Trabalhos Aprovados 2021

Ficha do Proponente

Proponente

    Leonardo Bomfim Pedrosa (PUCRS)

Minicurrículo

    Jornalista, mestre e doutorando na Escola de Comunicação, Artes e Design da PUCRS. Programador da Cinemateca Capitólio e da Sala P. F. Gastal em Porto Alegre. Editou o catálogo da mostra Nouvelle Vague tcheca: o outro lado da Europa. No mestrado, desenvolveu pesquisa sobre o cinema moderno. Atualmente pesquisa as possibilidades da ficção no cinema contemporâneo.

Ficha do Trabalho

Título

    As curvas da estrada: a metamorfose em filmes de recomeços narrativos

Resumo

    Uma investigação sobre a recorrência de imagens de estradas em filmes realizados após o centenário do cinema que apresentam recomeços narrativos, como A Estrada Perdida (Lost Highway, 1997), de David Lynch, Eternamente Sua (Sud Sanaeha, 2002), de Apichatpong Weeasethakul, A Cara Que Mereces (2004), de Miguel Gomes, À Prova de Morte (Death Proof, 2007), de Quentin Tarantino, e Garoto (2015), de Julio Bressane.

Resumo expandido

    Se você pretende saber quem eu sou…
    Roberto Carlos, 1969

    Identificamos a recorrência de um traço bastante particular em obras com diferentes propostas estéticas, produzidas após o centenário do cinema em contextos variados: a ideia de que a narrativa de um filme pode recomeçar ao longo da projeção. Nesse recomeçar, a nova narrativa que irrompe nos leva a pensar no que havia antes, no filme que aparentemente ficou para trás. Surge, assim, uma inquietação próxima das preocupações do escritor argentino Jorge Luis Borges (2007) – pois aventura a possibilidade do jogo de contradições e convergências que desdobra um uno em uma multiplicidade. Obras de realizadores como Apichatpong Weerasethakul, David Lynch, Hong Sang-soo, Abbas Kiarostami e Miguel Gomes, só para citar alguns, provocam uma interrogação semelhante: um mesmo mundo pode existir de uma outra forma?
    Em um conjunto de filmes que apresentam recomeços narrativos, como A Estrada Perdida (Lost Highway, 1997), de Lynch, Eternamente Sua (Sud Sanaeha, 2002), de Apichatpong, A Cara Que Mereces (2004), de Gomes, À Prova de Morte (Death Proof, 2007), de Quentin Tarantino, e Garoto (2015), de Julio Bressane, há uma presença significativa: as imagens de estradas e suas respectivas curvas.
    Em Eternamente Sua e A Cara Que Mereces, essas imagens evocam, num sentido literal, a ideia de uma passagem: há personagens adoentados que literalmente pegam a estrada e vão para outro lugar. O que nos chama atenção é que as curvas da estrada não encaminham apenas uma mudança territorial, mas, acima de tudo, uma metamorfose cinematográfica. Na obra de Apichatpong, há uma provocação entre começo e recomeço, já que os créditos iniciais surgem aos quarenta e cinco minutos, quando os personagens estão no meio da viagem, numa espécie de intervalo entre as duas partes apresentadas, o filme pré-créditos dedicado à observação dos incômodos cotidianos e o filme pós-créditos que respira junto com os personagens em sua tarde de momentos intensos na floresta. Na obra de Gomes, a estrada noturna antecipa a aparição de uma segunda parte, intitulada Sarampo, que interrompe a narrativa anterior e redefine completamente o filme – há a introdução de sete novos personagens, em uma brincadeira com a história da Branca de Neve e os Sete Anões.
    Em A Estrada Perdida, podemos considerar a imagem da estrada como uma espécie de leitmotiv visual. Sua presença em uma cena chave também encaminha uma metamorfose literal, a do protagonista encarcerado que misteriosamente torna-se outro homem; e narrativa, já que o filme, a partir desse acontecimento, passará a acompanhar o cotidiano do novo personagem. Em À Prova de Morte, a estrada evoca a ideia de um lugar de choque, de atrito. Nela, um acidente de carro provocado por um dublê que deseja assassinar um grupo de jovens garotas faz com que o filme seja interrompido de forma violenta. Mas há um recomeço: um novo grupo de garotas e, mais adiante, outro encontro com o assassino na estrada.
    Garoto é o único filme de recomeço narrativo analisado aqui que não situa a imagem da estrada em relação a uma ação motorizada. Nela, um casal se desentende após um acontecimento violento e inesperado que interrompe o avançar da narrativa. Quando o garoto corre para a curva da Rua Aperana e desaparece, o filme é redefinido abruptamente no plano seguinte: o piquenique na relva no dia dos prazeres compartilhados fica para trás; entra em cena a andança sem fim de um casal desagregado num cenário desértico e petrificado.
    Na apresentação, analisaremos como cada obra recorre às imagens de estradas para anunciar ou concretizar seus recomeços narrativos, buscando a relação provocada pelos próprios filmes com a aparição de imagens semelhantes em outros momentos da história do cinema; das “corridas sem fim” dos anos 1960 e 70 às pioneiras experimentações em torno da ideia de movimento, com os planos de travelling phantom ride realizados ainda no século dezenove.

Bibliografia

    AUMONT, Jacques. Fictions filmiques: comment (et pourquoi) le cinema raconte des histoires. Paris: Vrin, 2018
    BORGES, Jorge Luis. Ficções. São Paulo: Companhia das Letras, 2008
    EDMOND, John Duncan. Moving landscapes: travelling shots of location in narrative film, 2015. Tese: The University of Queensland, 2015.
    JOUSSE, Thierry. Masters of cinema: David Lynch. Paris: Phaidon Press, 2010.
    QUANDT, James (ORG). Apichatpong Weerasethakul. Viena: Synema, 2009.