Trabalhos Aprovados 2021

Ficha do Proponente

Proponente

    Leonardo Fernandes Motta (UFRJ)

Minicurrículo

    Formado em Cinema pela PUC-Rio, Mestre em Comunicação pela UFRJ, com pesquisa sobre as mutações da imagem na contemporaneidade a partir das novas mídias. Em outra linha de investigação, pesquisa a relação entre as novas tecnologias e a formação de subjetividades na contemporaneidade.

Ficha do Trabalho

Título

    O documentário de Agnès Varda: um percurso entre o filmar e o brincar

Resumo

    Analisamos os filmes documentais de Agnès Varda em sua sobreposição entre vida, narração e invenção de situações cotidianas. Nosso enfoque, sobretudo, se coloca sobre as situações criadas pela diretora e suas intervenções no domínio do filme, a partir de um gesto que associamos à brincadeira e a experiência do brincar. Para tanto, analisamos cenas de filmes da artista em associação às considerações de Gilles Deleuze e Félix Guattari acerca de um devir-criança vital à atividade criadora.

Resumo expandido

    Os documentários de Agnès Varda situam-se em um território singular, aonde o documental, em seu caráter ensaístico, encontra-se muitas vezes ligado ao lúdico e ao humor. Concentra em sua obra, assim, momentos singulares de construção cênica e dramaturgia que corroboram uma concepção estética particular à autora.

    Em filmes como Meu tio Yanco (1967), Os catadores e eu (2000), As praias de Agnès (2008) e outros, a artista realiza em diversas cenas intervenções explícitas que introjetam um elemento subjetivo singular e afetivo no registro documental. A cineasta se mune, assim, de determinadas posições estéticas que remetem às possibilidade de uma brincadeira e à experiência do brincar. Elencamos algumas no presente artigo, em associação às considerações de Gilles Deleuze e Félix Guattari (1998), referentes a um devir-criança essencial à experiência criadora.

    Em primeiro plano, analisamos a narração de Varda e seu agenciamento com as imagens. Esta articulação é composta por uma forma de voz off que realiza diversas ações: indaga, acusa, aponta singularidades e apresenta o humor particular da cineasta, a partir de situações destacadas em cena. A narração coloca-se, assim, como forma direta de intervenção no elemento fílmico, muitas vezes seguida por um jogo dinâmico de reenquadramentos.

    Este elemento aparece, por exemplo, em Os catadores e eu (2000) sob algumas configurações. Em um momento, na estrada, a diretora brinca de capturar os caminhões que observa na viagem. De forma lúdica, filma a passagem dos automóveis e com sua mão simula um gesto de captura que repete-se continuamente, como em uma brincadeira de criança. Neste movimento, os caminhões passam a representar objetos de uma segunda passagem. Não apenas na estrada, como um caminho de fluxo, mas um elemento cênico particular que faz da viagem em si uma brincadeira, e que abre passagem a um outro caminho na imagem documental. Momentos assim são preementes em diversas cenas nos filmes da diretora, carregando força reflexiva e poética a sua obra, ao trabalhar novos elementos entre as imagens.

    Em um segundo plano, interessa-nos o momento em que a autora cria situações específicas e materiais dentro da mise-en-scène, revelando outra concepção possível a um devir-criança que carrega o brincar. É o caso em As praias de Agnès (2008), quando é montado no meio da rua uma simulação da praia, com areia e cadeiras, junto às assistentes que trabalham no filme. Ou quando, em Meu tio Yanco (1967), observamos a uma teatralização do encontro entre sobrinha (Varda) e tio, a partir de uma série de curtas encenações.

    Em ambos os planos de exposição escolhidos para análise, trazemos a concepção do brincar enquanto elemento essencial de intervenção narrativa. A sensibilidade cinematográfica de Agnès Varda apresenta-se, assim, como um devir-criança em sua abertura. É das crianças a invenção e a criatividade em enveredar pelo universo relacional dos jogos e do brincar. Este imaginário da criança é o das afecções sensíveis, dos agenciamentos desterritorializantes e da invenção de linguagens para as relações vividas (DELEUZE, 1998). Um devir-criança não busca o verdadeiro, mas sobretudo experimenta, cria e deixa-se afetar. Não se prende a identidades e limites, pois embarca na experimentação e na relação. À territorialização intrísenca à representação, busca linhas de fuga e formas de expressão (DELEUZE, 1998).

    É neste viés da experimentação e da inventividade que enveredamos em uma análise dos filmes da autora, buscando pontos de dobra e torção no registro documental que revelam uma estética ensaística e pessoal, não apenas vivida, mas também encenada em seu devir.

Bibliografia

    BAZIN, André. O que é o cinema? São Paulo: Ubu editora, 2018.

    BENJAMIN, Walter. Obras escolhidas v. 1: magia e técnica, arte e política. 8 ed. São Paulo: Brasiliense, 2012.
    __________. Reflexões sobre a criança, o brinquedo e a educação. São Paulo: Duas Cidades; Editora 34, 2012.

    DELEUZE, Gilles. A imagem-movimento. São Paulo: Editora 34, 2018.
    __________. A imagem-tempo. São Paulo: Brasiliense, 2013.
    __________. Conversações. São Paulo: Editora 34, 2002.

    DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Mil platôs. Vol 1-5. São Paulo: Editora 34, 1998.

    WINICOTT, Donald. O brincar e a realidade. Rio de Janeiro: Imago Editora, 1975.

    XAVIER, Ismail. O discurso cinematográfico: a opacidade e a transparência. 3 ed. São Paulo: Paz e Terra, 2005.