Trabalhos Aprovados 2021

Ficha do Proponente

Proponente

    Márcio Zanetti Negrini (PUCRS)

Minicurrículo

    Doutor e mestre pelo Programa de Pós-graduação em Comunicação Social da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Pesquisa imagens e imaginários midiáticos com ênfase nas relações entre o cinema e a política. Possui produção acadêmica publicada no Brasil e no exterior. É membro do Kinepoliticom – Grupo de Pesquisa em Comunicação, Estética e Política (CNPq).

Ficha do Trabalho

Título

    Imagem e nostalgia no filme De longe, ninguém vê o Presidente

Resumo

    O documentário “De longe, ninguém vê o Presidente” (Rená Tardin, 2018) apresenta o último discurso de Lula em frente ao Sindicato dos Metalúrgicos do ABC Paulista antes de ser preso, imagens de São Bernardo do Campo na atualidade e imagens de arquivo da grande greve na região do ABC, em 1979. Assim, indagamos como o filme expressa um traço nostálgico ao articular imagens do passado e do presente, possibilitando compreendermos parte da experiência social de nosso país na atualidade.

Resumo expandido

    Este trabalho propõe analisar o curta-metragem “De longe, ninguém vê o Presidente”, dirigido por Rená Tardin e lançado em 2018. O documentário apresenta o último discurso de Lula, em frente ao Sindicato dos Metalúrgicos do ABC Paulista, antes de sua prisão no âmbito da controversa Operação Lava Jato. No filme, enquanto ouvimos o discurso de Lula, sem que possamos observá-lo, visualizamos imagens de São Bernardo do Campo na atualidade, segundo as quais destacamos: o Estádio Municipal da Vila Euclides vazio – local emblemático pelos comícios com milhares de trabalhadores nas circunstâncias das grandes greves do ABC a partir de 1979; uma linha de montagem automotiva e um grande canteiro de obras – espaços que contam com a presença de poucos trabalhadores. As imagens mencionadas sugerem a prevalência da automação dos meios de produção; com isso, o declínio da numerosa classe trabalhadora organizada em grandes atos políticos. Para esse efeito, a montagem do curta justapõe imagens de arquivo do filme “ABC da Greve”, dirigido por Leon Hirszman em 1979. O longa-metragem de Hirszman documentou para a história o contexto de surgimento das greves que mobilizaram multidões de operários da região do ABC Paulista, momento no qual Lula despontou como importante liderança do novo movimento sindical e de resistência à Ditadura Militar. De acordo com Vincent Pinel (2008), compreendemos que os filmes criados a partir dos materiais de arquivo sobrepõem diferentes temporalidades, revelando imagens de outrora numa perspectiva histórica marcada pela subjetividade diante do tempo presente. Nesse sentido, analisaremos como o filme de Rená Tardin correlaciona imagens do presente e do passado, apresentando um importante acontecimento da história política brasileira contemporânea: a prisão do ex-Presidente Lula em um momento de retrocessos democráticos caracterizado pela perseguição jurídico-midiática de opositores políticos, pelo avanço do autoritarismo histórico e pela perda de direitos trabalhistas, somada às condições de esvaziamento da classe trabalhadora mobilizada. Nossa análise sobressaí o fato de o documentário elaborar suas imagens segundo um traço acentuadamente nostálgico; isso é notado pela inter-relação dos espaços vazios em São Bernardo do Campo de 2018, em contraponto às multidões que ocuparam os espaços públicos da mesma cidade, conforme os fragmentos imagéticos do filme de Hirszman. De acordo com Andreas Huyssen (2014), a acepção corrente da palavra nostalgia refere-se ao estado melancólico pelo distanciamento da terra natal, assim como a ação inexorável do tempo cronológico. Na contemporaneidade, a nostalgia apresenta-se na forma de “ruínas”, em que o passado se torna presente através de fragmentos. “No corpo da ruína, o passado está presente nos resíduos, mas ao mesmo tempo não está mais acessível, o que faz da ruína um desencadeante especialmente poderoso da nostalgia (HUYSSEN, 2014, p. 91). Desse modo, compreendemos que as imagens de arquivo presentes no curta-metragem são ruínas, que produzem um efeito nostálgico pela justaposição entre as imagens do presente e do passado. Nessa perspectiva, segundo François Niney, o cinema caracteriza-se pela capacidade de remontar o tempo. O acesso ao real, por meio das imagens, acontece através dos fragmentos de mundo registrados em planos, enquadramentos ou recortes que compõem o tempo do relato cinematográfico. A projeção desses fragmentos imagéticos do mundo atualiza no presente o tempo passado; assim, “o cinema inaugura uma nova dimensão histórica da memória ao agregar ao mundo atual um mundo paralelo de reaparições” (NINEY, 2005, p. 48). Compreendemos que a nostalgia em “De longe, ninguém vê o Presidente” é um trabalho de memória, que agencia imagens do passado no presente; portanto, articulando imaginários políticos para elaborarmos parte da experiência social de nosso país na atualidade através das imagens em movimento do cinema.

Bibliografia

    BERNARDET, J. Cineastas e as imagens do povo. São Paulo: Cia. das Letras, 2003.
    DIDI-HUBERMAN. Remontajens del tiempo padecido: el ojo de la historia, 2. Buenos Aires: Biblios-Universidad del Cine, 2015.
    HUYSSEN, A. Culturas do passado-presente: modernismos, artes visuais, políticas da memória. Rio de Janeiro: Contraponto; Museu de Arte do Rio, 2014.
    NINEY, F. El documental y sus falsas apariencias. Cidade do México: Universidade Nacional Autônoma do México, 2015.
    PINEL, V. Los géneros cinematográficos: géneros, escuelas, movimentos y corrientes del cine. Barcelona: Ediciones Robinbook, 2008.
    SCHWARCZ. L. M. Sobre o autoritarismo brasileiro. São Paulo: Companhia das Letras, 2019.
    STRECK, L. L. Luz, câmara, ação: a espetacularização da Operação Lava Jato no caso Lula ou como o direito foi predado pela moral. In: O caso Lula: a luta pela afirmação dos direitos fundamentais no Brasil. MARTINS, C. Z.; MARTINS, V. T.; VALIM, R. (org.). E-book. São Paulo: Editora Contracorrente, 2017.