Trabalhos Aprovados 2021

Ficha do Proponente

Proponente

    Marina Mapurunga de Miranda Ferreira (UFRB/USP)

Minicurrículo

    Professora de Som do curso de Cinema da UFRB, onde coordena o projeto de extensão SONatório – Laboratório de Pesquisa, Prática e Experimentação Sonora. Doutoranda em Sonologia, no PPGMUS-ECA/USP, onde desenvolve pesquisa que investiga estratégias de reativação da escuta no ensino de som em cursos de Cinema. Mestra em Comunicação pela UFF, especialista em Audiovisual em Meios Eletrônicos pela UFC e realizadora audiovisual pela Escola Pública de Audiovisual de Fortaleza Vila das Artes.

Ficha do Trabalho

Título

    Da reativação da escuta na formação audiovisual

Seminário

    Cinema e Educação

Resumo

    Neste trabalho, proponho uma reflexão sobre a escuta na formação de estudantes de audiovisual. Comento sobre uma escuta automatizada que vai se modelando pelos padrões utilizados na indústria audiovisual e parto para um contexto pedagógico que se volta a uma conscientização da escuta. A partir disso, proponho algumas estratégias que chamo de “reativação da escuta”, baseadas em práticas sonoras que transitam pela arte sonora e pela música.

Resumo expandido

    As práticas sonoras ensinadas em cursos de graduação em Cinema e Audiovisual geralmente se voltam a uma produção sonora relacionada à cadeia produtiva da indústria audiovisual. Estas práticas são necessárias para que a/o estudante entenda como tem funcionado uma produção de som para o audiovisual, mas geralmente trazem poucas reflexões e discussões sobre uma ação essencial para o nosso trabalho com o som: a escuta.

    Nestas práticas convencionais, há um automatismo relacionado a uma assepsia sonora em que, na captação de som direto, busca-se um som audível e sem interferências externas às vozes dos atores. Na edição de som, eliminam os estalidos da fala, a salivação, as respirações ofegantes. Evitam-se as “falhas” da voz, entre outros mecanismos que vão se tornando padrões destas práticas. Essas práticas se modelam a um modo de fazer do mercado, que acaba sendo visto como o modo “correto” de se fazer cinema. Contudo existem outros modos de fazer e pensar cinema, e não há um modo certo ou errado.

    Me atraem esses outros modos de fazer cinema e de ensinar cinema, em que a escuta tem um papel importante tanto na formação do/da estudante enquanto realizador/a audiovisual quanto em sua formação como pessoa. Precisamos reativar a escuta, experienciá-la. Dar ouvidos a própria escuta. Stengers (2017, p. 11) propõe “reativar” no sentido de “recuperar a capacidade de honrar a experiência, toda experiência que nos importa, não como ‘nossa’, mas sim como experiência que nos ‘anima’, que nos faz testemunhar o que não somos nós”. A experimentação nos leva a descobertas, a explorar o desconhecido. Reativar implica se colocar em risco.

    Nesta apresentação, parto de um contexto não industrial, mas pedagógico que procura se distanciar de uma educação bancária que “sugere uma dicotomia inexistente homens-mundo. Homens simplesmente no mundo e não com o mundo e com os outros. Homens espectadores e não recriadores do mundo.” (FREIRE, 2016, p. 87) e busca se aproximar de uma educação libertadora, conscientizadora, em que o/a educando/a descobre e desenvolve sua própria capacidade criadora, em que educador/a e educando/a se libertam mutuamente para serem criadores de novas/outras realidades. Parto de um lugar em que os processos de criação, experimentação, sonora em sala de aula se dão por uma relação de afetos, pelas vontades de se expressar, de jogar/brincar/curtir, de construir juntas/tos.

    Poderíamos pensar tais processos de criação como insurgências micropolíticas (cf. ROLNIK, 2018)? As estratégias artísticas podem intervir na vida social e instaurar espaços para os processos de experimentação. “A intenção de insurgir-se micropoliticamente é a ‘potencialização’ da vida: reapropriar-se da força vital em sua potência criadora” (ROLNIK, 2018, p. 132). O modo de cooperação da insurgência micropolítica se dá por “ressonância entre frequências de afetos para construção do ‘comum’”. Como podemos reativar a escuta? Exercitando-a? Tornando-a consciente?

    O significado de escuta pode ir para além de um ouvir coclear. Escutar também é estar atenta a, dar ouvidos a, perceber. A escuta têm diversos modos, tipos e qualidades. Escutar o meio também é nos escutar, entendermos a partir do fora, o que há dentro. Escutar o exterior, para escutar a si mesmo (Cf. NANCY, 2014, p. 30). Para Ingold (2008, p. 28), o som não existe no lado interno, nem no lado externo de uma interface entre mente e mundo, mas ele é produzido como qualidade experimental entre perceptor e seu ambiente.

    Proponho, para a reativação desta escuta, engajada e atenta, algumas estratégias baseadas em práticas que transitam pela arte sonora e pela música, como a caminhada sonora (WESTERKAMP, 2007), a escuta profunda (OLIVEROS, 2005) e a criação de mapas sonoros (FERREIRA, 2020). Comento como algumas destas estratégias vêm sendo aplicadas no curso de Cinema e Audiovisual da UFRB e quais seus resultados.

Bibliografia

    FERREIRA, Marina. Treinar a escuta por meio de mapas sonoros em cursos de cinema e audiovisual. In: Anais do 3º CIAMI, III Encontro Regional da ANPAP NE. João Pessoa, 2020.
    FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 62 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2016.
    INGOLD, Tim. Pare, Olhe, Escute! Visão, Audição e Movimento Humano. In Ponto Urbe, 3, 2008. Disponível em: http://journals.openedition.org/pontourbe/1925 .
    NANCY, Jean-Luc. À escuta. Trad. Fernanda Bernardo. Belo Horizonte: Chão de Feira, 2014.
    OLIVEROS, Pauline. Deep Listening, A Composer’s Sound Practice. Lincoln: Deep Listening Publications, 2005.
    RANCIÈRE, Jacques. O Mestre Ignorante. Trad. Lilian do Valle. Belo Horizonte; Autêntica Editora, 2007. ROLNIK, Suely. Esferas da Insurreição. São Paulo, N-1 Edições, 2018.
    STENGERS, Isabelle. Reativar o animismo. Trad. Jamille P. Dias. Belo Horizonte: Ed. chão da feira, 2017.
    WESTERKAMP, Hildegard. Soundwalking. In: CARLYLE, A. (ed). Autumn Leaves. Double Entendre, Paris, 2007.