário da homossexualidade, cuja existência foi firmada através dos processos de patologização e discurso reverso (ANGELIDES, 2001). Angelides, todavia, vai defender que a oposição homo x heterossexual – conforme descrita por Sedgwick como base dos “nós de conhecimento e poder no século XX” (SEDGWICK, 1990, p. 1, tradução nossa) – fundou-se na exclusão de um terceiro termo, a bissexualidade (ANGELIDES, 2001). Em outras palavras, a instauração desse binarismo nos discursos sobre o sexo – do mesmo modo a resultante estrutura social que sustentam -, está ontologicamente alicerçada em uma identidade bissexual. Decorre que a bissexualidade seria capaz, pois, de desestabilizar o binarismo homo x heterossexual (ANGELIDES, 2001; CALLIS, 2009). Uma vez que Sedgwick postulou a concorrência desse binarismo a outros vários que dele seriam resultantes – como conhecimento x ignorância, público x privado, etc. (SEDGWICK, 1990) -, propõe-se que a bissexualidade poderia similarmente ter a capacidade de desmantelá-los.
    Pretende-se pensar essas entre outras questões ligadas à potência de uma leitura bissexual, a partir da análise do filme de 1978 Les Rendez-Vous D’Anna, de Chantal Akerman. Segundo Pramaggiore (1996), uma possível espectatorialidade bissexual estaria conectada ou a uma triangulação, ou a uma sinuosidade temporal. A primeira conjectura diz respeito a demonstrações de afeto ou desejo concomitantes por mais de um gênero, a segunda à sua transitividade ao longo da narrativa. No filme verifica-se algo distinto, porém imbuído de característica similar: a instabilidade no tempo, no caso não do desejo, mas de sua falta – o que permite supor a partir de um olhar liminal, e aparentemente paradoxal, uma perspectiva bissexual. Isso, pois, à luz do que argumenta Angelides sobre como pode a bissexualidade ser disruptiva no tocante ao binário homo x heterossexual, entende-se o modo ausente com que Anna lida com seus desejos como um processo de desidentificação em relação às narrativas hegemônicas, não apenas de heterossexualidade e monogamia, mas também monossexuais. A ausência de Anna é sentida, além disso, na espacialidade do filme, através da inexistência de plano e contraplano e de plano subjetivo: “nega-se a face e o espaço que costumam mover o filme para frente” (ULLRICH, 2020, p. 413, tradução nossa). O autor aponta a renúncia da personagem à autoafirmação, da mesma forma a ratificação dessa escolha perpetrada nos aspectos formais da obra, como possibilidade de abertura à leitura queer. Enquanto isso, a presente pesquisa reclama uma interpretação sob a chave bissexual, que suscitaria as seguintes perguntas: seria possível entendê-la como um deslugar? Como pensá-la quanto ao tempo?

Bibliografia

    ANGELIDES, Steven. A History of Bisexuality. Chicago: The University of Chicago Press, 2001.
    CALLIS, April. Playing with Butler and Foucault: Bisexuality and Queer Theory. Journal of Bisexuality, p. 213-233. [S.I.]: Routledge, 2009.
    LES Rendez-Vous D’Anna. Direção: Chantal Akerman. Paris: Helene Films, 1978. 1 vídeo (127 min). Disponível em:
    http://www.criterionchannel.com/les-rendez-vous-d-anna. Acesso em: 30 abril 2021.
    PRAMAGGIORE, Maria. Straddling the Screen: Bisexual Spectatorship and Contemporary Narrative Film. In: Representing Bisexualities: Subjects and Cultures of Fluid Desire. New York: New York University Press, 1996.
    SEDGWICK, Eve. Epistemology Of the Closet. Berkley: University of California Press, 1990.
    ULLRICH, Madeline. “Anna: Where are you?”: Queer form in Chantal Akerman’s Les Rendez-Vous D’Anna”. ASAP/Journal, vol. 5, n. 2, p. 401-422. Baltimore: John Hopkins University Press, maio 2020.