Trabalhos Aprovados 2021

Ficha do Proponente

Proponente

    Luiz Carlos Oliveira Junior (UFJF)

Minicurrículo

    Professor adjunto do Curso de Cinema e Audiovisual da Universidade Federal de Juiz de Fora e do Programa de Pós-graduação em Artes, Cultura e Linguagens (IAD-UFJF), além de professor colaborador do Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais da ECA-USP. Autor do livro A mise en scène no cinema: do clássico ao cinema de fluxo (Papirus, 2013).

Ficha do Trabalho

Título

    Frontalidade e absorção: dois paradigmas representacionais

Seminário

    Cinema Comparado

Resumo

    A proposta desta comunicação é confrontar dois paradigmas de representação que marcam a história do cinema desde suas origens: frontalidade e absorção. Partiremos das noções de absorção e frontalidade tal como formuladas pelo historiador da arte Michael Fried em seus estudos sobre as relações entre pintura e observador nos séculos XVIII e XIX, sem perder de vista as problematizações conceituais e históricas implicadas pela transposição desse modelo teórico de um campo disciplinar para outro.

Resumo expandido

    Nos primeiros anos do cinema, a tela olhava para o espectador, cuja presença era reconhecida por aqueles que, na imagem, protagonizavam o espetáculo. O filme interpelava a plateia de frente, jogava abertamente com seu caráter de performance e exibição, convidava o espectador ao riso ou ao choque, configurando o que Tom Gunning (1990) designou como “cinema de atrações”. Mais tarde, durante o período de integração narrativa, tal frontalidade exibicionista se trocaria por um ilusionismo voyeurista, implicando uma dramaturgia fechada, uma autossuficiência do mundo representado, sem comunicação direta com o público. A realidade diegética pouco a pouco se tornaria um mundo à parte: uma barreira imaginária se interporia entre a plateia e o universo da ficção, precondição do efeito-janela do retângulo cinematográfico e de sua ilusão de realidade.
    Definem-se, assim, dois regimes estéticos, dois paradigmas de representação que não cessariam de se opor ao longo da história do cinema: de um lado, uma estratégia de afrontamento, uma imagem que interpela o espectador; do outro, um registro absortivo, uma imagem que não se dirige ao espectador senão no “modo denegatório” (AUMONT, 2004, p. 49).
    Esses dois paradigmas ecoam as noções de frontalidade e absorção investigadas por Michael Fried em seus estudos sobre as relações entre pintura e observador. Das pinturas de Chardin da década de 1730 às de Manet a partir de 1863, Fried observa uma transição entre um regime de absorção – caracterizado por suspensão da ação e captura da atenção, com o mundo representado se retraindo para dentro de si mesmo e fingindo ignorar a existência de um observador – e “uma estrutura de face a face” (FRIED, 2000, p. 169), em que a impressão de instantaneidade se substitui à temporalidade cumulativa do registro absortivo e a pintura se apresenta como uma superfície que encara o espectador.
    Embora devamos ter cautela ao empregar um modelo teórico elaborado para outro campo disciplinar, é preciso notar que a pesquisa de Fried repousa muito menos em uma análise histórica do que na proposição de um paradigma para se pensar a relação entre imagem e espectador, o que a torna pertinente em contextos diversos. Assumindo, portanto, que os termos de Fried constituem conceitos operativos na área da hermenêutica estética, mais do que definições de escolas estilísticas historicamente situadas, podemos transpô-los para uma análise comparativa entre formas cinematográficas de absorção e face a face.
    A discussão não se restringe ao contexto do primeiro cinema, quando da já mencionada passagem do “cinema de atrações” para a narrativa realista pós-griffithiana. Na verdade, a oposição entre frontalidade e absorção se desenvolve, sobretudo, dos anos 1960 em diante, com duas formas de radicalidade estética despontando nos cinemas modernos: uma estética de frontalidade (Godard, Varda, Sganzerla, Resnais, Schroeter, Oliveira etc.), que tem no olhar-câmera – no primeiro plano de um ator que encara diretamente o espectador – uma de suas figuras de estilo mais recorrentes, e um cinema de absorção, que compreende filmes de duração lenta, sem curva dramática expressiva, com personagens absortas em pequenas ações do cotidiano ou em situação de autoabandono, entregues à pura passagem do tempo. Essa estética de absorção – que tem Chantal Akerman como ponta de lança – se tornaria uma das tendências predominantes do cinema autoral entre meados dos anos 1990 e primeira metade dos anos 2010. Podemos pensar em Tsai Ming-liang, Lisandro Alonso, James Benning, Wang Bing, Hou Hsiao-hsien, entre outros.
    O objetivo desta comunicação é confrontar os paradigmas representacionais de absorção e frontalidade a fim de obter, pelo método comparativo, um possível caminho para compreender algumas linhas de força do cinema contemporâneo. Tomaremos dois filmes brasileiros da última década como exemplos: Mulher à tarde (Affonso Uchoa, 2010) e Vaga carne (Grace Passô e Ricardo Alves Júnior, 2019).

Bibliografia

    AUMONT, Jacques. O olho interminável. São Paulo: Cosac & Naify, 2004.

    BURCH, N. Life to those Shadows. Berkeley: University of California Press, 1990.

    FRIED, Michael. Absorption and theatricality: painting and beholder in the age of Diderot. Berkeley: University of California Press, 1980.

    ______. Le modernisme de Manet. Paris: Gallimard, 2000.

    GUNNING, T. “The cinema of attractions: early film, its spectator and the avant-garde”. In: ______. (org.). Early cinema: space-frame-narrative. Londres: BFI, 1990, p. 56-62.

    HOLLY, Michael Ann. “Wölfflin and the Imagining of the Baroque”. In: BRYSON, Norman; HOLLY, Michael Ann; MOXEY, Keith (orgs.). Visual culture: images and interpretations. Hanover: Wesleyan University Press, 1994, p. 347-364.

    MARGULIES, Ivone. Nada acontece: o cotidiano hiper-realista de Chantal Akerman. São Paulo: Edusp, 2016.

    WÖLFFLIN, Heinrich. Conceitos fundamentais da história da arte. 3ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000.