Trabalhos Aprovados 2021

Ficha do Proponente

Proponente

    João Guilherme Barone Reis e Silva (PUCRS)

Minicurrículo

    Professor titular da PUCRS, pesquisador no PPGCOM da Escola de Comunicação, Artes e Design FAMECOS; Coordenador do Laboratório de Pesquisas Audiovisuais, LaPav-PPGCOM-TECNA-PUCRS; Doutor em Comunicação pela PUCRS (2005) e Mestre em Comunicação e Indústrias Audiovisuais pela Universidade Internacional da Andaluzia (1999). Desenvolve pesquisas em cinema e indústria audiovisual, cinema brasileiro, tecnologias, políticas e mercado, com diversas publicações.

Ficha do Trabalho

Título

    TECNOLOGIAS DA VIOLÊNCIA NO CINEMA DE STANLEY KUBRICK.

Resumo

    Esta comunicação é o relato de um experimento que vai revisitar A Laranja Mecânica (A Clockwork Orange, 1971) de Stanley Kubrick, para uma reflexão sobre a violência no cinema e o cinema da violência, observando marcas de elaborações estéticas e narrativas que caracterizam tipologias tecnológicas na expressão cinemática do ato de violência, com relações de espaço-tempo que se alteram. Uma abordagem que tangencia o agendamento cultural de Innis e o temor da estetização da política de Benjamin

Resumo expandido

    Esta comunicação propõe compartilhar a experiência de revisitar A Laranja Mecânica (A Clockwork Orange, 1971) de Stanley Kubrick, no cinquentenário de seu lançamento, para uma reflexão sobre a violência no cinema e o cinema da violência, observando marcas de elaborações estéticas e narrativas que caracterizam tipologias tecnológicas na expressão cinemática do ato de violência, com relações de espaço-tempo que se alteram. Uma abordagem que tangencia o agendamento cultural de Innis e o temor da estetização da política de Benjamin, em busca de nexos nas relações entre as tecnologias no e do cinema e seus desdobramentos no espelhamento dos comportamentos sociais, atravessados por interseções culturais e políticas, entre outras.
    Nos enunciados de Harold A. Innis (1951), a ênfase em determinadas tecnologias estabelece os diferentes agendamentos culturais (cultural settings) de uma sociedade, ou seja, práticas e comportamentos sociais. Neste sentido, há uma interseção provocativa com o pensamento de Walter Benjamin |(1935), em A Obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica, revelado por Miriam Hansen, para quem o texto está permeado pelo temor de Benjamin com a estetização da política que surgia como marca (tecnologia) da ascensão do fascismo. Na obra de Kubrick, a adaptação da novela de Anthony Burgess é o filme que vem na sequência de 2001: uma odisséia no espaço (1968), o qual é precedido por O Dr. Fantástico (1964), formando uma certa trilogia sobre imaginários do futuro, tendo a tecnologia como elemento central. Em O Dr. Fantástico, a tecnologia nuclear leva ao extermínio da humanidade. Em 2001, a tecnologia espacial conduz a um renascimento da humanidade em outras dimensões do espaço-tempo do universo. Mas, em A Laranja Mecânica, a tecnologia cria ferramentas para o controle social, a partir da modificação mecânica do comportamento do indivíduo. É o estado autoritário oferecendo o Método Ludovico como intervenção radical para neutralizar em definitivo o comportamento ultraviolento humano, numa sociedade mais bizarra do que distópica, na qual a extinção das artes, da religião, do entretenimento e dos valores morais, produz a exacerbação da delinquência juvenil. É o terror de Alex e as gangues de rua, os “droogs”, que buscam satisfação nas saídas noturnas para espancar, estuprar e matar. Uma história sombria e satírica sobre a violência das tecnologias de comportamento e controle social. Ao escolher para esse projeto um formato de baixo orçamento – cerca de 2,1 milhões de dólares, contra 22 milhões de 2001 – com equipe reduzida, filmagens nas ruas de Londres e poucas cenas em estúdio adaptado, Kubrick fez uma opção estética, dialogando subjetivamente com a tradição de um cinema de violência (Roger Corman, Mario Bava, Dario Argento, Sam Peckinpah), mas que resulta em rupturas com os parâmetros da violência no cinema. Já no prólogo em que apresenta o protagonista Alex, o zoom substitui o travelling criando tensão e, paralelamente, atração pelo personagem que expressa a maldade. O uso do slow motion, quando Alex espanca seu comparsa de gangue sem nenhum motivo, cria uma coreografia da violência, em oposição ao fast motion na cena do sexo ao som de Beethoven, que aciona o mecanismo da sátira. A progressão, com planos mais próximos, movimentos de câmera, cores quentes e cortes rápidos marca a primeira parte do filme com um realismo estilizado do explícito, na escalada da brutalidade das surras e estupros seguidos de morte. Um outro realismo de inspiração quase documental é utilizado na sequência de Alex na prisão, para mostrar a violência do estado contra o indivíduo, especialmente quando ele se submete ao Método Ludovico. O mecanismo que mantém os olhos de Alex abertos é tão impactante quanto a faca que corta o globo ocular em O Cão Andaluz, de Buñuel. Tecnologias da hiper violência anunciada, com toques de surrealismo. Controvérsias e polêmicas de um filme que pode ser visto como uma metáfora das milícias digitais.

Bibliografia

    BENJAMIN, Walter. A obra de arte na era da sua reprodutibilidade técnica. IN: Benjamin e a obra de arte. Técncia, imagem, percepção. SCHOTTKR, Detlev; BUCK-MORSS, Susan; HANSEN, Miriam. Tradução Marijane Lisboa e Vera Ribeiro. Contraponto
    Editora: Rio de Janeiro, 2012.
    BARONE, João Guilherme. Tecnologias da violência e do cinema em “A Laranja Mecânica”. Correio do Povo, Caderno de Sábado, B. Reis e Silva. 30 de março de 2021, pág. central.
    HANSEN, Miriam. Benjamin, cinema e experiência. A flor azul na terra da tecnologia. IN: Benjamin e a obra de arte. Técnica, imagem, percepção. BENJAMIN, Walter; SCHOTTKR, Detlev; BUCK-MORSS, Susan; Tradução Marijane Lisboa e Vera Ribeiro. Contraponto Editora: Rio de Janeiro, 2012.
    INNIS, Harold A. The Bias of Communication. University of Toronto Press. Toronto, 1991.