Trabalhos Aprovados 2021

Ficha do Proponente

Proponente

    David Ken Gomes Terao (Unicamp)

Minicurrículo

    David Ken Gomes Terao é doutorando em Multimeios pela Universidade Estadual de Campinas, realizando pesquisa sobre apropriações do melodrama no cinema contemporâneo brasileiro. É mestre na mesma instituição com pesquisa sobre o melodrama no cinema de Christian Petzold e graduado pela Universidade Federal do Ceará. Em 2020 ministrou o curso “Um percurso pelo melodrama de Fassbinder” pela Escola no Cinema.

Ficha do Trabalho

Título

    O melodrama no cinema brasileiro e o paradigma do popular

Resumo

    Como etapa anterior a uma análise de uma filmografia contemporânea brasileira a partir de matrizes melodramáticas, essa comunicação irá problematizar a noção de popular vinculada a ele pelas teorias já existentes, propondo uma abordagem que leva em conta a especificidade da cultura de consumo e a realidade social brasileiras, ao mesmo tempo em que reconhece a força da sua permanência cultural e sua possibilidade de atuar enquanto terreno de disputa narrativa de povos, comunidades e identidades.

Resumo expandido

    Nos estudos do melodrama, muito se evidencia de seu caráter de matriz narrativa popular, sobretudo nos comentários a respeito de seu surgimento enquanto gênero teatral na Europa após a Revolução Francesa. Martin-Barbero (1997) comenta seu caráter de grande espetáculo da cultura de massa que constituiu uma “imagem unificada do popular”, replicada a posteriori nos folhetins, no cinema e no jornalismo sensacionalista. Zamour (2016) vai ainda mais longe, afirmando que o melodrama é um gênero “do povo para o povo”, uma “fábrica de povos” na similaridade das imagens que produz com a realidade das comunidades populares e sua história.

    Martin-Barbero observa, em relação à realidade latino-americana que o melodrama é um meio privilegiado de reconhecimento do popular na região a partir das mediações estabelecidas com a cultura massiva. Tal constatação, que parece um caminho ideal para pensar uma série de apropriações do melodrama no cinema brasileiro, precisa no entanto ser lida com cuidado, uma vez que um olhar para o consumo de mídias massivas e para as bilheterias de cinema no país revela quais meios efetivamente mediam essa identificação.

    É importante problematizar o conceito de popular em vez de simplesmente colar o engajamento emocional do melodrama no cinema a uma garantia de sucesso das obras e visibilidade cultural por todos os sujeitos ditos populares. Há nisto o duplo problema de que por um lado, como lembram Bernardet e Galvão (1983), nosso cinema ligou diretamente a noção de popular a ideais variados de nação, mas que não necessariamente chegam até as classes baixas, e por outro lado, é um fato de que ele não é a mídia mais popular dentre o que é produzido no país, o mercado interno de exibição sendo hegemonicamente dominado há décadas pelo produto estrangeiro de Hollywood, fato observado por teóricos diversos e lembrado por Schvarzman (2018) na análise dos filmes brasileiros que mesmo com essa limitação alcançaram grandes bilheterias.

    O melodrama enquanto elemento discursivo-narrativo popular se encontra concentrado na televisão, meio de difusão mais pulverizado do que o cinema e onde se encontram diferentes usos das matrizes melodramáticas, seja nas fórmulas dramatúrgicas de telenovela e séries televisivas, seja no apelo moral direto dos programas policiais sensacionalistas, continuidade televisiva da “imprensa marrom” que Barbero lembra ter origens na literatura melodramáticas dos cordéis.

    Nisso, é preciso levar em conta que sem a condição de produtos massivos, boa parte das produções da filmografia brasileira contemporânea que eventualmente trabalham com matrizes melodramáticas não pode ser considerada como popular num sentido de suas mediações e consumo pelo grande público, tendo em vista que boa parte da difusão dos títulos se dá na exibição restrita dos festivais de cinema e na tímida participação posterior nos circuitos de exibição. Ao mesmo tempo, não se pode deixar de lado o fato de que se há uma apropriação desse tipo de narrativa pelos realizadores, é porque o melodrama enquanto manifestação popular ainda é acessado culturalmente por eles em tal nível que há um desejo de reproduzi-lo em suas obras, independente de elas são exibidas e consumidas de forma massiva ou não. Nesse sentido, dentro da disciplina dos estudos culturais, a análise dos diferentes processos de formação da cultura observados por Williams (1979), bem como o caráter efêmero dos elementos da cultura popular de diferentes tempos, lembrado por Hall (2009), são contribuições que nos permitem compreender um modo de analisar o melodrama como uma forma de imaginação cujo caráter popular é mais concentrado ou rarefeito em diferentes mídias e que permanece até hoje como campo de disputas narrativas sobre povos, comunidades e identidades.

Bibliografia

    BERNARDET, J C; GALVÃO, M R. Cinema repercussões em caixa de eco ideológica, São Paulo, Brasiliense, 1983.

    HALL, S. Notas sobre a desconstrução do “popular”. In: HALL, Stuart. Da diáspora: identidade e mediações culturais. Organização de Liv Sovik. Belo Horizonte, MG: Editora da UFMG, 2009.

    HAMBURGER, E. Política e novela. In: HAMBURGER, E.; BUCCI, Eugênio (Org.). A TV aos 50 anos. Criticando a televisão brasileira no seu cinquentenário. São Paulo:Fundação Perseu Abramo, 2000.

    MARTÍN-BARBERO, J. Dos meios às mediações: comunicação, cultura e hegemonia. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1997.

    SCHVARZMAN, S. Cinema brasileiro contemporâneo de grande bilheteria (2000-2016). In: RAMOS, F P; SCHVARZMAN, Sheila. Nova história do cinema brasileiro, v. 2. São paulo, SP: Edições Sesc, 2018.

    WILLIAMS, R. Marxismo e literatura. Rio de Janeiro, RJ: Zahar.

    ZAMOUR, F. Le mélodrame dans le cinéma contemporain: Une fabrique de peuples. Presses universitaires de Rennes, 2016