Trabalhos Aprovados 2021

Ficha do Proponente

Proponente

    Mariana Dias Miranda (PPGCOM/UFRJ)

Minicurrículo

    Doutoranda em Comunicação e Cultura pelo Programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (PPGCom/UFRJ). Mestre em Cinema pelo Programa de Pós-Graduação em Cinema e Audiovisual da Universidade Federal Fluminense (PPGCine/UFF): diasmariana@id.uff.br

Ficha do Trabalho

Título

    Paradoxos da visibilidade: a melancolia da imagem no databending

Resumo

    Através da análise da instalação “Íntegro” (2017, Gisela Motta e Leandro Lima) e do vídeo “Digital Decay III (2007, Claire Evans)”, este trabalho propõe explorar a dimensão formal da melancolia pela técnica do datamoshing. Ao deliberadamente corromper e degradar a imagem, ambos evidenciam a materialidade do digital e, simultaneamente, deixam entrever uma temporalidade ligada a dissolução e ruína. Desse modo, elaboram sobre o problema estético da expressão da ausência e da perda no cinema.

Resumo expandido

    Desde o surgimento das tecnologias da imagem, estas são deslocadas e problematizadas no sentido de explorar outras possibilidades estéticas para além do dispositivo hegemônico do cinema e modelo de representação por ele estabelecido, isto é, enfatizando a opacidade do meio (PARENTE, 2013). Desse modo, são vários os exemplos de artistas que propositalmente provocam falhas ao fazerem o “mau-uso” das funções normatizadas da imagem e criam rupturas na transparência do dispositivo cinematográfico: desde as vanguardas artísticas dos anos 1920, os Rayographs de Man Ray, os processos de ranhura da película feitos nas animações de Norman McLaren, entre outros.
    Inserida no campo de experimentação da videoarte e também relacionada, de modo geral, ao que ficou conhecido como glitch art, a técnica do databending (também chamado de datamoshing ou bleeding pixel) faz parte dessa dinâmica ampla de exploração para além dos limites da interface do dispositivo cinematográfico. De modo geral, essa consiste na perda de dados e quebra de pixel, provocada deliberadamente pelos artistas na alteração do processo de compressão de dados da imagem. Elimina-se (ou substitui por outro) o keyframe (também denominado de “frame Íntegro”), deixando por fim uma série de p-frames (delta frame), muitas vezes também duplicando-os. Como o primeiro armazena a totalidade dos dados da imagem e o segundo somente aquilo que varia ou se altera nesta, o resultado é um tipo de efeito estético análogo ao glitch, mas que se modifica exclusivamente nas variações de movimento, deixando uma espécie de rastro e criando um tipo de fusão entre os elementos em cena no lugar do corte da montagem clássica. Com isso, gera-se um amálgama de cores que entram em choque com as formas representadas.
    Ao colocar em evidência a compressão da informação de uma imagem, um dos aspectos também levantado pela experiência estética do datamoshing é a contraposição a mitologia da reprodutibilidade infinita e indestrutibilidade no digital, ou seja, da informação digitalizada como imune a corrosão e desgaste pelo tempo. Um exemplo disso é o do artista Douglas Davis (1995), que, em seu ensaio “The Work of Art in the Age of Digital Reproduction”, propõe em uma exaltação das chamadas “novas mídias”, típica dos anos 1990, que graças às ferramentas de alteração da imagem e reprodução, o digital não ocasionaria perda, pelo contrário, amplificaria as qualidades e características de uma obra sem danos.
    A partir desse contexto, a presente proposta tem como objetivo explorar a complexa relação entre o tipo de experimentação com a materialidade da imagem articulada pelo datamoshing com o problema clássico da expressão e evidenciação de uma temporalidade própria da ausência e da morte. De acordo com Brinkema (2014, p.54), a melancolia da perda é retratada na história do pensamento ocidental como uma “problemática da visão e visibilidade” pois se relaciona com o paradoxo de uma presença ausente, implicando, desse modo, em um problema de representação.
    Laura Marks (2002) também identifica a relação entre a deterioração e melancolia ao analisar uma série de produções em vídeo nos anos 1990 que exploram a diminuição de visibilidade com o propósito de criar tensão entre o aspecto figurativo da imagem e a perda gerada pelo próprio dispositivo. Essas “imagens do desaparecimento”, ao ressaltarem a materialidade do meio, criam uma experiência háptica na qual o tempo e duração própria da dissolução e morte se evidenciam.
    Neste sentido, propõe-se, através da análise da instalação “Íntegro” (2017, Gisela Motta e Leandro Lima) e do vídeo “Digital Decay III” (2007, Claire Evans), que, ao lidarem com o databending explorando o modo particular de decadência do meio, criam um tipo de melancolia estética atualizado na experimentação da forma. Em síntese, evidenciam pela “forma-afeto” (BRINKEMA, 2014) a experiência de uma espécie de “contemplação da morte” (não mórbida, mas como processo natural e histórico).

Bibliografia

    BARTHES, Roland. A câmara clara: nota sobre a fotografia. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984.
    BENJAMIN, Walter. Obras Escolhidas I: Magia, técnica Arte e Política. São Paulo: Brasiliense, 1985.
    BRINKEMA, Eugenie. The forms of the affects. Durham: Duke University Press, 2014.
    BROWN, William; KUTTY, Meetali. Datamoshing and the emergence of digital complexity from digital chaos. Convergence: The International Journal of Research into New Media Technologies, [S.L.], v. 18, n. 2, p. 165-176, 15 fev. 2012.
    DAVIS, Douglas. The Work of Art in the Age of Digital Reproduction (An Evolving Thesis: 1991-1995). Leonardo 28, no. 5 (1995): 381-86.
    FREUD, Sigmund. A história do movimento psicanalítico, artigos sobre a metapsicologia e outros trabalhos (1914-1916). Rio de Janeiro: Imago, 2006.
    MARKS, Laura. Touch: sensuous theory and multisensory media. Minneapolis: University Of Minnesota Press, 2002.
    PARENTE, André. Cinemáticos. Rio de Janeiro: +2, 2013.