Trabalhos Aprovados 2021

Ficha do Proponente

Proponente

    Kira Santos Pereira (UNILA)

Minicurrículo

    Docente da área de som para Cinema e Audiovisual na UNILA – Universidade Federal da Integração Latino-americana. Doutora em Multimeios pela Unicamp, com pesquisa sobre a criação sonora na etapa da montagem fílmica, focando no cinema brasileiro, bolsista Capes. Mestre em Ciências da Comunicação pela ECA-USP, com dissertação sobre o processo criativo do som no cinema brasileiro contemporâneo, bolsista CNPq. Atua no audiovisual desde 2000, como editora de som e técnica de som direto.

Ficha do Trabalho

Título

    Montagem e som no cinema Artesanal: o caso de Estrada Para Ythaca

Resumo

    Montagem e som estão desde os primórdios do cinema intimamente conectados. Dependendo de seu modo de produção tal relação criativa assumirá características únicas. Apontarei aqui traços do modo que nomeei como Artesanal, no qual existe uma recorrência de relações horizontais entre membros da equipe, bem como de marcas da precariedade. Abordarei então o processo de criação de Estrada para Ythaca (Ricardo Pretti, Luiz Pretti, Pedro Diógenes e Guto Parente, 2010), bem como seu resultado estético.

Resumo expandido

    Em minha tese, intitulada Relações Entre Montagem e Som: Processos Criativos e Modos de Produção no Cinema Brasileiro (2020), a pesquisa se focou na relação entre a montagem e o som cinematográficos. Busquei explorar as diversas formas como a montagem pode ou deve interferir para a criação do som de obras audiovisuais. Entendemos, assim como Eisenstein (2002), Leone e Mourão (1987), o processo de montagem de forma mais ampla. Este se inicia no roteiro, prossegue em decisões tomadas pela direção e se conclui apenas na finalização da edição de som.
    Procurei também compreender a diversidade existente nestes processos, que muitas vezes está relacionada ao seu modo de produção – Industrial, Independente ou Artesanal, conforme a terminologia adotada no estudo. Percebi que naqueles filmes nomeados como Artesanais, realizados com pouca ou nenhuma verba pública ou de grandes patrocinadores, existe com frequência uma relação hierárquica muito diferente do que aquela percebida nos demais modos. Há uma recorrência de relações permeadas pela amizade, com maior horizontalidade entre os(as) membros(as) da equipe e grande abertura para que interfiram na criação dos filmes. Ainda com relação à estética de equipe (MIGLIORIN, 2017), podem ocorrer arranjos não usuais. Um exemplo seria Estrada para Ythaca, no qual os quatro diretores, que são os atores principais do filme, revezam-se nas funções de câmera e captação de som, assinando juntos também o roteiro e a montagem. A edição de som se deu no mesmo programa da montagem, e ao ser perguntado sobre a mixagem Guto Parente responde: “Mixagem? O que é isso? Essa seria a nossa reação a essa pergunta na época” (PEREIRA, 2020, P. 193)
    Tais filmes, por não estarem atrelados à necessidade de obter grande público, contam com maior liberdade para a experimentação, o que em alguns momentos pode tornar a relação com o espectador mais exigente. Segundo entrevista concedida pelos realizadores a mim, há sim um desejo de comunicação com o público, no entanto segundo Parente eles pensam filmes como obras de arte, e não como “produtos de consumo imediato” (PEREIRA, 2020, p.193). Estrada para Ythaca por exemplo apresenta uma série de explorações de linguagem não tão comuns: repetem-se cenas extremamente longas e com silêncios “excessivos”, e há muitos momentos nos quais não compreendemos os diálogos. O filme quebra assim várias das regras estabelecidas para o som e a montagem do studio system (DOANE, 1985, pp. 54-62), que ainda dominam o cinema atual. A falta de intelecção a princípio pareceu-me uma marca da precariedade da produção, pois há planos muito abertos e/ou nos quais os quatro realizadores estão em quadro, não restando ninguém para operar o áudio. Ademais não contavam com lapelas, que possibilitariam uma escuta próxima mesmo aos planos gerais.
    A artesania entretanto foi percebida não apenas como uma condição imposta mas também como uma escolha política e estética. Parente (in LIMA, 2016, p.175), relaciona o não acesso à “parafernália” cinematográfica e a inexistência de um mercado cinematográfico local com a chance para o aprendizado de diversas funções técnicas e para a experimentação, abrindo “muitas possibilidades”. No caso da distância percebida nas vozes, por exemplo, o silêncio relativo abre espaço para a escuta do ambiente. Ao não termos acesso ao conteúdo dos diálogos reforça-se também uma sensação de que alguns aspectos, sentimentos ou fatos mostrados no filme estão restritos ao grupo de amigos, e que devemos manter a distância, como que em sinal de respeito. Tal silêncio relativo somado ao silêncio quase total de outras cenas acaba por ser significativo e bem-vindo num filme que fala sobre o luto.
    Conclui-se que as características artesanais de Ythaca, como de outros filmes, acabam, por um lado, imprimindo algumas marcas (não necessariamente negativas) de sua precariedade. Por outro, trazem uma grande liberdade de experimentação, possibilitando a criação de filmes artisticamente relevantes

Bibliografia

    DOANE, Mary Ann. Ideology and the practice of sound editing and mixing. In Weiss & Belton. Film Sound: Theory and Practice. New York: Columbia University Press, 1985.
    EISEINTEIN, Sergei. A Forma do Filme. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editora, 2002.
    LEONE, Eduardo; MOURÃO, Maria Dora. Cinema e Montagem. São Paulo: Ática, 1987.
    LIMA, Erico Araújo (org). Mostra Alumbramento (catálogo de mostra). Caixa Cultural, 2016.
    MIGLIORIM, Cézar. Por um cinema pós-industrial – Notas para um debate. Disponível em http://www.revistacinetica.com.br/cinemaposindustrial.htm. Pesquisado em 24/04/21.
    PEREIRA, Kira Santos. Relações Entre Montagem e Som: Processos criativos e Modos de Produção no Cinema Brasileiro. Tese (doutorado). Campinas: Unicamp, 2020.
    SALES GOMES, Paulo Emilio. Cinema: Trajetória no Subdesenvolvimento. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996.

    Filmografia:
    ESTRADA para Ythaca. Direção: Ricardo Pretti, Luiz Pretti, Pedro Diógenes, Guto Parente. Fortaleza: Alumbramento Filmes,