Trabalhos Aprovados 2021

Ficha do Proponente

Proponente

    Tatiana Levin Lopes da Silva (-)

Minicurrículo

    Doutora em comunicação e Cultura Contemporâneas pela UFBA, onde pesquisou narrativas interativas digitais. Na mesma instituição, desenvolveu dissertação sobre o trabalho documental de Agnès Varda, tendo como foco seu olhar subjetivo e autoral. Graduou-se na PUC-RJ. Especializou-se em realização cinematográfica na NYU. Publicou com outros autores os livros Godard, Imagens e Memórias; Narrativas e Conflitos; Ouvir o Documentário: vozes, músicas, ruídos; dentre outros. É docente da UniRuy (BA).

Ficha do Trabalho

Título

    A MORTE NÃO É O FIM, AGNÈS VARDA CINESCREVE SEU TESTAMENTO ARTÍSTICO

Resumo

    Propomos fazer aproximações entre a cinescrita de Agnès Varda e o filme-ensaio para falar de temáticas recorrentes em seus últimos documentários. A cineasta adotou a ideia da câmera que escreve como uma convicção teórica e prática sobre a potência da documentação do real. Pressupomos a existência de uma espécie de “testamento artístico” que impacta e funda no espectador reflexões sobre envelhecimento e morte. Analisamos aqui os documentários As Praias de Agnès e Varda por Agnès.

Resumo expandido

    Envelhecer ou padecer de uma doença terminal não é o fim quando entra em cena o pensar retrospectivo sobre uma carreira cinematográfica como uma espécie de testamento artístico. Agnès Varda fez esse movimento de olhar para sua obra em As Praias de Agnès e Varda por Agnès, usando sua cinescrita. A escrita literária marca sua obra de forma que propomos nesta comunicação fazer aproximações entre a cinescrita de Varda e o filme-ensaio, para dialogar com a definição da autora do que seria a cinescrita e desenvolver o pressuposto do testamento artístico como temática presente nos documentários elencados. O esforço é duplo, no sentido de que há uma defesa de cunho teórico por parte de Varda e a contribuição da cineasta para um determinado imaginário.
    Derivada da caméra-stylo de Alexandre Astruc, a câmera-caneta de Varda deu a ela meios para trabalhar com associações de ideias de uma forma imaginativa. Foi nos seus últimos filmes que a cinescrita ajudou a elaborar reflexões sobre envelhecimento e morte. Estes filmes provam por meio de um pout pourri cinematográfico que a morte não é o fim porque existe um “entre” quando ficam os filmes disponíveis como herança cinematográfica cartografada. Em Varda por Agnès os processos criativos da cineasta foram abordados numa entrevista entrecortada de trechos de filmes e instalações em museus onde ela defendeu a sua cinescrita. Se tomarmos as falas da cineasta como referência teremos uma definição do termo como um processo que envolve todas as escolhas em um filme e que se dá principalmente na montagem. Ainda segundo ela, o comentário tão presente em seus últimos filmes seria uma forma de criar uma conexão com o público. Neste mesmo filme, a cineasta declarou que ao fazer 80 anos imaginou que a morte estava próxima e que havia o risco de não fazer mais filmes. É quando ela fez As Praias de Agnès, um filme testamento revisitando sua trajetória artística.
    A câmera já havia escaneado sua pele em Os Catadores e Eu com as marcas do envelhecimento, espelhando o que havia feito com seu companheiro de vida, o também cineasta Jacques Demy, pouco antes dele morrer. Planos-detalhe destacavam os brancos de seu cabelo e as manchas de sua pele. No mesmo filme, Varda reconhecia as marcas de mofo no teto de sua casa como sinal da passagem do tempo. A exploração destas diferentes texturas era decifrada na sua fala narrada em som in e off. Seu off ressoando como uma confissão sonora, como uma “voz-eu”, nomeava e resgatava o imaginário que temos de que envelhecer é morrer de alguma forma. Paradoxalmente, o contraexemplo está em As Praias de Agnès num olhar vibrante de curiosidade em relação à vida. Recordar vivências e afetos despertados pelo envelhecimento passou a ser o recorte nas narrativas documentais nas quais a cineasta abandonou outros sujeitos como personagens. Se vamos envelhecer e morrer, precisamos reconhecer a própria trajetória.
    O cinema é uma janela que permite a projeção de um imaginário que traz a possibilidade de identificação por parte do espectador. As imagens de Varda são janelas para a constatação da textura do envelhecimento, sua voz no ato reflexivo nos guia para uma experiência afetiva, afinal todos não escaparemos da morte. As obras atestam a produção artística como missão cumprida. Pode-se então morrer em paz se a vida foi produtiva. O efeito da reflexão de Varda afeta nosso imaginário de morte ao incorporar como testamento artístico a vida vivida pela arte. Reflete-se via filme e pelos filmes. Ouvimos Varda pensar envelhecimento e morte, vemos a pele dela na nossa. Findado os filmes, começa a atividade de todos nós espectadores, a ação é prolongada a partir do fim do filme em si, mas não necessariamente com uma conclusão unívoca. Uma das funções da cinescrita de Varda é a de permitir que a associação de ideias como método fílmico traga para o consciente o que estava obscuro na mente de cada um, a partir do medo ou não da morte que vai chegar.

Bibliografia

    CORRIGAN, Timothy. O filme-ensaio: Desde Montaigne e depois de Marker. Campinas, SP: Papirus, 2015.

    LEVIN, Tatiana. A “cinescrita” de Agnès Varda: Um universo subjetivo. Dissertação de mestrado – Faculdade de comunicação, Universidade federal da Bahia (UFBA). Salvador, 2009.

    MACHADO, Arlindo. O Filme-Ensaio. In: Intermídias 5 e 6. Rio de Janeiro: Concinnitas/UERJ, v. 4, n. 5, p. 63-75, 2003.

    MAFFESOLI, Michel. O imaginário é uma realidade. In: Revista FAMECOS. Porto Alegre, n. 15, p. 74-82, agosto 2001.

    MORIN, Edgar. O cinema ou o homem imaginário. São Paulo, SP: É realizações, 2014.

    RANCIÈRE, Jacques. A imagem pensativa. In: RANCIÈRE, Jacques. O espectador emancipado. São Paulo: Martins Fontes, 2012.