Trabalhos Aprovados 2021

Ficha do Proponente

Proponente

    camila machado garcia de lima (UNB)

Minicurrículo

    Camila Machado é mestra em Imagem, Som e Escrita pela Universidade de Brasília, mesma instituição em que se graduou em Comunicação/Cinema, e especialista em som pela EICTV (Cuba). Professora e pesquisadora de imaginário sonoro, criou a biblioteca sonora virtual “Sonário do Sertão”. Seus principais trabalhos com som de cinema são: Mariana não vai à Praia, Entre Parentes, Tekoha – o som da Terra, Ameaçados, Do Corpo da Terra, Valentina, Cadê Edson?, Chão, Ressurgentes e Branco Sai, Preto Fica.

Ficha do Trabalho

Título

    SONÁRIO – imaginário, patrimônio e territorialidade do acervo sonoro

Resumo

    A partir da noção de Sonário, palavra que reverbera as noções de imaginário, inventário e cenário (paisagem sonora), buscamos ouvir a produção de acervos sonoros (bibliotecas) – disponibilizados para produtos artísticos, principalmente audiovisual – como uma possibilidade de refletir sobre os territórios onde os sons são gravados, podendo assim entender as sonoridades como um inventário de importância afetiva, cultural e social, que pode ser considerado um patrimônio cultural imaterial.

Resumo expandido

    Essa pesquisa surge do projeto de formação de biblioteca virtual de sons para audiovisual (ou acervo), batizado de “Sonário do Sertão”, e que combina memória, patrimônio imaterial com tecnologias de registro e gravação. Partimos da ausência de biblioteca de sons brasileiras para uso em edição de som de filmes e, ao refletir sobre as sonoridades locais e suas importâncias culturais, afetivas, sociais, territoriais e temporais, criamos o termo “Sonário”. Ele é um neologismo que reverbera dentro de si as palavras imaginário, inventário e cenário. Na primeira possibilidade, há a troca de sua raiz de “imagin” para “son”, tensionando uma mudança de perspectiva a fim de instigar a reflexão do quanto a percepção de sons pode fazer parte do imaginário coletivo e individual. A segunda possibilidade se aproxima à noção de inventário e nos leva à formação de um acervo que compõe um arcabouço cultural, nos aproximando do patrimônio imaterial possível de ser inventariado quando nos debruçarmos nos sons. E a terceira leitura, a de cenário, vincula a sonoridade ao espaço: “a experiência acústica é de territorialidade, é uma experiência de situar-se no mundo” (REINALDO, 2005, pg 41). E essas noções todas permeiam nossa pesquisa e moldam nossa proposta de criação de bibliotecas de som.
    O deslocamento no espaço, a vivência de escuta e experiência acústica são os principais alicerces da metodologia da pesquisa. Os sons são o encontro do ouvido e da percepção corporal com as ondas sonoras que só existem em um espaço-tempo específico, seja pela acústica do local, seja pela existência cultural desses sons, tornando assim a pesquisa uma relação corpórea sensível. Essa pesquisa ocorre numa sonosfera, noção trazida por Sloterdijk (SLOTERDIJK, 2016), que pensa comunidades ligadas pelo sonoro: “trata-se da comunidade auditiva constitutiva que integra os humanos em um anel não objetivo de mútua acessibilidade. A intimidade e a publicidade têm na audição, o órgão que as interliga.” (SLOTERDIJK, 2016, pg 470). Também o caminho da razão poética (CASTRO, 2014) ajuda a decifrar, ou perceber, o universo sonoro, não descartando sua realidade mágica, suas lendas, sonhos, espiritualidade, pensando assim criativamente a partir dos elementos sonoros trazidos pelo cotidiano, pela memória, nas práticas e evocações religiosas e ritualísticas, nas músicas. Assim também nos lembra a paisagem sonora de Schafer (SCHAFER, 1997) que nos traz a necessidade de perceber todos os seus elementos: sons de origem natural, humana, industrial ou tecnológica. Além de ser vinculado ao território ou a um espaço físico definido, os sons também são uma metáfora de experiência. De acordo com Oliveira, “a performance dos sons na vida cotidiana é constituída pela memória de uma tradição cultural e constitui performance sonora cultural pela memória restaurada e reprodução de sons simbolicamente compartilhados” (OLIVEIRA, 2019, pg 164). E, inspiradas no processo de inventário do IPHAN, as importâncias que são dadas por cada comunidade e seus membros na escolha dos sons para a biblioteca foram um aspecto da orientação metodológica, no que diz respeito a “aprender os sentidos e significados atribuídos ao patrimônio cultural pelos moradores (…), tratando-os como intérpretes legítimos da cultura local” (Manual do INRC, 2000, pg 8). A “situação de diálogo que necessariamente se estabelece entre pesquisadores e membros da comunidade propicia uma troca em que todos sairão enriquecidos” (Manual do INRC, 2000, pg 19).
    A partir da pesquisa de campo e da criação de uma biblioteca de som com mais de 100 arquivos sonoros foi possível esboçar um painel do imaginário sonoro de determinados territórios e poéticas da experiência afetiva e intuitiva. E esse caminho metodológico e reflexivo propomos que seja levado em consideração ao pensar a territorialidade presente em cada biblioteca de som existente e/ou criada.

Bibliografia

    CASTRO, Gustavo e FRAVET, Florence. Comunicação e Poesia – Itinerários do aberto e da transparência. Brasília: Editora UnB. 2014.
    FELD, Steven. Sound and Sentiment: birds, weeping, poetics and song in Kaluli expression. Durhan & London, Duke University Press, 2012.
    Manual do INRC – Inventário nacional de referências culturais : manual de aplicação. Brasília: Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, 2000. – disponível em http://portal.iphan.gov.br/uploads/ckfinder/arquivos/Manual_do_INRC.pdf
    OLIVEIRA, Thais Rodrigues. Performances Sonoras: uma escuta do cotidiano goianiense. UFG, Goiânia, 2019.
    REINALDO, Gabriela. Uma Cantiga de se Fechar os Olhos…: mito e música em Guimarães Rosa. São Paulo: Annablume; Fapesp, 2005.
    SCHAFER, R. Murray. A Afinação do Mundo. São Paulo: Fundação Editora da UNESP,
    1997.
    SLOTERDIJK, Peter. Esferas – Volume I – Bolhas. São Paulo: Estação Liberdade, 2016.