Trabalhos Aprovados 2021

Ficha do Proponente

Proponente

    Patricia Rebello da Silva (UERJ)

Minicurrículo

    Professora adjunta da Faculdade de Comunicação Social da UERJ (FCS/UERJ) e do programa de pós-graduação em Comunicação Social (PPGCom/UERJ) desde 2014. Editora chefe da revista Logos: Comunicação e Universidade desde 2018. Atuação no comitê de seleção das mostras competitivas de curta-metragem nacional e internacional do É Tudo Verdade Festival Internacional de Documentários desde 2008. Atuação em docência, debates, seminários e mesas com temas relacionados ao filme documentário.

Ficha do Trabalho

Título

    A história dos filmes espantados: o documentário, o ensaio, o silêncio

Seminário

    Cinema Comparado

Resumo

    Notório pelo processo de auto-elaboração da fala, a produção contemporânea do filme ensaio se notabiliza pela incorporação da pausa e do silêncio como elementos de pontuação narrativa, viabilizando “no intervalo entre linguagens”, o discurso sobre o espanto e sobre a falta de sentido. O silêncio e a pausa como estratégias de discurso em documentários ensaísticos como “Diário de uma busca”, “História de um olhar”, “Retratos de identificação” e “Luz Obscura” é o que essa fala pretende elaborar.

Resumo expandido

    Foi em torno de meados dos anos 1920 que o cinema olhou pela primeira vez para o seu próprio passado. Durante uma projeção no Studio des Ursulines, berço do cinema de vanguarda francês, René Clair, ainda sob o impacto de um programa de cinco minutos composto por curtas-metragens, indaga em suas notas se acaso “não iria o tempo roer dos filmes de amanhã da mesma maneira que o fez com os de ontem e, despojando-os de toda verossimilhança, deixar no lugar um esqueleto cômico”. Já no rastro dos movimentos sociais e civis dos anos 1960, o cinema começa, então, a sentir inveja do seu próprio presente, e a pensar, como escreve Weinrichter, a respeito de um possível “antídoto contra o cansaço da ficção e contra a sujeição do documentário à problemática ideia de representação da realidade em vez de propor-se como um discurso sobre o real”. Se uma noção de filme-ensaio só pode florescer, e ser apreciada, continua Weinrichter, em um contexto de crise da imagem, onde a escrita ensaística surge como “uma forma de maturidade da expressão cinematográfica”, como lidar com o vazio da queda em um mundo onde a própria imagem – assim como seu veloz circuito de (re)produção – se encarrega de explodir qualquer noção de temporalidade? Falante e provocador, sempre reflexivo e avant la lettre, o ensaísta em sua gênese é aquele que legitima a auto narração como produção de sentido, que elabora a fala como uma performance, um acontecimento em si. O ensaio é uma escrita de resistência, subversiva e subjetiva, processo de auto elaboração como opção ao abismo das escritas elegantes que acreditam em resultados.
    Contudo, como escreve Didi-Huberman, basta o intervalo entre duas línguas “para que a percepção ilumine [o próprio instante da] a percepção em si”. Foi no processo ensaístico de elaboração da fala que Michel de Montaigne descobre que, ao contrário do que imaginava, uma vez livre dos compromissos e das rotinas, o pensamento, agindo como cavalo fugido “dá cem vezes mais livre curso a si mesmo do que daria a outros, e engendra-me tanas quimeras e monstros (…) sem ordem e sem propósito”. À imensidão do ruído do pensamento selvagem, uma outra forma de percepção e comentário reinventa a liberdade do ensaísta: o silêncio. No final dos anos 1960, escrevendo sobre a potência do silêncio, Susan Sontag enxerga nessa “zona de meditação” o último gesto de liberdade do artista. O silêncio como decisão é, em si, talvez o mais poderoso comentário do artista enquanto presença. E por isso talvez qualquer possibilidade de reconhecimento e perseguição de sentidos passe necessariamente pelo lugar da pausa, pelo silêncio como recurso narrativo paradigmático de uma forma de cinema notória pelo uso da narração em off.
    Essa comunicação surge da indiscutível vitalidade da forma ensaio no documentário contemporâneo, e pela recorrência do uso de silêncios e pausas pensados como estratégias de discurso em filmes como “Diário de uma busca” (2010), “Retratos de identificação” (2014), “Luz Obscura” (2017) e História de um olhar” (2019). Todos eles, produções importantes não só pela atualização e amadurecimento da forma ensaio, mas especialmente para a realização urgente, e indispensável, de um pensamento coletivo.

Bibliografia

    CAGE, John. Silêncio: conferências e escritos. RJ: Cobogó, 2019
    COMOLLI, Jean-Louis, SORREL, Vincent. Cinéma: mode d’emploi. Paris: Editions Verdier, 2015
    DIDI-HUBERMAN, Georges. Aperçues. Paris: Les Éditions de Minuit, 2018
    FOVEAU, Georges. Le chamanisme au cinéma. Aix en Provence: Institut de L’image, 2000.
    MONTAIGNE, Michel de. Ensaios. SP: Companhia das Letras, 2010.
    SONTAG, Susan. A vontade radical. SP: Companhia das Letras, 1987
    PIRES, Paulo Roberto (org). Doze ensaios sobre o ensaio (antologia Serrote). São Paulo: IMS, 2018
    VASSILIEVA, Julia, WILLIAMS, Deane (org). Beyond the essay film: subjectivity, textuality and technology. Amsterdam: Amsterdam University Press, 2020
    WEINRICHTER, Antonio. La forma que piensa: tentativas en torno al cine-ensayo. Pamplona: FPGN, 2007