Trabalhos Aprovados 2021

Ficha do Proponente

Proponente

    Gabriel Filgueira Marinho (ESPM)

Minicurrículo

    Documentarista formado em Cinema pela UnB e Mestre em História pela UFF, dirigiu filmes e séries exibidos em festivais nacionais e internacionais. Também trabalhou como assistente de direção e pesquisador de imagens arquivos para cinema e TV.
    Por 5 anos, foi produtor executivo da TV ESCOLA no desenvolvimento de conteúdo com produtoras independentes. Atualmente é professor de graduação em Cinema da ESPM, lecionando as disciplinas de televisão, documentário e representatividade no audiovisual.

Ficha do Trabalho

Título

    Arqueologia das imagens no documentário histórico de Raoul Peck

Seminário

    Cinemas negros: estéticas, narrativas e políticas audiovisuais na África e nas afrodiásporas.

Resumo

    Algumas das dificuldades na realização de documentários de arquivo são a síntese do silêncio ensurdecedor dos arquivos e cinematecas quando requisitados a colaborarem com a história da população preta. A partir da arqueologia da iconografia pesquisada pelo cineasta Raoul Peck em seu documentário de estreia, “Lumumba: a morte do profeta” (1990), esse trabalho pretende mapear as relações tensas entre essas instituições de memória e a demanda por uma História negra no cinema documentário.

Resumo expandido

    Ao longo de um século, os documentários construídos a partir de arquivos foram palco de uma infinidade de narrativas. No entanto, embora suas temáticas e abordagens sejam variadas, esse cinema mostrou uma predileção especial por narrar as macrohistóricas nacionais e colocar em evidência (os mesmos) personagens centrais da memória hegemônica. Essa recorrência não é gratuita. A matéria-prima desses filmes – o found footage – têm lógicas próprias de agenciamento, produção, preservação e restauração. Lógicas atravessadas por marcadores raciais e coloniais. A pouca presença de corpos pretos nos acervos das instituições de memória constitui um desafio para a construção de narrativas não-brancas para os realizadores engajados com essa tradição de documentários. Em última instância, essa condição torna os arquivos, cedocs e cinematecas espaços pouco convidativos para pensar um cinema negro. Ou uma História negra no cinema.
    Diante deste cenário, reconstruímos o caminho de pesquisa percorrido pelo cineasta afrodiaspórico Raoul Peck para a realização de seu primeiro filme de não-ficção, “Lumumba: a morte do profeta” (França, 1990). Uma obra localizada na tradição do documentário de arquivo e que contornou os desafios de extrair a iconografia de um protagonismo negro de instituições organizadas por uma editoria nacional, colonial e branca. Um trabalho que resultou na cinebiografia de Patrice Lumumba (1925-1961), líder político pela independência do Congo. Quais acervos foram visitados? Como estavam organizados? Que materiais lhe foram negados? Trata-se da continuidade de um estudo iniciado em 2018 a respeito da linguagem do diretor de origem haitiana na forma como esse constrói o passado em suas narrativas documentais. Aqui, estamos interessados em reconstruir seu percurso por diferentes instituições de memória, mapeando seu caminho na pesquisa e negociação desses espaços.
    Nessa pesquisa, nos perguntamos por que as imagens de arquivo pesquisadas e licenciadas para o filme de Peck vieram principalmente de três países: França, Bélgica e Alemanha? Entre eles, o Musée Roayal de l’Afrique Centrale, o INA – Institut National de l’Audiovisuel e a BRT – Belgische Radio en Televise. As três maiores fontes visuais e nenhuma delas do próprio Congo. Quais são as implicações de espaços estrangeiros monopolizarem o acesso a nossa memória?
    Ainda sobre o tema da raridade dos registros audiovisuais — e sobre seu monopólio —, nos minutos finais do documentário, temos a imagem em movimento de Lumumba logo após sua captura. Ao usá-lo, o diretor preferiu preservar o cinejornal do qual extraiu o registro quase integralmente, indicando assim a fonte do conteúdo. Com o título de “Lumumba arrested”, seu locutor original descreve as imagens com uma narração onisciente e onipresente. O material de 1961 da British Movietone News dá o tom da celebração do momento da prisão de Patrice Lumumba a partir do olhar de instituições interessadas em manter a ideologia colonial. A trilha sonora é, para dizer o mínimo, apoteótica. Trinta anos depois, quando Peck requeriu esse mesmo conteúdo para imprimir um novo olhar sobre essas imagens, não lhe é negado o acesso. Mas teve um preço. Na época, três mil dólares pelo minuto. Em valores correntes de 2020, aproximadamente cinco mil e setecentos dólares. Esse foi o preço da ressignificação das imagens usadas. Ou do acesso a própria a memória.
    Esse mapeamento, chamamos de arqueologia. E sobre ela pesam alguns entrecruzamentos importantes sobre as teorias de arquivo e o pensamento afrodiaspórico. Afinal, a problemática das ausências levantada por Carolyn Steedman ao tratar do espaço dos arquivos precisa ser repensada à luz de uma alienação racial socialmente construída que trata Franz Fanon. Da mesma forma, um espaço desenhado para conservar a memória nacional precisa de uma revisão crítica de Stuart Hall sobre identidades diaspóricas. Que memórias estão ali?

Bibliografia

    BAMBA, M. MELEIRO, A. (orgs.). Filmes das África e da diáspora. Objetos de Discursos. Salvador: EdUFBA, 2012
    BARON, Jaimie. The archive effect: found footage and the audiovisual experience of History. London: Routledge, 2014
    BERNARDET, Jean-Claude. A migração das imagens. In TEIXEIRA, Francisco Elinaldo (org). “Documentário no Brasil: tradição e transformação”. São Paulo: Summus Editorial. 2004.
    BOYM, Svetlana. The Future of nostalgia. Nova York: Basic Books, 2001.
    HALL, Stuart. Da Diáspora: identidades e mediações culturais. Editora UFMG: Belo Horizonte, 2018
    LE GOFF, Jacques. História e Memória. Campinas: Editora Unicamp. 2005
    LEYDA, Jay. Films beget films: a study of the compilation films. Editora Hill & Wang. Nova York. 1971
    PECK, Raoul. Stolen images. Seven Stories Press: New York, 2012
    STEEDMAN, Carolyn. Dust: the archive and cultural history. New Brunswick: Rutgers University Press. 2002