Trabalhos Aprovados 2021

Ficha do Proponente

Proponente

    JOCIMAR SOARES DIAS JUNIOR (UFF)

Minicurrículo

    Jocimar Dias Jr. é doutorando pelo PPGCine-UFF, desenvolvendo pesquisa sobre releituras queer das chanchadas de Watson Macedo (orientação: Prof. João Luiz Vieira). No mestrado pelo PPGCOM-UFF, defendeu dissertação sobre os momentos musicais nos filmes de Theo Angelopoulos (orientação: Prof. Fernando Morais da Costa). Como realizador, dirigiu “Ensaio Sobre Minha Mãe” (2014), curta-metragem selecionado para competitivas de diversos festivais nacionais e internacionais.

Ficha do Trabalho

Título

    A frescura de Oscarito em Aviso aos Navegantes (Watson Macedo, 1951)

Resumo

    Este trabalho propõe uma releitura queer da chanchada Aviso aos Navegantes (1951), tendo como foco a trama do personagem Frederico, interpretado por Oscarito, e a figura do ator cômico enquanto “afeminado profissional”. Levando em conta a homossexualidade do diretor Watson Macedo, os números musicais protagonizados por Oscarito também são analisados como expressões de uma possível sensibilidade “bicha” do cineasta (a qual denominamos “frescura”) e como metáforas da experiência do “armário”.

Resumo expandido

    No livro Este Mundo é um Pandeiro, Sérgio Augusto se mostra bastante preocupado em refutar as suspeitas sobre a sexualidade de Oscarito que circulavam na imprensa dos anos 1940 e 1950. No Correio da Manhã, em 9 de fevereiro de 1951, Moniz Vianna coloca em dúvida a heterossexualidade do ator, em sua crítica a Aviso aos Navegantes (Watson Macedo, 1951): “Quanto a Oscarito, não dispensa o travesti, mas não vamos discutir aqui suas tendências”. Augusto demonstra incômodo com insinuações como essa que, em suas palavras, “maldosamente” procuravam “estabelecer um vínculo entre a troca simbólica de sexo na tela e a virilidade de seus praticantes”. Ele se apressa a defender seu ídolo das calúnias de que foi “vítima”: nesse caso, Oscarito só poderia ser acusado de “regressão infantil”, visto que “apenas se travestia de bebê” (AUGUSTO, 1989, p. 184). Augusto cita o autor homossexual Parker Tyler quando prescreve que “todas as folias do travestismo”, inclusive as chanchadas, não passariam de “brincadeirinhas de heterossexuais” (AUGUSTO, 1989, p. 184). Sua argumentação é um exemplo bastante ilustrativo do que Alexander Doty chama de “tentativas desesperadas”, por parte da historiografia (heteronormativa) do cinema, de “negar o aspecto queer que é tão claramente parte da cultura de massa” (DOTY, 1993, p. XII).
    Uma leitura mais atenta do livro Screening the Sexes de Parker Tyler revela que o principal argumento do autor é justamente o oposto do defendido por Augusto. Tyler considera todos os comediantes como “afeminados profissionais”, não para insinuar que eles são bichas “no armário”, mas para evidenciar que nenhum deles havia inventado suas personalidades do nada, alheios ao mundo em que vivemos: pelo contrário, todos eles, via de regra, teriam aprendido seus repertórios gestuais através da observação e imitação de bichas “de verdade” (TYLER, 1972, p. 327). Similarmente, para Mark Simpson, quando Laurel e Hardy aparecem em momentos de intimidade em seus filmes, eles não seriam necessariamente homossexuais, mas também não seriam heterossexuais, “porque eles existem em um espaço que finge não saber o que é ‘homossexualidade’, ou pelo menos onde esta constatação não se aplica, já que ‘heterossexualidade’ também não existe” (SIMPSON, 1998, p. 142). A heterossexualidade em si seria a grande piada desses filmes – ou antes, a incapacidade dos personagens cômicos de incorporá-la satisfatoriamente.
    Este trabalho busca revisitar a chanchada Aviso aos Navegantes através de uma leitura queer. A noção do cômico enquanto “afeminado profissional” é de particular interesse, uma vez que a suposta homossexualidade do personagem Frederico, interpretado por Oscarito, é motivadora de grande parte das piadas que o envolvem durante a trama. Por exemplo, quando Azulão (Grande Otelo) encontra-o no porão do navio pela primeira vez, Frederico está escondido dentro de um repositório de “jiló”, termo que era um sinônimo de “bicha” na época. Frederico recusa as investidas amorosas de Madame (Yara Isabel), acaba debaixo dos lençóis – por engano – com o vilão Scaramouche (José Lewgoy), e deixa transparecer para a personagem Cléia (Eliana Macedo) um possível desejo homossexual reprimido. É nesse contexto que os números musicais protagonizados por Oscarito permitem releituras queer: tanto “Marcha do Neném”, com seu simbolismo oral abundante (ênfase nos atos de “chupar” e “mamar”) típico das marchinhas carnavalescas similares a “Mamãe Eu Quero” (PARKER, 2009), quanto “Toureiro de Cascadura”, em que a incapacidade de Frederico de performar uma masculinidade heterossexual hegemônica é o foco da encenação. De maneira análoga às análises queer dos musicais de Vincente Minnelli por Matthew Tinkcom (2002) e levando em conta a homossexualidade (no armário) de Watson Macedo, ambos os números serão analisados como metáforas da experiência de “estar no armário” e como expressões de uma possível sensibilidade “bicha” do cineasta (a qual denominamos “frescura”).

Bibliografia

    AUGUSTO, Sérgio. Este mundo é um pandeiro: a chanchada de Getúlio a JK. São Paulo: Cinemateca Brasileira: Companhia das Letras, 1989.

    DOTY, Alexander. Making Things Perfectly Queer: Interpreting Mass Culture. Minneapolis: University of Minnesota Press, 1993.

    MARINHO, Flávio. Oscarito: O Riso e o Siso. Rio de Janeiro: Record, 2007.

    PARKER, Richard G. Bodies, Pleasures, and Passions: Sexual Culture in Contemporary Brazil. 2 ed. Nashville: Vanderbilt University Press, 2009.

    SIMPSON, Mark. “The Straight Men of Comedy”. In: WAGG, Stephen (ed.). Because I Tell a Joke or Two: Comedy, Politics and Social Difference. Nova York: Routledge, 1998.

    TINKCOM, Matthew. Working Like a Homossexual: Camp, Capital, Cinema. Durham e Londres: Duke University Press, 2002.

    TYLER, Parker. Screening the Sexes: Homosexuality in the Movies. Nova York: Holt, Rinehart and Winston, 1972.