Trabalhos Aprovados 2021

Ficha do Proponente

Proponente

    Monica Poli Palazzo (PPGAV/ECA/USP)

Minicurrículo

    Quando eu me interessei pela direção de arte, muito pouco falava-se sobre ela. Hoje, atuo há quase vinte anos na área, ministro cursos livres e disciplinas em pós- graduação latu senso. Assinei a direção de arte de longas, curtas e séries. Dirigi três curtas e estou em preparação do meu primeiro longa como diretora, e de um curta em cinema 360o, parte da pesquisa de doutorado que desenvolvo em Poética Visuais sob orientação da Prof. Dra. Branca de Oliveira PPGAV/ECA/USP www.monicapalazzo.com

Ficha do Trabalho

Título

    Abraço do mundo: experiência e fazer da experiência na direção de arte

Seminário

    Estética e teoria da direção de arte audiovisual

Resumo

    Uma conversa informal com a manicure inspira a reflexão sobre como a direção de arte não somente cria o espaço visual fílmico, mas é experiência mediadora da relação com o mundo. Amparada pelos conceitos de experiência estética, produção de presença e partilha do sensível, investigo a sensação de ser abraçada pelo mundo, experiência que se faz premissa e resultado no processo criativo em direção de arte. E indago: como abrir espaço e compartilhar a potência do sensível no mundo do “já sentido”?

Resumo expandido

    Lembro-me de quando estive em um salão de beleza aqui ao lado de casa, pela primeira vez, e a manicure, Selma, fez a inevitável pergunta: “você trabalha com o quê?” Eu respondi, “sabe quando você assiste um filme, uma série, ou novela? Tudo aquilo que está em volta do personagem – como está vestido, penteado, se tem batom, cicatriz ou tatuagem – é o meu trabalho, juntamente com a equipe da qual faço parte, isso é direção de arte.”
    É esse mundo que está em volta do personagem que me interessa, tal como me interessa o mundo que está em volta de mim, com toda a sua materialidade; o “abraço do mundo”, que me impacta diariamente, cujas consequências persigo um tanto mais conscientemente quando estou fazendo direção de arte, esses mundos que crio para convidar quem assiste a ser sensibilizado por uma história em um projeto audiovisual.
    A direção de arte e o cinema, como campos expressivos, estão na minha vida desde o final da adolescência. Isso modelou a forma como meu corpo, de modo geral, é afetado pelo mundo. O mundo com suas imagens, principalmente as visualidades e sonoridades das situações cotidianas, assim como a lembrança das experiências vividas, chegam até mim como cinema.
    A direção de arte é um campo de exploração de expressividades audiovisuais, que tem como ponto de partida a experiência do ser no mundo, e como horizonte, a ampliação e intensificação dos sentidos que uma experiência estética pode desencadear, singularidade que a classifica, a meu ver, como um dos meios mais abrangentes dentro do processo criativo do audiovisual.
    O espaço material – e seus objetos – no qual nos encontramos em determinado momento ao longo do dia, em nossas vidas cotidianas, não é, ele mesmo, o mediador responsável pela nossa relação com o mundo? Essa pergunta me leva a pensar sobre os mecanismos pelos quais a experiência cotidiana é cravada em nossos corpos. Como se dá a impressão de tangibilidade do mundo em nós?
    De mãos dadas para esta busca, autores como Bondia (2002), Gumbrecht (2010), Perniola (1991) e Rancière (2005) criam um patamar elástico acerca da experiência enquanto relação do ser no mundo, e da experiência estética como “momentos de intensidade especial” com os quais podemos nos deparar em nosso cotidiano. Esse patamar me impulsiona à reflexão sobre o saber da experiência, que configura “uma personalidade, um caráter, uma sensibilidade ou, em definitivo, uma forma humana singular de estar no mundo, que é por sua vez uma ética (um modo de conduzir-se) e uma estética (um estilo)” (BONDIA, 2002, p. 21).
    O saber da experiência que me interessa é esse adquirido conforme vamos respondendo ao que nos acontece na vida, e como vamos criando sentido ao que nos acontece. Ele se dá na relação entre o conhecimento e a vida humana, sendo a experiência uma mediação entre ambos. Como acontece algo que nos acontece? Como se dá a experiência vivida do ser no mundo? E uma experiência estética? Produção de presença, impacto das coisas do mundo nos nossos corpos, e oscilação entre efeitos de presença e de sentido, às quais se refere Gumbrecht, dotam o objeto da experiência estética de componentes de instabilidade e desassossego, e apontam um caminho a ser trilhado com paisagens de potência.
    Como abrir espaço para a experiência um mundo repleto de imagens de todas as naturezas cujo acesso é tão rápido e logo substituído por outra imagem, tornando-se assim, efêmero; repleto de assuntos dos mais diversos campos que nos atingem sem qualquer aviso ou pedido de licença; de urgências das mais variadas complexidades que nos atravessam e muitas vezes nos tiram a possibilidade de uma sensação mais intensa e/ou uma reflexão mais atenta; da enxurrada de informações, muitas vezes rasas, que nos impedem de deixar a mente vazia para a descoberta de outros mundos e para a criação de novos possíveis?
    Do encontro com Selma, numa tarde de sábado, nasceu a ideia para este texto, e agora, junto aos participantes da Socine, coloco-me a refletir.

Bibliografia

    BONDÍA, Jorge Larrosa. Notas sobre a experiência e o saber da experiência. Tradução de João Wanderley Geraldi. Revista Brasileira de Educação, Jan/Fev/Mar/Abr, n. 19, 2002.
    DEWEY, J. Arte como experiência. Org. Jo Ann Boydston. Trad. Vera Ribeiro. São Paulo: Martins Fontes, 2010.
    GUMBRECHT, Hans Ulrich. Produção de Presença. Trad. Ana Isabel Soares. Rio de Janeiro: Contraponto/Editora PUC Rio, 2010.
    HAMBURGER, Vera. Arte em cena: a direção de arte no cinema brasileiro. São Paulo: SENAC, 2014.
    __________________ O desenho do espaço cênico: da experiência vivencial à forma. 2014. Dissertação (Mestrado em Teoria e Prática do Teatro) – ECA/USP
    PERNIOLA, Mario. Do sentir. Trad. António Guerreiro. Lisboa: Editorial Presença, 1991.
    RANCIÈRE, Jacques. A partilha do sensível. Tad. Mônica Costa Netto. São Paulo: Ed. 34, 2005.
    ROLNIK, Suely. Esferas da Insurreição. Notas para uma vida não-cafetinada. São Paulo: n-1 edições, 2018.