Trabalhos Aprovados 2021

Ficha do Proponente

Proponente

    Vladimir Lacerda Santafé (UERJ)

Minicurrículo

    Vladimir L. Santafé é doutor em Comunicação e Cultura pela UFRJ (2019), pós-doutorando em Filosofia pela UERJ, possui mestrado em Comunicação e Cultura pela UFRJ(2011), graduação, bacharel e licenciatura em Filosofia pela UERJ (2006) e graduação em Cinema pela UNESA (2001). Tem experiência na docência de Filosofia e Teoria daComunicação, na educação básica e universitária, atuando principalmente nos seguintes temas: ética e política, filosofia da educação, estética e teoria da imagem.

Coautor

    Bruno Fabri Carneiro Valadão (UFRJ)

Ficha do Trabalho

Título

    A terra e os transes: subjetividades políticas no cinema de Glauber

Resumo

    Em Terra em Transe (1967) de Glauber, o “fascismo à brasileira” se encarna em Porfírio Diaz, um fascismo plural e sincrético, onde o conservadorismo aparece de forma híbrida: carnavalesco e produtivo. Diaz encarna esse enunciado e poder de visibilidade de forma alegórica. O filme está sempre em transe, assim como suas personagens, mas o transe de Diaz e de Paulo Martins é bem diferente do transe assumido no cenário político atual, ou seja, o “transe bolsonarista”.

Resumo expandido

    Como o cinema brasileiro lida, ontem e hoje, com o autoritarismo e o projeto de poder genocida que sempre marcou a nossa história? Parece-nos que há algo de híbrido neste “necroprojeto” multissecular. Os mais diversos sincretismos, que marcam a nossa cultura, perpassam também por aquilo que poderíamos nomear como um “fascismo à brasileira” muito bem filmada por Glauber Rocha em Terra em transe (1967). Um “fascismo sincrético” expresso na clássica cena da praia, em que cada um dos avatares deste tipo de dominação, a saber, o “índio”, o “negro”, o “padre” e o “carnavalesco” vêm compor a cerimônia em que o “branco” (Diaz) finca uma enorme cruz, tomando posse do paraíso. Glauber compreendeu muito bem este sincretismo e criou, em diversas oportunidades, um jogo em que os mais diversos caracteres falam, berram, mas não “dialogam” minimamente entre si; os personagens Paulo e Sara são os únicos a “ver” esse delírio sincrético, em que o transe mata o dialogismo de vozes tão múltiplas, construindo o terreno perfeito para a tirania do personagem de Paulo Autran.
    Em Terra em Transe, o “fascismo à brasileira” se encarna na figura de Porfírio Diaz, um fascismo plural e sincrético, onde o conservadorismo aparece de forma híbrida, carnavalesco e produtivo. O cinema de Glauber inova na crítica ao conservadorismo representado pela ditadura civil-militar. O atual lema das forças conservadoras que encarnam o bolsonarismo, dentre outros segmentos da política brasileira, “liberal na economia, conservador nos costumes”, está presente, mas de forma indireta. Ou seja, Diaz encarna esse enunciado, mas na prática, na micropolítica, utiliza dos mesmos “métodos” de cooptação que a maioria das elites que dominam o cenário político de Eldorado, com orgias e promessas de ascensão social, participação no governo vigente, inserção nas redes de poder que moldam as subjetividades no espaço diegético do filme e fora dele. O filme está em constante estado de transe, assim como suas personagens; mas o transe de Diaz e de Paulo (personagem de Jardel Filho) é bem diferente do transe assumido pelas personalidades do cenário político hoje, ou seja, o “transe bolsonarista”. Ele também envolve o imaginário de orgias (e outras “perversões”) em seus bastidores, porém, exteriormente ele é um transe purista, mas não menos convulsivo, dos evangélicos e da ortodoxia católica. Um transe iconoclasta que encarna a figura do fascismo histórico mais destrutivo, uma arquitetura da destruição que vê no outro, na diferença, um adversário a ser eliminado; no entanto, o sujeito é outro: o que antes era o “comunismo” agora são os movimentos LGBTQIA+, negro, feminista, e os movimentos populares reinventados pelas particularidades dos sujeitos que compõem o diagrama plural e multifacetado do novos agentes políticos.
    Como o nosso cinema – mais uma vez fragilizado e agora paralisado pelo agravamento da pandemia – pode responder a este desafio histórico, de maneira análoga com que o Cinema Novo respondeu, quando houver oxigênio para que ele volte a respirar? Um pouco antes da pandemia, Bacurau (2018) surgiu como uma espécie de “elo perdido” com o aquele cinema revolucionário dos anos 1960 (Cinema Novo e Cinema Marginal principalmente), ensaiando o que poderia ser a alegoria do transe destas primeiras décadas do século XXI. Mas entendemos que há muito mais a ser contemplado. Precisamos de novos filmes que precisam ir além; deixar de lado os falsos dilemas da subjetividade neoliberal e “encarnar” este país mais uma vez. Em suma, retornarmos às potencialidades das imagens glauberianas na simulação (em transe) do que Deleuze chamou de fabulação, para, em seguida, delimitar a imagem do “fascismo” e as resistências estética e políticas evocadas por Glauber a partir de sua fala enquanto criação e de sua falta enquanto povo a se construir nas imagens cruas e diretas, mas também alegóricas e poéticas, que faz do cinema “o avesso do alabastro, a escultura da rima” (Ezra Pound).

Bibliografia

    BAKHTIN, Mikhail. Problemas da poética de Dostoiévski. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2000.
    BENJAMIN, Walter. “Sobre o conceito de história”. In: LÖWY, Michael. Walter Benjamin: aviso de incêndio. São Paulo: Boitempo, 2005
    DELEUZE, Gilles. Cinema 2: a imagem-tempo. São Paulo: Editora 34, 2018.
    DELEUZE, Gilles. Conversações. São Paulo: Editora 34, 2013.
    DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Mil Platôs: capitalismo e esquizofrenia 2. São Paulo: Editora 34, 2007. (Vols. 1 a 5.)
    FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. São Paulo: Paz & Terra, 2019.
    GUATTARI, Félix. Caosmose: um novo paradigma estético. São Paulo: Editora 34, 2000.
    HARDT, Michael; NEGRI, Antonio. Empire. Cambridge (EUA): Harvard University Press, 2000.
    ROCHA, Glauber. Revolução do Cinema Novo. São Paulo: Cosac Naify, 2003.
    XAVIER, Ismail. Alegorias do subdesenvolvimento. São Paulo: Cosac Naify, 2011.